Cluny: fonte de água viva
Devido às invasões dos vikings, húngaros, maometanos, bem como às guerras fratricidas entre seus habitantes, a Europa fora largamente prejudicada na ciência, educação, arte, agricultura etc.
Redação (10/10/2022 15:13, Gaudium Press) Cluny e outras Ordens religiosas incentivaram, de modo admirável, o progresso em todos os setores da sociedade, dando glória a Deus e beneficiando seu conjunto.
As catedrais, igrejas, mosteiros, mantinham escolas onde se ministravam aulas para a formação de meninos e adolescentes de famílias nobres e do povo. O ensino era gratuito para os que não podiam pagá-lo.
Escolas para meninos nobres e plebeus
Havia dois cursos: o trivio e o quadrivio. No primeiro, com duração de três anos, se estudava Gramática, Retórica e Lógica; o segundo se desenrolava por quadro anos e abrangia Aritmética, Geometria, Música, Astronomia. Essas sete matérias eram chamadas “artes liberais”.
Afirma Montalembert (1810-1870):
“A partir da queda da Império romano até o século XIII, foi graças aos monges que a ciência, o estudo e a educação puderam ficar ao abrigo das destruições da barbárie, e receber todos os desenvolvimentos que convinham a uma sociedade católica e militar.” [1]
Na esfera musical, destacou-se Guido d’Arezzo (992-1033), frade italiano que descobriu o sistema de notação musical.
Os monges desenvolveram também o artesanato, tais como a tecelagem, a técnica de fazer calçados, a marcenaria, a selaria, a forja, o forno a cal. E para atender às necessidades do culto nas igrejas, a ourivesaria, a escultura, a arte de elaborar vitrais, a tapeçaria. E os conventos femininos se especializaram na confecção de rendas, paramentos etc.
Liturgia
Os mosteiros possuíam bibliotecas que eram enriquecidas pelos copistas, os quais transcreviam obras clássicas, dando particular importância à Bíblia. Os inícios dos capítulos eram adornados com belas iluminuras e, sobretudo nas capas da Sagrada Escritura, colocavam-se incrustações com pedras preciosas.
Belos mosaicos, imagens, pinturas ornamentavam as igrejas; objetos utilizados no altar eram de ouro, prata ou decorados com joias. Os monges aperfeiçoaram a Liturgia, a qual tem um papel fundamental na formação religiosa dos fiéis.
Escreve Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias:
“Cluny foi uma fonte de água viva da qual brotaram maravilhas. Ali o esplendor da Liturgia alcançou um zênite de sacralidade e unção que perduraria pelos séculos.” [2]
Tendência para o mais perfeito
Dr. Plinio Corrêa de Oliveira explica:
“Os mais humildes homens do povo manifestavam, continuamente, uma tendência para o mais perfeito, mais santo e mais belo. Uma espécie de insaciabilidade temperante, uma pressão saudável e contínua da alma para o melhor, debaixo de todos os pontos de vista, nunca se contentando com aquilo que tem, mas procurando algo superior; era, portanto, uma tendência para a elevação.
“Devido a esta contínua procura do mais belo, existia a ideia de que, acima dos seres visíveis, havia seres invisíveis, mais nobres e mais belos do que os visíveis. E, no alto da pirâmide destes seres espirituais estava Deus, a suma Perfeição. Então, dois movimentos ascensionais: um para melhorar as coisas terrenas, na procura da perfeição delas, e outro para, através das coisas terrenas, caminhar até Deus. […]
“O émerveillement, o maravilhar-se, o admirar é a postura de alma necessária a todo homem; é o ponto terminal da peregrinação em toda espécie de seus estudos ou elucubrações, seja no campo artístico, científico ou cultural”.[3]
Os clérigos e religiosos de então procuravam o maravilhoso, enquanto que os “eclesiásticos ‘miserabilistas’ de nossos dias, querem esvaziar de todas as obras de arte os santuários e reduzir a igreja a um local de onde as artes fugiram espavoridas”.[4]
Nessa época, o Ocidente estava coberto de florestas, terrenos abandonados, pântanos. Os monges cuidavam das terras pertencentes ao mosteiro no qual viviam. Como desejavam a perfeição de todas as coisas, foram elaborando e esmerando os modos de efetuar as atividades agrícolas.
Dedicaram-se, por exemplo, ao aprimoramento dos vinhos.
Em 2020, foi lançado na França o livro Os vinhateiros do Céu, de autoria de Marc Paitier, General do exército desse país. A obra, entre outros temas, faz uma descrição da história da viticultura monástica e do papel primordial dos religiosos na edificação da Civilização Cristã.
Vida civil organizada com fundamento na Lei de Deus
Ajudaram a melhorar as estradas e proteger os viandantes.
“Os medievais viajavam muito. Para só analisar as peregrinações que então se faziam, consideremos o seguinte: De toda a Europa, peregrinos
acorriam a Santiago de Compostela [na Espanha] a ponto de, em certas épocas do ano, alguns trechos tornavam-se verdadeiras ruas, devido à intensidade do tráfego”.[5]
“Como havia poucos albergues fora das cidades […], os bispos, perto de suas igrejas, os monges, próximo a seus mosteiros, instalaram asilos onde todos aqueles que os procuravam eram admitidos”.[6] Os mais pobres estavam dispensados do pagamento.
“Esta florescência religiosa projetou-se sobre a sociedade civil. O príncipe, o artesão, o filósofo, o guerreiro, o menestrel não era cristão apenas dentro do templo, no momento da oração. Ele reinava, produzia, pensava, guerreava e cantava como cristão. Seu reino era um reino cristão, seu trabalho era um trabalho cristão, seu pensamento era um pensamento cristão, sua guerra era uma guerra cristã, e seu canto era um canto cristão.
“Toda a vida civil, organizada com fundamento na Lei de Deus, ordenou-se segundo a vontade de Deus, e segundo a ordem natural por Deus estabelecida quando criou o universo, o mundo e o homem. Formou-se assim uma sociedade temporal estabelecida sob o signo de Cristo, segundo a Lei de Cristo, e conforme a ordem e a natureza própria de cada coisa criada por Deus”.[7]
Cumpre destacar um ponto fundamental: Cluny incentivou as Cruzadas e a Reconquista espanhola.
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] MONTALEMBERT, Charles Forbes René, Conde de Montalembert. Les moines d’Occident – depuis Saint Benoit jusqu’à Saint Bernard. Paris: Victor Lecoffre. 1882, v. 6, p. 140-141.
[2] CLÁ DIAS, João Scognamiglio, EP. Maria Santíssima! O Paraíso de Deus revelado aos homens. São Paulo: Arautos do Evangelho. 2020, v. III, p. 80.
[3] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A civilização da admiração. In revista Dr. Plinio. São Paulo. Ano XV, n.168 (março 2012), p. 33.
[4] Idem. Invencibilidade de quem se abre para a graça. In revista Dr. Plinio. Ano XXII, n. 260 (novembro 2019), p. 27.
[5] Idem. São Guilherme: a beleza dos extremos harmônicos. In revista Dr. Plinio. São Paulo. Ano XIV, n. 159 (junho 2011), p. 9-10.
[6] PIGNOT, Jean-Henri. Histoire de l’ordre de Cluny, depuis la fondation de l’abbaye jusqu’à la mort de Pierre-le-Vénérable (909-1157). Paris : Durand, Libraire. 1868, v. 2, p. 464.
[7] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A grande experiência de dez anos de luta. In jornal Catolicismo. Campos dos Goytacazes, n. 173, maio de 1965.
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