O Príncipe da Paz veio trazer divisão?
A paz rejeitada por Nosso Senhor é a que se estabelece quando as almas estão unidas no pecado, pela cumplicidade que leva os perversos a se protegerem entre si e a viverem em aparente concórdia, numa falsa harmonia fundamentada no mal.
Redação (06/03/2023 11:12, Gaudium Press) Desde o primeiro pecado cometido por Adão e Eva até a Encarnação, existia uma força predominante na face da terra que podemos designar como sendo o polo do mal.
Embora vigorasse a promessa divina, assegurando a Redenção, e a solicitude do Criador se exercesse de modo constante em favor dos judeus, é patente que entre os demais povos da Antiguidade existia um só consenso humano pelo qual o mal reinava em todos os ambientes, não havendo meios de os bons realizarem obras relevantes para destruírem o império do demônio.
Com base naquela pseudo-harmonia produzida pelo pecado – uma unidade enganosamente perfeita –, os poderes infernais estabeleceram a coesão do mal. […]
Ora, a vinda de Cristo ateou o fogo do amor divino sobre a terra e inaugurou o polo do bem, com extraordinária força de expansão. Como observa o Pe. Manuel de Tuya: “Esse fogo que Ele propaga na terra exigirá que se tome partido por Ele. Incendiará muitos, e por isso Ele traz a ‘divisão’, não como um objetivo, mas como uma consequência”. Uma radical separação torna-se inevitável, pois quem adere ao bem restringe a ação de quem opta pelo mal e impede o seu progresso, abrindo-se, desse modo, um abismo que os distancia.
“Vós pensais que eu vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim trazer divisão” (Lc 12, 51). Estamos diante de uma das afirmações mais incisivas proferidas pelo Mestre em todo o Evangelho: “não vim trazer a paz”. Como é que o “Príncipe da Paz” profetizado por Isaías (9, 5), Ele, que ao invocar a presença do Espírito Santo dirá “A paz esteja convosco” (Jo 20, 19), prega não ter vindo trazê-la? Eis um versículo que causa perplexidade nos espíritos cartesianos.
A explicação, porém, é simples e profunda: sua paz não coincide com a que é entendida a partir de conceitos deturpados: “não vo-la dou como o mundo a dá” (Jo 14, 27). […] A paz rejeitada por Nosso Senhor é a que se estabelece quando as almas estão unidas no pecado, pela cumplicidade que leva os perversos a se protegerem entre si e a viverem em aparente concórdia, numa falsa harmonia fundamentada no mal. […]
A divisão inaugurada por Jesus se cifra numa intransigente censura a essa postura de cumplicidade no mal, feita, sobretudo, pela reta conduta das almas virtuosas e pela corrente de bons por elas suscitada. Ao fundar a Igreja imortal, Nosso Senhor deu ao bem uma força divina capaz de desmascarar o erro dos que abraçam o pecado, de mostrar quão hediondo ele é e opor resistência ao seu domínio.
A virtude e o bem, até a vinda de Cristo, eram de limitado alcance. Ele veio dar-lhes onipotência e transformá-los no fator decisivo da História. A separação entre bons e maus tornou-se uma realidade muito mais vincada do que era antes, com uma peculiar característica: os bons, quando são íntegros, sempre saem vitoriosos.
CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. O fogo purificador! In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2012, v.VI, p.292-295
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