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Depressão Sazonal

 “Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo do céu” (Ecl 3,1).

Foto: Milada Vigerova/ Unsplash

Foto: Milada Vigerova/ Unsplash

Redação (20/06/2023 09:27, Gaudium Press) A natureza funciona como um relógio perfeito: cada coisa no seu tempo, cada acontecimento dentro de sua estação própria. Isso se dá não porque a natureza é perfeita, mas porque ela é divina; e Deus é a perfeição. Nosso maior desafio é viver de acordo com essa temporalidade que nem sempre entendemos e quase nunca aceitamos; se chove, queremos sol e se o sol está forte, queremos chuva.

No meio católico é muito comum o uso da expressão “viver em conformidade com a vontade de Deus”. Santo Afonso Maria de Ligório[1] escreveu um tratado sobre isso, um pequeno livro, de conteúdo imensurável, leitura obrigatória a todos os que têm fé. No entanto, quando pensamos a respeito do assunto, logo nos vem à mente fazer a vontade de Deus nas grandes coisas, naquilo que afeta nosso destino diretamente. Viver de acordo com vontade de Deus, porém, é estar disposto a isso, inclusive nas coisas mais simples, como aceitar o sol e a chuva com a mesma naturalidade e espírito de gratidão.

Parece fácil, mas não é. Quantos de nós anseiam por fenômenos místicos que nos mostrem a vontade de Deus com clareza, “com todas as letras” – como dizem os mais antigos! Que bom seria se os céus se abrissem e anjos e santos se tornassem visíveis amiúde, dizendo-nos o que fazer e o que não fazer para estar em perfeita conformidade com a vontade de Deus! Mas a realidade é outra. Devemos descobrir por nós mesmos e tentar agir da forma certa; uma dificuldade que até mesmos os santos experimentaram.

Primeiro, porque a nossa vontade não dita os rumos dos acontecimentos e não faz girar o mundo de um determinado jeito e não de outro. Dependemos das circunstâncias externas, das determinações políticas, das leis humanas, as quais nem sempre são justas e decentes ­– leis pró-aborto ou pró-eutanásia, por exemplo, passam ao largo da decência, da caridade, da justiça e da vontade de Deus. Dependemos também das ações e decisões de outras pessoas, de regras de conduta, de normas operacionais e de circunstâncias, como saúde ou doença, pobreza ou riqueza, abundância ou miséria. Dependemos até mesmo das estações do ano, e elas podem ditar o nosso comportamento.

Tratando de um tema bem conhecido…

Hoje, escolhi um tema que conheço bem: a depressão sazonal, que me segue desde a infância e que demorei muito para conhecer e aceitar como uma patologia e não como uma fraqueza de caráter ou uma propensão ao pecado do desânimo. Na infância, isso nem era levado em consideração e eu apenas era considerado um menino diferente. Não havia conhecimento médico ao nosso alcance que explicasse aquela melancolia que transformava o menino alegre e, normalmente, muito ativo que eu era, numa criança triste, apática e fechada.

Incapaz de lidar com o assunto, minha mãe rezava mais terços do que o habitual e, com sua sabedoria de mulher simples, mas iluminada por uma fé pura, me recomendava a Nossa Senhora e, certamente, era Ela quem me conduzia naqueles meses terríveis em que eu era vencido pela melancolia. Acabava o inverno, o frio ia embora e, como num passe de mágica, a minha vivacidade retornava, e lá estava eu de novo com uma peneira na mão, correndo atrás das borboletas, rodando meu pião e participando dos jogos normais aos meninos daquela época.

Na adolescência, o embate foi mais difícil e desafiador e, muitas vezes, cheguei a achar que a melancolia levaria a melhor, pois, em muitos momentos, a vida me pareceu insuportável. Coisas da idade, diziam. Quando ele ficar mais velho, isso passa. Hoje, lembrando-me do verdadeiro inferno emocional que vivi naqueles anos, entre o fim da infância e o início da vida adulta, entendo porque nessa fase acontece o maior número de suicídios. Algo a que os pais devem estar muito atentos.

35% da população sofre alterações de humor no inverno

Bem, tornei-me um homem, com outros horizontes, novas possibilidades e realizações, mas eis que, de quando em quando, me via prisioneiro do velho e conhecido inimigo e, não tenho vergonha de confessar, houve momentos em que até questionei a minha sanidade, pois não me parecia normal estar bem, levar avante carreira, família, emprego, ser um homem de fé, realizado em praticamente todos os aspectos da vida e, de repente, de uma hora para outra, cair na mais terrível apatia, tomado por uma tristeza que nenhuma lógica era capaz de debelar.

A maior parte dos sintomas pelos quais era acometido parecia com os descritos nos quadros de depressão, exceto que, em vez de ser uma situação que se arrastava durante meses ou até anos, eu passava um período mergulhado na mais profunda tristeza e um dia acordava bem-disposto, alegre e cheio de energia e entusiasmo, retomando os projetos e a rotina, como se nada tivesse acontecido.

Uma das maiores bênçãos que recebi foi ter conhecido um excelente médico que, depois de me ouvir, explicou com muita clareza a origem do meu mal: eu sofria de depressão sazonal.

A depressão sazonal é um subtipo de depressão que possui relação com a mudança do clima e, normalmente, acomete as pessoas no período de outono e inverno, intensificando-se nessa época. Há um estudo conduzido por pesquisadores do Reino Unido que estima que um pouco mais de 35% da população sofre alterações de humor no inverno. Essa condição é mais comum nas regiões mais frias, nas quais o índice de depressão costuma ser bem elevado, sobretudo em países como Finlândia, Noruega e Suécia, onde os dias são mais curtos e há menos horas de luz no inverno. Mas nós, habitantes de um país de clima tropical, também sofremos com essa condição.

Para alguns, trava-se uma verdadeira luta

Cientistas acreditam que a razão para os sintomas da depressão surgirem com mais intensidade nos meses frios – podendo piorar o quadro de quem já sofre com a doença e afetar pessoas que não apresentam quadro depressivo no resto do tempo – está relacionada com a exposição solar e com o efeito direto da luz na produção de serotonina e melatonina no cérebro.

Com a chegada do frio, principalmente quando seguido de chuva, muitas pessoas se sentem com menos energia, sem vontade de sair da cama, de trabalhar, de interagir e de realizar as atividades comuns de seu dia a dia. Mas é algo que um banho quente e uma xícara de chá, café ou chocolate fumegando são suficientes para colocar as coisas no lugar, e toca-se a vida. Para alguns, porém, trava-se uma verdadeira luta. É como se uma nuvem negra nos envolvesse e transformasse tudo em uma matéria densa, pesada, intransponível.

Os principais sintomas dessa melancolia do frio, como aprendi a defini-la, são: tristeza, ansiedade, angústia, fadiga, apatia, irritabilidade, cansaço extremo e injustificado, aumento do sono durante o dia, sentimento de culpa, dificuldade de concentração, redução da produtividade no trabalho, desejo de encontrar soluções imediatas para todos os problemas, isolamento social, vontade extrema de ficar sozinho, dificuldade de se relacionar com outras pessoas, grande perda de energia aos menores esforços, mau humor, compulsão por carboidratos, especialmente doces e amido e, em muitos casos, pensamentos suicidas.

A pílula da felicidade não existe

Com tantas décadas de vida e tantos invernos de experiência, consigo não deixar que a minha razão seja totalmente consumida por essa emoção desordenada, mas preciso admitir que ela tem seu peso, e é um grande peso. São dias difíceis em que minha produção intelectual parece se reduzir a um terço do normal. Qualquer atividade física se torna difícil de executar, a paciência dá lugar à ansiedade e o que me ajuda a manter o foco é uma pequena frase que mandei entalhar em uma tabuleta e mantenho na parede da sala de minha casa: “Tudo passa”.

No entanto, poucos compreendem o que se passa dentro de uma pessoa que enfrenta esse tormento, que pode ser classificado como um espinho na carne. Pessoas perdem empregos por faltarem sem justificativa ou se tornarem negligentes no exercício de suas funções; relacionamentos são abalados e amizades são estremecidas.

A depressão é uma doença muito séria, talvez uma das mais sérias, principalmente por ser difícil de entender até mesmo por quem a possui e, muitas vezes, difícil de aceitar por aqueles que convivem com quem a tem. Muitas pessoas precisam ser medicadas, embora os remédios não sejam a única solução.

Longe de mim questionar procedimentos médicos, posto que esta não é a minha área, mas não é novidade para ninguém que, de algumas décadas para cá, com muitas drogas experimentais que enriqueceram muitos laboratórios farmacêuticos, criou-se uma verdadeira febre pela “pílula da felicidade” que, sabemos, não existe. Isso faz com que algumas pessoas que sofrem apenas com a depressão sazonal, ao procurarem um psiquiatra durante o inverno, em sua pior fase, possam ser erroneamente diagnosticadas e passarem a ser medicadas no inverno, na primavera, no verão e pelo resto da vida. Por isso, é preciso estar atento e, se necessário, ouvir a opinião de um segundo médico.

Só Deus basta

Quando o inverno chega em minha alma, procuro tomar os cuidados necessários para não me deixar abater completamente: falo menos com as pessoas – principalmente para não ter que dar explicações sobre algo inexplicável –, cuido da alimentação, ingerindo mais vegetais escuros, amêndoas, castanhas e chás bem quentes, procuro tomar sol o máximo possível e fazer caminhadas. E tento ser tolerante comigo mesmo, produzo aquilo que dá, aquilo que é possível, procuro não tomar grandes decisões e, graças ao exemplo da minha boa mãe, rezo mais e continuo me recomendando às boníssimas mãos da Virgem Maria para que me conduza amorosamente até que o frio passe e tudo volte ao normal. É como se mergulhasse numa “hibernação marial”, caminhando de mãos dadas com Nossa Senhora o quanto minhas forças permitem e mergulhando no seu Imaculado Coração quando o caminhar já se torna mais difícil.

Creio que seja por isso que o capítulo 3 do Livro do Eclesiastes, cujo primeiro versículo usei como epígrafe, fale tão alto ao meu entendimento, porque a sabedoria divina, que regula as forças da natureza, nos ensina que há um tempo para tudo embaixo dos céus, até mesmo um tempo para estar triste. E olhando para a minha velha placa pendurada na parede, todos os dias repito os versos de Santa Teresa: “Nada te perturbe, nada te espante, tudo passa. Deus não muda, a paciência tudo alcança; quem a Deus tem, nada lhe falta: Só Deus basta.”

 

Por Afonso Pessoa


[1] SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Tratado da conformidade com a vontade de Deus. São Paulo: Santa Cruz, 2020.

 

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