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Uma Rainha, quatro coroas

Quais diademas valiosos, os dogmas marianos cingem a santíssima fronte de Maria, fazendo transparecer aos olhos dos homens a predileção de que foi Ela objeto por parte de Deus.

Coroação da Virgem, pelo Mestre de Santa Viridiana Museu do Louvre, Paris - Foto: Francisco Lecaros

Coroação da Virgem, pelo Mestre de Santa Viridiana Museu do Louvre, Paris – Foto: Francisco Lecaros

Redação (22/05/2023 11:05, Gaudium Press) Quatro coroas de uma mesma Rainha e Mãe. Foram elas fruto do maternal carinho de outra mãe, a Santa Igreja, a qual, em seu afeto e veneração transbordantes por Nossa Senhora, logrou proclamar estas verdades de Fé de profundo alcance teológico. Quais diademas valiosos, os dogmas marianos cingem a santíssima fronte de Maria, fazendo transparecer aos olhos dos homens a predileção de que foi Ela objeto por parte de Deus.[1]

Mãe de Deus

O termo grego Theotókos, ou seja, “Mãe de Deus”, foi usado pela primeira vez provavelmente por Orígenes, chefe da grande escola de Alexandria, e tornou-se clássico entre os cristãos. Entretanto, não tardou em encontrar antipatia por parte de homens impiedosos.

“Nestório, Patriarca de Constantinopla, era um espírito orgulhoso, superficial, mais empolado que eloquente, amigo da novidade”.[2] Eis o perfil daquele que afirmava ser mais conveniente chamar Maria “Mãe do Cristo”, e o Homem que d’Ela nasceu, Theophoro (portador de Deus), ou Theodoque (que recebe Deus). Assim, afirmava existirem duas pessoas – uma divina e outra humana – em Jesus Cristo. Neste caso, a Virgem não seria Mãe de Deus, mas sim da “pessoa humana” de Jesus Cristo.

Este erro não passou despercebido diante daqueles que escutavam os sermões do heresiarca… mesmo o povo mais simples percebia haver um grave erro em afirmar não ser Maria Mãe de Deus. Providencialmente, uma figura imponente governava o célebre patriarcado de Alexandria.

São Cirilo, Patriarca de Alexandria no Egito, prontamente alertou Nestório de seus erros, mas em vão. Assim, como legado pontifício no Concílio de Éfeso, no ano de 431, o santo prelado, unido a outros duzentos bispos, condenou, da parte do Papa, o empedernido Nestório e seus escritos. Foi assim proclamado o Dogma da Maternidade Divina de Maria. Terminado o Concílio, todos os prelados foram recebidos pelo povo, que os estava aguardando do lado de fora da igreja, com transportes de entusiasmo!

Convinha, pois, que Deus viesse por Maria ao mundo. Se uma mulher estava na origem de nossa prevaricação, também em outra deveria residir a origem de nossa reabilitação;[3] e tal não poderia se dar de forma mais extraordinária que em uma criatura perfeitíssima que gerou e deu à luz seu próprio Criador. Por outro lado, para tirar ao homem orgulhoso todo pretexto plausível de negar a realidade da Encarnação, o Verbo Eterno decidiu sabiamente tomar seu corpo de uma verdadeira Mãe.[4]

Virgem antes, durante e depois do parto

Outro incomparável privilégio da Bem-Aventurada Virgem Maria é o de sua perpétua virgindade. Em Maria, a virgindade não foi transitória, mas conservou-se em todos os momentos de sua vida.

A clássica frase: Maria virgem antes, durante e depois do parto, não é um enunciado que se possa discutir ou colocar em dúvida, pois é verdade de fé expressamente definida no primeiro Concílio de Latrão, sob o pontificado do Papa Martinho I, em 649: “Se alguém não confessa, em conformidade com os Santos Padres, que a Santa Mãe de Deus […] engendrou [a Cristo], permanecendo indissolúvel sua virgindade, antes como depois do parto, seja condenado”.[5]

Era, pois, convenientíssimo que Maria concebesse a Jesus Cristo de forma virginal. Como nos ensina São Tomás de Aquino, isso devia ser assim pela dignidade do Pai celestial, pois não convinha que sua dignidade de Pai se comunicasse a outro.[6]

Este nascimento virginal foi miraculoso. Segundo afirmam alguns doutores, “Jesus saiu de Maria (…) como [mais tarde] iria entrar no Cenáculo, estando fechadas as portas”.[7]

Preservada de toda a mancha original

A Imaculada Conceição de Maria, dentre os quatro dogmas marianos, foi o que mais gerou discussões.

Desde o século V, celebra-se a Conceição de Maria, festa de grande destaque sobretudo no Oriente, onde era conhecida com o nome de “Conceição de Sant’ Ana”. Com o passar do tempo, esta devoção foi sendo amplamente difundida e, no século XI, já era comemorada em vários países da Europa.

A Igreja sempre viu este privilégio implicitamente expresso na saudação angélica: “Deus te salve, cheia de graça” (cf. Lc 1,28). Ora, se Ela fosse, em algum momento de sua vida, vítima da mancha original, sua plenitude em graça seria restrita.[8]

Entretanto, algumas controvérsias giraram em torno da doutrina da Imaculada Conceição na Europa, durante a Idade Média.

Certo é que as discussões existentes nesse período em nada comprometeram a autenticidade deste ensinamento secular: muitos anos depois, já durante o pontificado de Gregório XVI e nos primeiros anos de Pio IX, elevaram-se mais de 220 petições da hierarquia eclesiástica e de ordens religiosas para a definição de um dogma a este respeito.

Desta maneira, a 8 de dezembro de 1854, rodeado de 54 Cardeais, 42 Arcebispos, e 98 Bispos dos quatro cantos da terra, Pio IX proclamou oficialmente, através da Bula Ineffabilis Deus, o dogma tão esperado: A Imaculada Conceição de Maria.

Na Bula, o Pontífice afirma que, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano,[9] Maria foi preservada de toda mancha original no primeiro instante de sua Conceição.

Há, pois, duas maneiras de se redimir um cativo: pagando seu resgate depois de este ter sido preso (o que chamamos de redenção liberativa), ou evitando para ele o cativeiro com um pagamento antecipado (uma redenção preventiva). Foi este o meio de “resgate” que Deus aplicou a Maria Santíssima: prevendo os méritos infinitos da Paixão de Jesus Cristo, preço da Redenção do homem, o Altíssimo aceitou-os antecipadamente, libertando sua Mãe Santíssima da culpa original.[10]

Terminados seus dias na terra…

Após uma vida marcada por dores e glórias, chegou para Maria a hora da alegria e do triunfo pleno: sua passagem para a Eternidade.

Terá a Virgem Santíssima padecido a morte? A questão ainda é discutida pelos teólogos. Alguns dizem que ela de fato faleceu de uma forma muito delicada, a que chamam dormição, para depois ressuscitar e subir aos céus em corpo e alma.

Os autores que defendem essa tese alegam, entre outras razões teológicas, que Maria deu ao Redentor carne passível e mortal, por isso devia tê-la também ela. Se nos corredimiu com seu Filho, devia participar de suas dores e de sua morte.

Para eles, supondo que Maria tinha direito de não morrer (em virtude, sobretudo, de sua Imaculada Conceição, que a preservou da culpa e, portanto, também da pena relativa, que é a morte), sem dúvida alguma teria renunciado de fato a esse privilégio para ser em tudo semelhante – até na morte e na ressureição – a seu Filho Jesus.

Por outro lado, há quem afirme que a Mãe de Deus não passou pelo transe da morte, tendo ocorrido um translado imediato de sua vida terrestre para a celeste. [11]

Seja como for, não era esse o cerne do Dogma Mariano proclamado em pleno séc. XX, quando Pio XII, a 1º de novembro de 1950, circundado de 36 Cardeais, 555 Patriarcas, Arcebispos e Bispos, grande número de dignitários eclesiásticos e uma multidão fervorosa, definiu, com a autoridade do Sucessor de Pedro, o Dogma da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria:

“[…] para aumento da glória de sua augusta Mãe, e para gozo e júbilo de toda a Igreja, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Bem-aventurados São Pedro e São Paulo e com a Nossa, pronunciamos, declaramos e definimos ser divinamente revelado que: A IMACULADA MÃE DE DEUS, A SEMPRE VIRGEM MARIA, TERMINANDO O CURSO DA VIDA TERRESTRE, FOI ASSUNTA EM CORPO E ALMA À GLÓRIA CELESTIAL”.[12]

Os sinos de toda a Cristandade, nos quatro cantos da terra, se fizeram ouvir ante à proclamação do Sumo Pontífice. “Doravante, já ninguém poderia duvidar do fato da Assunção de Maria em corpo e alma ao Céu sem naufragar na fé e apartar-se da comunhão da Igreja Católica: Roma locuta est, causa finita est”.[13]

Uma Rainha, quatro coroas! Com que belos ornamentos a Santa Igreja presenteou a Santa Mãe de Deus!

Quiçá, num futuro próximo ou remoto – quem o sabe? –, ainda outras verdades de fé possam ser proclamadas com autoridade apostólica a respeito de Nossa Senhora, para a glória de Deus e benefício de todos os fiéis. E, então, aos quatro diademas se assomarão outros de semelhante beleza.

“Corredentora do gênero humano”? “Medianeira Universal de todas as graças?” Quais serão os próximos títulos oficialmente reconhecidos da Santa Virgem Maria?

Só à Igreja cabe a palavra final, mas a nós cumpre desejarmos e rezarmos para que estes dias tenham lugar numa futura e próxima história da Igreja.

Quem viver, verá.

Por Marcos Longs


[1] Grande parte das informações contidas neste artigo foram extraídas da obra: CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado. 2 ed. São Paulo: Lumen Sapientiae, 2011, v. 2.

[2] CHANTREL, J. Histoire Populaire des Papes. 10. ed. Paris: C. Dillet, 1865, v. 4, p. 39-49.

[3] Cf. ROSCHINI, Gabriel. Intruções Marianas. São Paulo: Paulinas, 1960, p. 45-47.

[4] Idem.

[5] DENZINGER-HÜNERMANN, n. 256.

[6] TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, III, q. 28, a. 2, resp.

[7] CAMPANA, Emile. Marie dans le Dogme Catholique. Montréjeau: J.-M. Soubiron, 1913, vol. 2, p. 360.

[8] GARRIGOU-LAGRANGE, Réginald. La Mère du Sauveur et notre vie intérieure. Paris: Du Cerf. 1948, p. 40- 43.

[9] PIO IX. Ineffabilis Deus (8 dez 1854). In: DOCUMENTOS PONTIFÍCIOS. Petrópolis: Vozes, 1953, p. 21.

[10] ROYO MARÍN, Antonio. La Virgen María: Teología y espiritualidad marianas. Madrid: BAC, 1968, p. 74- 75.

[11] Cf. Ibid., p. 204- 207.

[12] PIO XII. Munificentissimus Deus (1 nov. 1950). In: DOCUMENTOS PONTIFÍCIOS. Petrópolis: Vozes, 1951, p. 20.

[13] Do latim: “se Roma falou, o caso está encerrado”. Cf. ROYO MARÍN. Op. cit., p. 209-210.

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