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Amai os vossos inimigos

“Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos ofendem” (Mt 5,44-45) Mas, diante daqueles que ofendem a Igreja, como reagir?

Jesus pregando

Redação (19/02/2023 09:06, Gaudium Press) O Sermão das Bem-aventuranças ocupa três capítulos do Evangelho de São Mateus, e a Santa Igreja dedica seis domingos consecutivos para ouvi-los e meditá-los, ao longo do Ano A, tal o valor e a importância que seus ensinamentos trazem para a vida do católico.

Neste 7º Domingo do Tempo Comum, por exemplo, é-nos recordado o “novo ensinamento” trazido por Nosso Senhor: “Amai os vossos inimigos e rezai por aquele que vos perseguem” (Mt 5,44).

Amar os inimigos! O que isto significa?

“Se alguém te dá um tapa na face direita, oferece-lhe também a esquerda. Se alguém quiser abrir um processo para tomar a tua túnica, dá-lhe também o manto…” (Mt 5,39-40)

Pensemos nos povos da antiguidade, durante séculos habituados com costumes rudes e bárbaros, ouvirem de repente dos divinos lábios de Nosso Senhor estas palavras: “Amai os vossos inimigos…” – quando a lei prevalente era a do mais forte…

Na realidade, até mesmo entre o povo eleito – como se lê no livro do Êxodo – havia a seguinte norma: “urge dar vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe” (21,23-25). Vê-se que naquela época não era consentida nenhuma espécie de atitude de clemência e piedade para com os culpados…

Todavia, é a esta gente que Jesus insiste num preceito inteiramente oposto a seus critérios: “Amai os vossos inimigos. Assim, vos tornareis filhos do vosso Pai celeste” (Mt 5,44-45).

Jesus procedeu desse modo, pois queria abrir-lhes os olhos; especialmente em vista do exacerbado orgulho que lhes enchia a alma, impedimento a ação da graça. Com efeito, se há algo que o orgulhoso não permite, é o ser ferido por qualquer insulto ou ofensa que lhe fazem. É muito fácil inchar-se de indignação quando o “eu” está no centro. Ora, não foi assim que procederam os santos.

Conta-se que, certa vez, veio um nobre à presença do Bispo de Genebra, São Francisco de Sales, recriminando-o com palavras ofensivas. Apesar disso, o santo manteve-se impávido e sereno, nada respondendo ao seu agressor. Um sacerdote que presenciara o fato aproximou-se depois de São Francisco e perguntou-lhe o motivo de tal atitude. Ao que respondeu o santo: “Meu padre, fiz um pacto com a minha língua, pelo qual ela se calará enquanto meu coração estiver tomado e não replicará jamais a nenhuma palavra capaz de me provocar cólera”.[1] Passados alguns dias, apresentou-se novamente o mesmo personagem, mas desta vez coberto de lágrimas e arrependido, pois se comovera diante da humildade do bispo.[2] Visto que aquelas afrontas atingiam a sua pessoa, soube o santo dominar o seu amor-próprio e conservar-se impassível, visando o bem daquela pobre alma.

No entanto, em certa passagem do Evangelho de São João, o próprio Jesus parece reagir de modo singular, quando esbofeteado por um soldado na casa de Anás, pois não se calou, e nem mesmo ofereceu-lhe a outra face, ao contrário, disse-lhe: “Se falei mal, dizei-me; mas se falei bem, por que Me bates?” (Jo 18,23).

Não haveria, pois, uma contradição? Não! São duas atitudes que, à primeira vista, podem parecer díspares, mas que cumprem o mesmo princípio: “amar os inimigos”. Por quê?

O Divino Redentor quis deixar claro que, diante de uma ofensa feita a nós, jamais devemos agir pelos impulsos do amor-próprio, mas considerar ser aquele ato um ultraje a Deus, pela transgressão dos seus Mandamentos. Porém, em se tratando do fato relatado por São João, oferecer a outra face induziria o soldado a cometer mais um pecado, em vez de lhe proporcionar a contrição por aquela horrenda falta.

Logo, se o Redentor nos ensina que o egoísmo deve ser eliminado de nosso interior, a ponto de não reagirmos por amor-próprio quando alguém nos ofende, mas por amor ao verdadeiro ofendido, que é Deus, quanto mais no que diz respeito aos ataques feitos contra a Igreja e a moral católica.

Calar-se, oferecer a outra face e permitir que estes erros sigam seu curso, não induzirá ninguém à conversão e ao bem, mas à persistência no mal.

Peçamos, pois, à Santíssima Virgem, que ela no dê o discernimento necessário para agirmos sempre conforme o amor de Deus, sem jamais permitir que o respeito humano, fruto do orgulho, nos impeça de defender a verdadeira ortodoxia, infelizmente tantas vezes ultrajada.

Por Guilherme Motta


[1] HAMON, André-Jean-Marie. Vie de Saint François de Sales, Evêque et prince de Genève. Paris: Jacques Lecoffre et Cie, 1858, t. II, p. 161.

[2] Cf. idem, p.295-296.

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