São Boaventura: lutas na Universidade de Paris
Em Bagnoregio, pitoresca cidadezinha situada no alto de uma montanha, no Centro da Itália, nasceu, em 1221, São Boaventura.
Redação (06/12/2023 17:02, Gaudium Press) De família católica, recebeu o nome de João quando veio à luz. Aos quatro anos de idade, ficou gravemente doente e seu pai, médico, julgou que o menino iria morrer. Mas sua mãe, grande devota de São Francisco de Assis, o qual se encontrava nas redondezas, o levou até ele e rogou que o curasse.
São Francisco fez um sinal da Cruz sobre a fronte de João, que ficou totalmente restabelecido. Olhando para o rosto do menino miraculado, o Santo exclamou: “Ó boa ventura!” A partir de então, João passou a se chamar Boaventura.
Conservando sempre a inocência, Boaventura fez grandes progressos na vida espiritual, tendo como modelo São Francisco e almejando entrar na Ordem por este fundada.
Aos 22 anos de idade, recebeu o hábito de franciscano e foi enviado à Universidade de Paris para cursar Filosofia e Teologia. O principal de seus professores, Alexandre de Harles, franciscano natural da Inglaterra, posteriormente recebeu o título de “Doutor Irrefragável”, pois ninguém conseguia refutá-lo.
Maravilhado pelas altíssimas virtudes de Boaventura, Harles chegou a afirmar que ele parecia não ter sido atingido pelo pecado original.
Entretanto, a maior graça que São Boaventura recebeu nessa universidade foi a de conhecer, admirar e tornar-se amigo de São Tomás de Aquino.
Certo dia, o Doutor Angélico perguntou-lhe em que livros tinha estudado. Voltando-se para uma imagem de Nosso Senhor pregado na Cruz, ele respondeu que hauria seus conhecimentos em Jesus crucificado.
Professor na Universidade de Paris
Não tendo ainda sido ordenado sacerdote, participava das Missas, mas muitas vezes não recebia a Eucaristia, pois naquela época inexistia o costume da comunhão diária. Do processo de sua canonização, efetuada em 1482, consta a narração deste milagre:
“Muitos dias se haviam passado, sem que [Boaventura] ousasse apresentar-se à Mesa Sagrada; mas, enquanto ouvia a Missa e meditava na Paixão de Jesus Cristo, o Salvador, para coroar sua humildade e amor, colocou-lhe na boca, pelo ministério de um Anjo, uma parte da Hóstia consagrada que o padre tinha nas mãos”.[1]
Após o falecimento de um destacado professor de Teologia da Universidade de Paris, que era franciscano, São Boaventura foi nomeado para substituí-lo. Tinha 23 anos e, segundo o regulamento, a idade mínima para ocupar a cátedra era 25 anos. Mas, devido a seus extraordinários talentos, foi dispensado dessa regra e assumiu o importante cargo.
Eclodiu nessa Universidade um movimento contra as Ordens mendicantes, visando imediatamente proibir os dominicanos e franciscanos de ali lecionarem, e depois que fossem extintas essas instituições religiosas.
Em 1254, Santo Alberto Magno, dominicano, e São Boaventura se dirigiram a Roma a fim de defendê-las junto ao Papa Alexandre IV.
É belo imaginar o Doutor Universal – Santo Alberto Magno – e o Doutor Seráfico – título que São Boaventura posteriormente recebeu – caminhando a pé rumo à Cidade eterna, conversando sobre temas elevados e descortinando horizontes grandiosos…
Em defesa das Ordens mendicantes
Em 1255, Guilherme de Saint-Amour, nascido na cidade Saint-Amour, Nordeste da França, professor na Universidade de Paris, escreveu um livro contra os dominicanos – da Ordem dos Pregadores –, dizendo que eles eram os precursores e pregadores do Anticristo.
Nessa obra atacava também, sem citar o nome, o Rei da França São Luís IX, bem como os bispos que não combatiam os lobos devoradores de seus rebanhos, ou seja, os frades mendicantes.
São Boaventura, franciscano, fez causa comum com os dominicanos, escreveu um livro e promoveu conferências para os defender. Outros mestres entraram na liça, com grande repercussão na opinião pública.
Mas o chefe dos revoltados era Guilherme, que redigiu um libelo contra os mendicantes. E São Tomás de Aquino, dominicano e professor na Universidade de Paris, redigiu um opúsculo refutando esse libelo.
O Papa Alexandre IV pediu a São Luís que expulsasse Saint-Amour da França, e afirmou ser seu libelo “injusto, celerado, execrável, e os ensinamentos nele contidos eram maus, falsos e nefastos. Os detentores dessa obra tinham oito dias para queimá-la; os que não cumprissem essa prescrição incorreriam ipso facto em excomunhão”[2].
São Luís IX expulsou do reino da França o orgulhoso Guilherme de Saint-Amour, que morreu no exílio, em 1272.
Durante a batalha contra os inimigos das Ordens mendicantes, São Boaventura, em 1256, foi eleito por unanimidade Superior geral dos franciscanos, tendo apenas 35 anos de idade.
Seu antecessor, João de Parma, foi obrigado a deixar o cargo por ter aderido à doutrina do abade italiano Joaquim de Fiore, a qual fora condenada por Inocêncio III, no IV Concílio de Latrão, em 1215.
São Boaventura promoveu um processo contra ele, visando sua prisão, mas devido aos protestos veementes de um cardeal, Parma foi tão-somente enviado a um eremitério.
Beato Gregório X
O Santo visitou diversos conventos franciscanos da Europa, incentivando os monges ao progresso espiritual, através de suas palavras e, sobretudo, seu exemplo.
Em 1261, faleceu Alexandre IV. Após os pontificados de dois outros papas, houve uma vacância da Sé de Roma durante três anos, pois os cardeais estavam divididos quanto à escolha do sucessor de Pedro.
Pela atuação sapiencial de São Boaventura, os príncipes da Igreja elegeram, em 1271, um arquidiácono para o papado, que se encontrava na Terra Santa. Ele regressou à Itália, foi ordenado sacerdote e coroado Papa com o nome de Gregório X.
Esse pontífice admirava São Boaventura e o nomeou cardeal. Varão dotado de altas virtudes, ele foi beatificado e sua memória se celebra em 10 de janeiro.
Em 1274, Beato Gregório X convocou o IV Concílio de Lyon e designou São Boaventura para organizá-lo, preparando os temas que seriam tratados. Renunciou ao cargo de Superior dos franciscanos, fez exposições no concílio as quais convenceram os gregos a renunciarem o cisma e aderirem à verdadeira Igreja.
Entretanto, foi acometido de grave doença e, em 15 de julho de 1274, faleceu no convento franciscano de Lyon[3].
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] ROHRBACHER, René-François. Vida dos Santos. São Paulo: Editora das Américas. 1959, v. 13, p. 13-14.
[2] VACANT, A.; MANGENOT, E.; AMANN, É. DICTIONNAIRE DE THÉOLOGIE CATHOLIQUE. Paris: Letouzey et Ané. 1939, v. 14-I, coluna 760.
[3] Cf. DARRAS, Joseph Epiphane. Histoire Génerale de l’Église. Paris: Louis Vivès. 1882, v. 29, p. 512-518. VILLOSLADA, Ricardo Garcia. Historia de la Iglesia Católica – Edad Media.3. ed. Madri: BAC, 1963, v. II, p. 688, 785, 787.
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