Gaudium news > São Bernardo de Tiron

São Bernardo de Tiron

A monarquia francesa, no início do século XII, passava por terrível crise moral, agravada pela decadência do clero. Mas houve um varão que, em defesa da Igreja e da Civilização Cristã, se ergueu heroicamente contra os principais responsáveis por essa situação: São Bernardo de Tiron.

432px Statue de Saint Bernard de Tiron abbatiale de Thiron Gardais Eure et loir France

Redação (15/03/2023 15:50, Gaudium Press) ​​ O Rei Felipe I, além de vender cargos eclesiásticos, abandonou sua esposa e se uniu a uma mulher casada, Bertrade. Embora tivesse sido anatematizado pelo Beato Urbano II, alguns bispos o apoiaram e até mesmo chegaram a homenageá-lo solenemente numa igreja.

Na maior parte das províncias francesas, os padres se casavam publicamente. Aos filhos homens, transmitiam em herança seus benefícios eclesiásticos; e às filhas, quando celebravam suas núpcias, davam-lhes igrejas como dotes[1]. Isso também acontecia na Inglaterra, Alemanha e Lombardia.

A luta pela regeneração do clero, empreendida e sustentada com heroísmo por São Gregório VII e seus três sucessores, foi verdadeiramente “uma obra de salvação pública para a Europa”.[2]

Outros anátemas haviam sido lançados contra Felipe e Bertrade. Quando visitavam alguma cidade do reino onde o clero era fiel, os ofícios religiosos eram suspensos, as igrejas fechadas, mas eles continuavam a levar uma vida pecaminosa.

O Papa Pascoal II enviou a Poitiers dois cardeais-legados a fim de dirigirem um concílio nessa cidade do Centro-oeste da França, cujo principal objetivo era decretar a excomunhão definitiva do monarca e sua concubina.

Concílio de Poitiers: o sangue corria pelo piso da igreja

Para tentar impedir a realização do concílio, Felipe I serviu-se de Guilherme IX, Conde de Poitiers, homem péssimo que repudiara sua esposa, vivia na devassidão e, por ter composto poesias obscenas, foi cognominado “Trovador”.

Esse conde dirigiu-se aos representantes do Papa e os intimou a saírem da cidade até o dia seguinte. À noite, Santo Hilário – primeiro Bispo de Poitiers, que viveu no século IV – apareceu a um dos legados e ordenou que resistissem.

Em 18 de novembro de 1100, iniciou-se o concílio numa basílica, com a presença de 80 bispos e abades. Após tratarem de questões disciplinares, abriu-se a assembleia final, na qual estavam também presentes Guilherme IX e seus asseclas.

Foi afirmado que o principal responsável pelas desordens do clero francês era Felipe I, o qual vivia em adultério desde 1094. Recordou-se que diversas excomunhões haviam sido lançadas contra ele, mas o rei não se corrigiu, embora tivesse feito promessas de emenda.

Movido por ardente amor de Deus e ódio ao mal, um dos legados declarou: “A espada do anátema vai cortar do Corpo Místico de Jesus Cristo e da comunhão da Igreja um membro gangrenado” [3], e foi aplaudido pelos prelados fiéis a Deus.

Mas o Conde de Poitiers, que também vivia em adultério, protestou aos berros e obteve apoio de alguns bispos. Seus comparsas começaram a vociferar ameaças de morte contra os legados, mas estes pronunciaram solenemente a sentença de excomunhão de Felipe I e sua comparsa, encerrando o concílio.

Nesse momento, os soldados do conde, acompanhados de uma multidão de facínoras, irromperam na igreja. Do alto de uma galeria, um homem lançou sobre os cardeais-legados uma pedra que atingiu a cabeça de um dos sacerdotes da comitiva papal, o qual caiu ao solo gravemente ferido.

Atos de violência foram praticados, o sangue corria no piso do templo e os cardeais se mantinham de pé com serenidade. Todos os prelados foram se abrigar em recantos da basílica, com exceção de dois que permaneceram ao lado dos legados: Beato Roberto d’Arbrissel e São Bernardo de Tiron.

Esses quatro heróis, plenos de alegria sobrenatural, cantavam o Te Deum o que impactou aqueles bandidos. Movidos pela graça divina, o conde e seus soldados se ajoelharam e pediram perdão pelos seus crimes.

Arrependimento do rei e de sua concubina

Beato Roberto era grande orador sacro e havia recebido do Beato Urbano II o título de “pregador apostólico”, com o direito de pregar em qualquer lugar da Terra. Dois anos depois desse concílio, ele fundou a Abadia de Fontevraud, nas cercanias de Poitiers.

Em 1104, Bertrade assistiu uma homilia desse varão de Deus e foi tocada pela graça divina. Arrependeu-se de seus pecados e tornou-se religiosa em Fontevraud, ainda em construção. Em espírito de penitência, ela aí residiu numa cabana até sua morte, em 1107, tendo 47 anos de idade.

Pouco tempo depois da conversão de Bertrade, Felipe I se apresentou descalço num concílio em Paris, pediu perdão pelos seus pecados e, com as mãos sobre o Evangelho, jurou que nunca mais teria qualquer relacionamento com Bertrade. Ela fez a mesma promessa e as excomunhões de ambos foram anuladas.

São Bernardo de Tiron, quando se realizou o Concílio de Poitiers, era abade do Mosteiro de São Cipriano, nessa cidade.

Vários anos antes, sendo simples monge, todos os religiosos quiseram que ele fosse o abade. Julgando-se indigno, se adentrou em uma floresta, mas foi procurado por seus companheiros.

Caminhou, então, por diversas regiões e instalou-se numa ilhota do arquipélago Chausey, próximo ao Monte São Miguel, no Canal da Mancha, em cujo topo há atualmente uma maravilhosa abadia. O local era inabitado e ele vivia de raízes de vegetais.

Certo dia, alguns piratas chegaram à ilhota e o Santo procurou convertê-los, mas eles não se comoveram. Passados algum tempo, abandonaram aquele local para praticarem novas desordens.  Entretanto, uma terrível tempestade os reconduziu à ilhota.

Tocados pela graça divina, ajoelharam-se diante de São Bernardo e pediram perdão pelos seus crimes. Alguns se tornaram eremitas, construíram um oratório e cabanas para abrigar o Santo e seus novos discípulos.  Outros resolveram fazer peregrinações a Santiago Compostela, Roma ou Jerusalém.

Numa floresta nas cercanias de Chartres

Posteriormente, São Bernardo com seus piratas convertidos dirigiram-se para uma floresta próxima a Poitiers, onde ele fundou um mosteiro do qual se tornou superior. Foi nessa época que participou do Concílio de Poitiers, onde expôs a vida por amor à Igreja e ódio a seus inimigos.

Após enormes dificuldades e viagens a diversos locais, o Santo, acompanhado de alguns monges, em 1109, estabeleceu-se na floresta de Tiron – nas proximidades de Chartres (Norte da França) – e aí fundou um mosteiro, em cujo ato inaugural também estava presente o bispo dessa cidade, Santo Ivo.

Devido às virtudes de São Bernardo, muitas pessoas vieram se colocar sob sua direção. O Rei Luís VI, sucessor de Felipe I, tendo sido curado de uma grave enfermidade por intercessão do Santo, foi visitá-lo em Tiron, e um de seus filhos tornou-se monge nesse célebre mosteiro.

Após uma vida cheia de batalhas pela Igreja e Civilização Cristã, São Bernardo de Tiron entregou sua bela alma a Deus, em 1117, aos 71 anos de idade. Sua memória é celebrada em 14 de abril.

Por Paulo Francisco Martos

Noções de História da Igreja


[1] Cf. PATROLOGIA LATINA, tomo 172, coluna 1397.

[2] DARRAS, Joseph Epiphane. Histoire Génerale de l’Église. Paris: Louis Vivès. 1876, v. 24, p. 465.

[3] Idem, ibidem, p. 482.

Deixe seu comentário

Notícias Relacionadas