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Maria, Auxiliadora dos Cristãos: uma devoção para nossos dias

No dia 24 de maio a Igreja celebra a memória de Nossa Senhora Auxiliadora. Cabe-nos aproveitar essa data para considerarmos a história dessa invocação e nos aprofundarmos nela. A Igreja, mais do que nunca, necessita do auxílio de Nossa Senhora.

R226 LUZ Lepanto

Redação (15/05/2022 09:28, Gaudium Press) Dentre as diversas invocações dirigidas à Mãe de Deus, a de Auxiliadora dos Cristãos brilha com especial destaque. Em todo o mundo, abundam as igrejas e os colégios; as novenas e os santinhos, que manifestam a confiança dos fiéis n’Aquela que está disposta a tudo atender.

No entanto, poucos conhecem como surgiu essa louvável devoção.

Que milagres confirmaram a intervenção de Maria Santíssima? Quem foi seu “principal apóstolo”? Por que se celebra esta festa no dia 24 de maio?

Invasão de estrangeiros na Europa

Tudo remonta ao ano de 1571.

Sob o pontificado de S. Pio V, a Igreja atravessava tempos difíceis: os reinos católicos da Europa estavam divididos e uma enorme esquadra maometana preparava-se para avançar contra a Cristandade.

Com muito custo, o Santo Padre constituiu a ‘Liga Santa’, na qual se reuniam Espanha, Veneza, Gênova, Malta e Estados Pontifícios. Ainda assim a desproporção era considerável…

Sob o comando de D. João d’Áustria, partiram 208 galeras, com 50.000 marinheiros e escravos, e 31.000 soldados. Em contraposição, a armada otomana, chefiada pelo Almirante Ali-Pachá, era composta de 286 galeras, somando um total 120.000 entre homens de guerra e marinheiros.

O empreendimento era arriscado, mas S. Pio V possuia uma fé robusta. Ele havia pedido a toda a Cristandade que se unisse em oração pela vitória da esquadra católica, especialmente pela recitação do Santo Rosário. O próprio Sumo Pontífice dava o exemplo: era o que mais rezava e mais fazia sacrifícios.

Uma batalha decisiva para a Cristandade

Chegou finalmente o dia 7 de outubro. No golfo de Lepanto, os guerreiros cristãos sofriam duramente o peso da luta. O vento soprava a favor de Maomé e a situação era favorável aos muçulmanos; mas ainda assim a vitória pairava incerta sobre os combatentes. No centro da formação, as naus capitânias se reconheceram e se aproximaram para o embate definitivo: o estandarte do Crucificado contra o lábaro do crescente, a galera de D. João contra a de Ali-Pachá.

Enquanto isso, no Vaticano, S. Pio V despachava com seu tesoureiro. Em determinado momento, interrompeu o trabalho, dirigiu-se até uma janela e permaneceu um tempo olhando para fora. Estaria tendo alguma visão? O certo é que, voltando-se para os cardeais, exclamou: “Cessem os trabalhos! Não é hora de tratar de negócios, mas sim de dar graças a Deus pela vitória alcançada sobre os turcos”.

Ora, apenas no dia 26 de outubro, chegaria um mensageiro para comunicar a esperada notícia, comprovando então que a visão de S. Pio V fora no mesmo dia e horário que se determinava a vitória para o exército cristão. De que modo isso se deu?

Do confronto entre as galeras dos dois generais, saiu vencedor D. João d’Áustria – não sem muitas dificuldades e incertezas no decorrer da batalha. Um brado de vitória ressoou entre os católicos e um valente guerreiro, escalando o mastro principal da galera inimiga, arrancou a bandeira mulçumana e colocou no lugar a de Cristo Crucificado.

À vista disso, os árabes foram tomados de um tremendo pavor e se puseram em fuga.

Houve um acontecimento extraordinário que só posteriormente os católicos viriam conhecer pela pena de cronistas árabes: uma Senhora aparecera no Céu, em determinado momento da batalha, com olhar severo e ameaçador, intiminando os inimigos da Religião Cristã.

Devido à patente intervenção da Santíssima Virgem em tão incerta, arriscada e decisiva empresa – não nos esqueçamos de que o futuro da Cristandade estava em jogo – o Santo Padre instituiu o dia 7 de outubro como festa de Nossa Senhora do Rosário e acrescentou a invocação de ‘Auxiliadora dos Cristãos’ na ladainha de Nossa Senhora, em agradecimento a Maria Santíssima pelo êxito da batalha.

Estava consignada a devoção que atravessaria os séculos.[1]

Contudo, a Santa Igreja se veria perseguida novamente, desta vez porém, não mais pelos pagãos…

O Santo Padre, exilado

O início do século XIX foi marcado pelo império de Napoleão, que transformou a história da França, da Europa e, portanto, do mundo.

Após os conturbados anos da Revolução Francesa, em que a França se portara como uma filha rebelde da Santa Igreja, Pio VII estendeu-lhe a mão para reatar a amizade, firmando a Concordata com Napoleão, em 1801 – não sem suscitar espantos e inconformidades tanto no partido católico como no anticatólico.

 Todavia, tendo-se passado apenas cinco anos, em 1806, Napoleão ambicionava agregar também os Estados Pontifícios a seu império. Encolerizado contra aquele a quem prometera paz, ameaçou de modo insolente o Santo Padre e acabou por invadir os territórios papais. Desterrou o Sumo Pontífice, prendendo-o primeiro em Savona e posteriormente em Fontainebleau, no ano de 1809.

Cena de assustar: ver preso e impedido de agir aquele que mereceria todo respeito e submissão – se não por suas virtudes, ao menos pelo exercício da sagrada função de Vigário de Cristo.

Perplexo, o Pontífice dirigiu-se Àquela que outrora livrara a Igreja do perigo maometano, e prometeu que, no dia em que fosse libertado, proclamaria festa à Mãe de Deus, sob a invocação de “Auxilium Christianorum”.

Foi assim que, chegando em Roma no dia 24 de maio de 1814, declarou este dia consagrado a Nossa Senhora, Auxiliadora dos Cristãos.[2]

Mas a glória de ser o apóstolo de Maria Auxiliadora não estava reservada a Pio VII, e sim a outro Sacerdote – desta vez um grande santo – que nasceria ainda durante seu pontificado.

“Especial Auxiliadora dos povos católicos de todo o mundo”

Nascido em 1815, S. João Bosco acompanhou os últimos anos de Pio VII até os dias de Leão XIII.

Sua vida foi um constante louvor a Maria, especialmente sob a invocação de Nossa Senhora Auxiliadora. Por isso, ela é, com razão, chamada “a Virgem de Dom Bosco”, uma vez que ele foi “seu mais ativo devoto e apóstolo.”

A Ela dedicou uma igreja, sob sua proteção fundou as ‘Filhas de Maria Auxiliadora’ e em sua honra escreveu sete obras. E tudo isso certamente não bastou para manifestar inteiramente sua grande devoção a Maria Auxiliadora.[3]

Entretanto, D. Bosco via que Nossa Senhora era o auxílio não só dos fiéis em seus problemas particulares, mas também o quanto a própria instituição da Santa Igreja só se salvaria das tempestades que atravessava pela devoção à Mãe de Deus.

Isto se deve sobretudo por um sonho tido em maio de 1862. Via ele a Igreja Católica representada por uma embarcação, cercada por inimigos e em meio a um mar revolto. O papa, que comandava a barca de Pedro, dirige-se até determinado ponto do oceano onde erguiam-se duas altas colunas. Uma encimava uma grande Hóstia, simbolizando a devoção à Eucaristia, e a outra tinha no cume uma imagem de Maria Santíssima, com um letreiro: “Auxiliadora dos Cristãos.” Ancorada nas colunas, a Igreja se vê salva da tempestade e dos adversários; e estes, constatando a proteção que sobre ela pairava, desistiram de persegui-la e fugiram. [4]

Escutemos um pouco a voz de S. João Bosco – suas palavras são carregadas de bênção e santidade. Apesar de se dirigir aos católicos de seu século, bem podemos – e talvez com maior propriedade até – aplicar tais palavras aos de nossos dias:

“A necessidade hoje sentida por todas as partes de invocar Maria não é particular, senão geral… A mesma Igreja Católica é atacada: em suas funções, em suas sagradas instituições, em sua Cabeça, em sua doutrina, em sua disciplina. É atacada como centro de verdade, como mestra de todos os fiéis. E é em verdade que se recorre a Maria como Mãe universal, como especial auxiliadora dos reis e dos povos católicos de todo o mundo.”[5]

E dirigindo-se a Ela, S. João Bosco compõe uma piedosa e profunda oração:

“Não sejais, Mãe de misericórdia, insensível às dores da Igreja, menosprezada em sua doutrina e em seus sacramentos. Não permitais que seja derramado em vão o Sangue preciosíssimo de vosso Divino Filho. Que não se glorie Lúcifer por mais tempo. Iluminai aos cegos que a perseguem; fortalecei aos débeis que não a defendem. Já basta de dores e amarguras, já basta de opressão e indiferença. Brilhe, ó Maria, vosso poder sobre a terra, seja glorificada por Vós e acatada a religião; observados os mandamentos de Deus e da Igreja, para que os louvem e gozem os homens pelos séculos infinitos. Amém.”[6]

Por João Luís Ribeiro Matos


[1] Cf. COLOMA, Luis. Jeromín. Bilbao: Administración de el mensajero del C. de Jesús, s. d., v. 2, p. 83-126.

Cf. VICOMTE DE FALLOUX. Histoire de Saint Pie V Pape de l’ordre des frères prêcheurs. Chiré-em-Montreuil: Editions de Chiré, 1978, p.371-405.

Cf. WALSH, William Thomas. Felipe II. Madrid: Espasa-Calpe, 1943, p.567-576.

[2] Cf. CHANTREL, J. Histoire Populaire des Papes. Paris: Messager de la Semaine, 1865, v. 23(Pie  VII et Napoleón I), p. 27-137 .

[3] CANALS PUJOL, Juan (dir.). San Juan Bosco – Obras fundamentals. Madrid: BAC, 1995, p. 684, 749-751.

[4] FERREIRA, Antônio da Silva. Acima e Além: Os Sonhos de Dom Bosco. São Paulo: Salesiana, 2010, p.11-14.

[5] SÃO JOÃO BOSCO. Maravilhas da Mãe de Deus invocada sob o título de Maria Auxiliadora. apud CANALS PUJOL, Juan (dir.). Op. cit., p. 753-754.

[6] Idem. Novenário a Maria Auxiliadora, apud FIERRO, Rodolfo (dir.). Biografía y Escritos de San Juan Bosco. Madrid: BAC, 1967, p. 685.

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