O Advento
Na abertura do Ano Litúrgico, o Advento, Jesus nos exorta a estarmos sempre vigilantes, pois a hora do Juízo chegará de repente, quando menos esperarmos.
Redação (03/12/2023 09:04, Gaudium Press) A Igreja não elaborou suas cerimônias através de um planejamento prévio. Organismo sobrenatural, nascido do sagrado costado do Redentor e vivificado pelo sopro do Espírito Santo, possui uma vitalidade própria com a qual se desenvolve, cresce e se torna bela, de maneira orgânica. Assim foi se constituindo o Ano Litúrgico ao longo dos tempos, em suas mais diversas partes. Em concreto, o Advento surgiu entre os séculos IV e V, como uma preparação para o Natal, sintetizando a grande espera dos bons judeus pelo aparecimento do Messias.
À expectativa de um grande acontecimento místico-religioso corresponde uma atitude penitencial. Por isso os séculos antecedentes ao nascimento do Salvador foram marcados pela dor dos pecados pessoais e do pecado de nossos primeiros pais. Mais marcante ainda se tornou o período anterior à vida pública do Messias: uma voz clamante no deserto convidava todos a pedirem perdão de seus pecados e a se converterem, para que fossem endireitados os caminhos do Senhor.
Sinais precursores dos últimos acontecimentos
Desejando criar condições ideais para participarmos das festividades do nascimento do Salvador — sua primeira vinda —, a Liturgia selecionou textos sagrados relativos à sua segunda vinda: a nota dominante de uma é a misericórdia e a da outra, a justiça. Entretanto, esses dois encontros com Jesus formam um todo harmônico entre o princípio e o fim dos efeitos de uma mesma causa. Os Padres da Igreja comentam largamente o contraste entre uma e outra, mas, segundo eles, devemos ver na Encarnação do Verbo o início de nossa Redenção e na ressurreição dos mortos a sua plenitude.
Para estarmos à altura do grandioso acontecimento natalino, é indispensável colocarmo-nos diante da perspectiva dos últimos acontecimentos que antecederão o Juízo Final.
“Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: ‘Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento’” (Mc 13,33)
Enquanto discípulo muito íntimo de Pedro, Marcos transmite em seu Evangelho — que, aliás, foi o primeiro a ser escrito e divulgado — a síntese das pregações de nosso primeiro Papa. Sua ênfase no “Cuidado! Ficai atentos” tem origem no empenho especial manifestado por seu mestre nos últimos anos de vida, na cidade de Roma. Esse cuidado, pleno de zelo pelas almas, cumprindo o mandato do Senhor — “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21, 17) —, visava os problemas que então cercavam o nascimento da Igreja.
Sem nos determos na análise da História de há quase dois milênios, voltemos nossos olhos para os dias da atualidade.
A vigilância, virtude auxiliar da prudência, enquanto se identifica com a solicitude, tem um importante papel em nossa vida espiritual e moral. Ademais, a prudência tem estreita ligação com a vida social do homem. Sobre quais objetivos deveria se exercer a prática desta virtude neste começo de terceiro milênio? Quase não há um só instante em que possamos baixar nossa guarda.
Ação deletéria dos meios de comunicação social
De há muito — com a evolução da técnica e das descobertas científicas — os meios de comunicação social têm-se prestado a uma perigosa e atraente apresentação do mal e do pecado. Já na época de Leão XIII — fins do século XIX —, encontramos a clara manifestação da preocupação daquele Papa de saudosa memória: “O incentivo ao vício e os funestos convites ao pecado avançam: aludimos à licenciosidade e impiedade das representações teatrais, aos livros e aos jornais escritos com o propósito de fazer o vício aparecer como honesto e ridicularizar a virtude, e mesmo as artes que, inventadas para as necessidades da vida e dos honestos espairecimentos do espírito, são utilizadas como isca para inflamar as paixões humanas”.[1]
No século XX, seguindo sempre a mesma linha de ensinamento, faz-se ouvir a voz de Pio XI, também de feliz memória: “Não há hoje um meio mais poderoso para exercer influência sobre as massas, quer devido às figuras projetadas nas telas, quer pelo preço do espetáculo cinematográfico, ao alcance do povo comum, e pelas circunstâncias que o acompanham. […]
“É geralmente sabido o mal enorme que os maus filmes produzem na alma. Por glorificarem o vício e as paixões, são ocasiões de pecado; desviam a mocidade do caminho da virtude; revelam a vida debaixo de um falso prisma; ofuscam e enfraquecem o ideal da perfeição; destroem o amor puro, o respeito devido ao casamento, as íntimas relações do convívio doméstico. Podem mesmo criar preconceitos entre indivíduos, mal-entendidos entre as várias classes sociais, e entre as diversas raças e nações”. [2]
Essa ação deletéria tem seu início junto ao despontar do uso da razão:
“E por isso seu encanto se exerce com um atrativo particular sobre as crianças e os adolescentes. Justamente na idade, na qual o senso moral está em formação, quando se desenvolvem as noções e os sentimentos de justiça e de retidão, dos deveres e das obrigações, do ideal da vida, é que o cinema toma uma influência preponderante”.[3]
Não fica atrás a advertência de Pio XII, em meados do século passado: “Isso está corrompendo o mundo com uma imprensa e com espetáculos que matam o pudor nos jovens e nas moças, destroem o amor entre os esposos e inculcam um nacionalismo que conduz à guerra”.[4]
E nosso tão querido João Paulo II se exprimia de forma clara e lúcida sobre a mesma questão, em janeiro de 2004:
“Estes mesmos meios de comunicação possuem a capacidade de causar prejuízos graves às famílias, apresentando uma visão inadequada e mesmo deformada da vida, da família, da Religião e da moral. Este poder, tanto para reforçar como para desprezar os valores tradicionais, como a Religião, a cultura e a família, foi compreendido com clareza pelo Concílio Vaticano II, que ensinou que, ‘para o reto uso desses meios, é absolutamente necessário que todos os que se servem deles conheçam e ponham em prática, nesse campo, as normas da ordem moral’ (Inter mirifica, n.4)”.[5]
Campo de batalha para mestres e confessores
Nunca é demais alertar a respeito dos malefícios causados ao próprio uso das faculdades da alma — produzindo, por exemplo, a decadência intelectual —, quando esses veículos de comunicação são mal empregados.
Esse é um grande campo de batalha para os confessores, os diretores de consciência, os pais, os mestres, os formadores e os apóstolos: “Cuidado! Ficai atentos…”. Tanto mais que não se sabe “quando chegará o momento”.
É um convite, pois, para que todos nós sejamos vigilantes no tocante à imprensa, aos livros e revistas provocativas, à televisão, à rádio, à internet, entre outros.
Extraído, com adaptações de: CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2012, v. 3, p. 14-27.
[1] LEÃO XIII. Exeunte iam anno, de 25/12/1888.
[2] PIO XI. Vigilanti cura, n.18-19; 21.
[3] Idem, n.25.
[4] PIO XII. Discurso aos homens da Ação Católica, de 12/10/1952.
[5] JOÃO PAULO II. Mensagem para o 38º Dia Mundial das Comunicações Sociais, n.2-3.
Deixe seu comentário