Santa Teresinha do Menino Jesus: alegria contagiante até no leito de morte!
Como era possível que uma jovem de vinte e quatro anos, mortalmente doente e mergulhada em terríveis tentações contra a fé, espargisse tanta felicidade ao seu redor?
Redação (01/10/2023 12:34, Gaudium Press) Diversamente de outros Santos ao longo da História da Igreja, Santa Teresinha não foi uma alma favorecida com êxtases, visões ou brilhantíssimas e inéditas comunicações celestiais. Não se podem negar as graças místicas que a Providência lhe concedeu, tais como o sorriso de Nossa Senhora, o sonho com a Beata Ana de São Bartolomeu e, por fim, a última graça de sua vida, um visível arroubo sobrenatural antes de exalar o último suspiro.
Sem embargo, fora essas ocasiões excepcionais, a santidade de Santa Teresinha manifestou-se no dia a dia. O que a fez eminente não foram as revelações, nem as penitências, nem os milagres, mas sim o amor. Esta era a sua vocação!
Suas palavras foram guardadas e legadas aos fiéis graças à intuição que algumas das circunstantes tiveram de que, mesmo na vida comum, Teresinha não era uma alma qualquer. Sua simplicidade cativante dava mostras de um singular chamado da parte de Deus. E não erraram! Até hoje seus escritos e ditos têm sido motivo de graças para um número incalculável de pessoas.
Caráter jovial e vivo
Dos vários “vidrinhos” que compõem o vitral da personalidade da Santa de Lisieux manifestada neste último período, um chama especial atenção: sua alegria, profunda e contagiante! Como alguém acometido por uma dolorosa e mortal doença, mergulhada em terríveis tentações contra a fé, conseguia espargir tanta felicidade ao seu redor?
O bom humor era próprio ao seu caráter. Desde pequena, mesmo em meio à crise de escrúpulos que sofreu na infância, ela sabia conservar o semblante distendido, comunicar bem-estar aos demais e até mesmo ter ditos que chegavam à comicidade!
O escrito autobiográfico conhecido como Manuscrito A, preparado entre 1895 e 1896, conserva narrações desse gênero, e até mesmo as cartas redigidas no Carmelo podem suscitar alegres gargalhadas. Não resisto em citar uma delas.
Em março de 1897 ela escreveu a um sacerdote, seu irmão espiritual, que naquele tempo estava na China. Ele lhe havia narrado aspectos pitorescos de sua missão; ela, dando continuidade e até mesmo ampliando o tom jocoso, relata também um acontecimento sui generis passado sob o teto em que vivia:
“Pensais que no Carmelo não temos às vezes aventuras divertidas? O Carmelo, como o Su-Tchuen, é um país estranho ao mundo, onde se perdem os costumes mais elementares. Eis aqui um pequeno exemplo. Uma pessoa caridosa fez-nos, ultimamente, um presente de uma pequena lagosta bem amarrada numa cesta. Sem dúvida, havia muito tempo que esta maravilha não era vista no mosteiro. Contudo, nossa boa irmã cozinheira lembrou-se de que era preciso colocar o animalzinho vivo na água para cozinhá-lo. Assim fez, lamentando-se de ser obrigada a exercer tamanha crueldade com uma inocente criatura. A inocente criatura parecia adormecida e deixava fazer com ela o que quisessem, mas, tão logo sentiu o calor, sua doçura transformou-se em fúria e, conhecendo sua inocência, não pediu a permissão de ninguém para pular para o meio da cozinha, pois seu caridoso carrasco ainda não tinha posto a tampa na panela.
“Imediatamente, a pobre irmã se arma com umas tenazes e corre atrás da lagosta que dá saltos desesperados. A luta continua por longo tempo até que, cansada de lutar, a cozinheira, sempre armada com suas tenazes, vem toda em lágrimas ao encontro de nossa madre e declara-lhe que a lagosta está endemoninhada. Seu aspecto dizia muito mais que suas palavras. (Pobre criaturazinha tão doce, tão inocente há pouco… Eis que estás agora endemoninhada! Verdadeiramente, não se deve crer nos elogios das criaturas!) Nossa madre não pôde deixar de rir escutando as declarações do severo juiz que reclama justiça. Foi depressa à cozinha, apanhou a lagosta que, não tendo feito voto de obediência, opôs alguma resistência e, depois, tendo-a colocado em sua prisão, foi-se embora, mas após ter fechado bem a porta, isto é, a tampa.
“De noite, no recreio, toda a comunidade riu até às lágrimas da pequena lagosta endemoninhada e, no dia seguinte, cada uma pôde saborear um bocado dela. A pessoa que nos quis agradar não falhou na sua intenção, pois a famosa lagosta, ou melhor, sua história, haverá de nos servir de festim mais de uma vez, não no refeitório, mas no recreio. Pode ser que minha historiazinha não vos pareça muito divertida, mas asseguro-vos que, se tivésseis assistido à cena, não teríeis conseguido ficar sério”.
Ditos pitorescos que reluzem santidade
O mais impressionante é que esse lado vivaz e travesso de Santa Teresinha não se perdeu no percurso para a morte; no leito da enfermaria, rumando para a sepultura, brilhou muitas vezes: “Ela se diverte falando-nos de tudo o que acontecerá depois de sua morte. Pelos modos com que no-lo refere, a gente, quando devia chorar, solta gargalhadas, tão engraçada ela é”, comentava sua prima Ir. Maria da Eucaristia.
Ela possuía grande esperteza nesse objetivo, uma rapidez incrível para formar jogo de palavras, mímicas e até carícias as mais inesperadas! Em meio aos incômodos de um dos frequentes ataques de tosse, por exemplo, ela brincava dizendo: “Tusso! Tusso! Até pareço a locomotiva de um trem que chega à estação”. E continuava com um inocente ato de fé: “Também eu chego a uma estação: a do Céu, e eu o anuncio!”
Sua irmã e noviça, Celina, lamentava-se de que, após a partida de Teresinha, iria ficar louca. Então, utilizando a expressão Bon Sauveur – Bom Salvador em francês –, que aludia também à casa de saúde mental onde seu pai fora internado, a Santa respondeu: “Se ficardes louca, […] o ‘Bom Salvador’ virá vos buscar!”
Com outro trocadilho animou a mesma irmã, a qual dizia às outras que não conseguiria viver sem ela: “Tendes razão. Por isso vos trarei duas [asas]…” Ela – elle – e asa – aile – têm a mesma pronúncia no francês. No fundo, queria incutir em Celina o desejo de pairar acima das amarguras da vida terrena e ver os acontecimentos com perspectivas celestes.
Mesmo apalpando a morte, Santa Teresinha encontrava imagens espirituosas. Chamava a Jesus de Ladrão, tendo em vista que um dia Ele viria “roubá-la” para a eternidade: “Não tenho medo do Ladrão… Vejo-O de longe e não me ponho a gritar: Socorro! Ladrão! Ao contrário, chamo-O, dizendo: Por aqui! Por aqui!”
E sobre o fato de Nosso Senhor demorar em buscá-la, gracejava amorosamente: “Quando Ele me engana, faço-Lhe toda a sorte de cumprimentos, de tal modo que não sabe mais como agir comigo”. Desse modo insinuava que, a cada “decepção” por ver-se ainda neste vale de lágrimas, ela retribuía com maiores atos de virtude e de aceitação da vontade divina.
No dia em que desceu à enfermaria, ao ser posta na mesma cama em que a Madre Genoveva recebera por três vezes a Extrema-Unção, soltou um chiste: “Colocaram-me ‘num leito de infelicidade’, um leito que nos faz perder o trem”. E, em sentido contrário, quando o Pe. Maupas se recusou a lhe administrar este Sacramento, ela “planejou” a próxima visita do referido sacerdote: “Da outra vez, vou usar de ‘fingidura’, tomarei uma xícara de leite antes de ele chegar, porque depois disso sempre tenho muito pior aparência; em seguida, mal responderei, dizendo que estou agonizando”. Ela representava uma verdadeira comédia, comentam as que presenciaram a cena.
Numa ocasião em que o mosteiro recebeu flores artificiais em boas caixas de madeira da casa Gennin, disse para fazer as circunstantes rirem em meio ao drama de sua doença: “Gostaria de ser colocada numa caixinha a ‘Gennin’, não em um caixão!”
Em fins de agosto, recebendo a notícia de que o Bispo iria visitá-la, ponderou rindo: “Se ao menos fosse São Nicolau, que ressuscitou três crianças!”
De onde vinha tanta alegria?
Não terminaríamos frutuosamente este artigo se somente transcrevêssemos os gracejos da Santa de Lisieux. Para tirar proveito duradouro, cabe-nos meditar sobre a origem dessa capacidade incrível de viver alegre em meio às maiores torturas de alma e de corpo.
Em primeiro lugar, desejava que ninguém se acabrunhasse com seus padecimentos e futura ausência. Certamente o que mais lhe doía era ver sofrerem aqueles a quem amava; e, querendo poupar-lhes isso, fazia brotar de si a felicidade necessária para contagiá-los e consolar suas mágoas.
Mas não ousemos duvidar, como o fez Madre Inês de Jesus certa vez, da sinceridade de Santa Teresinha: “É para não nos entristecer que mostrais esse ar e dizeis palavras divertidas, não é?” Uma resposta categórica dissipou o juízo errôneo: “Sempre ajo sem fingimentos”.
Outro motivo de sua alegria pode ser vislumbrado nas afirmações da própria Teresa: “O Bom Deus sempre me fez desejar o que queria me dar”.
As graças recebidas ao longo de sua existência orientaram-na a almejar ser consumida no Amor, junto a um pressentimento profundo de que morreria jovem. E a tuberculose era a prova mais patente de que estava sendo atendida: “É inacreditável como todas as minhas esperanças se realizaram”.
Um ensinamento dado no início de sua convalescença é valioso: “Vejo sempre o lado bom das coisas. Há quem tome tudo de maneira a sofrer o mais possível. Quanto a mim, é o contrário. Se estou no mais puro sofrimento, se o Céu está de tal forma escuro que não veja nenhuma claridade… Então, faço disto a minha alegria”.
Mais do que tudo, seu bom humor se devia à plena aceitação dos desígnios da Providência: “Estou contente em sofrer, porque é o que o Bom Deus quer” e “a única coisa que me alegra é fazer a vontade do Bom Deus”.
Por fim, sua felicidade consistia também em vislumbrar, entre as brumas da provação, sua missão vindoura, a chuva de rosas se formando no horizonte: “Uma única expectativa faz bater meu coração: o amor que receberei e que poderei dar. E, depois, penso em todo o bem que gostaria de fazer após minha morte: fazer batizar as crianças, ajudar os sacerdotes, os missionários, toda a Igreja”;
“Se o Bom Deus atender aos meus desejos, meu Céu se passará sobre a terra até o final dos tempos. Sim, quero passar meu Céu fazendo o bem sobre a terra. […] Meu coração estremece ante esse pensamento…”
Que cada um de nós, ainda peregrinos sobre a terra, recorra a Santa Teresinha do Menino Jesus! Elevemos a ela súplicas confiantes e uma chuva de rosas será derramada sobre nós.
Por Lorena Mello da Veiga Lima
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 262, outubro 2023.
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