Ver, Olhar, Admirar
O mistério eucarístico deve ser muito mais admirado, inclusive pela forma humilde como é apresentado, “escondido” nas espécies do pão e do vinho.
Redação (07/07/2023 12:21, Gaudium Press) Em diversas passagens da Escritura encontramos o advérbio latino “ecce” convidando-nos a considerar uma realidade espiritual ou material. “Ecce dies Domini, crudelis”, eis que vem o dia implacável do Senhor (Is 13, 9), “Ecce ancila Domini”, eis a serva do Senhor (Lc 1, 38), “Ecce Agnus Dei”, este é o Cordeiro de Deus (Jo 1, 29), “Ecce homo”, eis o Homem (Jo 19, 5), “Ecce nova facio omnia”, eis que faço novas todas as coisas (Ap 21, 5), e assim, outros.
Aos adoradores do Santíssimo impacta especialmente a advertência do Batista aos seus discípulos apontando para o Messias: “Este é o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo”. É proclamando esta frase que o sacerdote mostra o Pão consagrado durante a Missa para ser visto e adorado.
Quando o Precursor mostrou aos seus seguidores a passagem do Messias, é concebível que eles não tenham prestado atenção? Claro que não! Ainda hoje, com as formalidades sociais tão simplificadas – para não dizer muito transgredidas –, quando alguém nos é apresentado, é falta de educação desviar o rosto e olhar para o outro lado.
Ora, por um reflexo um tanto desajustado, há quem olhe para baixo no momento em que se mostra a sagrada Hóstia na Missa ou olhe para o outro lado, alheio ao que lhe é mostrado. O apropriado nessa ocasião é justamente fixar-nos nela fazendo um ato de Fé; os olhos veem uma fina fatia de pão branco, mas o olham, sob a aparência daquele pãozinho, é o Corpo de Cristo. A Fé se fortalece nos méritos ao contemplar a Hóstia e acreditar na Presença Real. E a liturgia manda levantar o pão consagrado para que os fiéis o adorem com atenção, não para outra coisa.
O ato de Fé mais apropriado que um fiel pode fazer nesta vida é em relação ao mistério da Presença Real. Um hino eucarístico composto por São Tomás de Aquino nos instrui: “A visão, o tato e o paladar não podem alcançá-lo, acredito firmemente no que ouvi. Eu creio, porque o Filho de Deus o disse: nada há de mais certo do que esta Palavra da Verdade”. Os sentidos não o veem, mas não importa, nossa segurança é muito firme. Além disso, os sentidos podem nos enganar, por outro lado, a Palavra de Deus nunca falha: “Isto é o meu corpo”.
A Eucaristia é mostrada para que os fiéis possam participar melhor do culto. A ânsia de contemplá-la foi uma das devoções mais comoventes da Idade Média; naquela era de Fé, os fiéis esperavam ansiosamente o momento da elevação.
Este convite para ver ocorre em dois momentos precisos da Missa: quando a Hóstia é elevada logo após a consagração, e quando o sacerdote a mostra dizendo: “Este é o Cordeiro de Deus…”. Na primeira vez somos convidados a olhá-la dizendo internamente, por exemplo: “Meu Senhor e meu Deus”. Na segunda vez, é Deus que, por assim dizer, toma a iniciativa de dirigir-nos o olhar desde o seu sacramento. Como podemos desviar o nosso?
Uma história do Cura de Ars
Santo Cura d’Ars se deleitava contando que certa vez um camponês estava em sua igreja olhando fixamente para o tabernáculo. Questionado sobre o que estava fazendo ali, o cidadão respondeu: “Eu olho para Deus e Deus olha para mim”. Eis aí um homem com um delicado sentido eucarístico. E isso porque seus olhos estavam fixados em um sacrário fechado e não na Hóstia levantada na Missa ou resplandecente no ostensório. Contando este fato aos seus paroquianos, o Santo Cura dizia emocionado: “Ele olhou para Deus e Deus olhou para ele. Tudo consiste nisso, meus filhos!”
Diante do Pão da Vida não estamos diante de uma “coisa”, mas diante de uma Pessoa que conhece, ama e sente: a Segunda Pessoa da Trindade humanada.
Conta o Evangelho que ao jovem rico “Jesus olhava para ele, o amou” e o convidou a segui-lo, mas ele “entristeceu-se com essas palavras e foi-se todo abatido” (Mc 10, 21-22). Às vezes, algo desta atitude entra na nossa relação com o Santíssimo… Se não vemos o rosto de Jesus, podemos ver esse Trigo Celestial onde se esconde a sua Presença, adorada por Maria, pelos Anjos e pelos Santos do céu, e, com o apoio da Fé, teremos mais méritos do que se o víssemos diretamente como aquele menino infeliz.
Dar atenção às coisas boas ou belas faz bem à saúde, é uma terapia comprovada. Contemplar as verdades sobrenaturais com os olhos da alma fortalece a vida espiritual. E ver com os olhos do corpo, à luz da Fé, as coisas que sabemos serem divinas, é um pouco antegozar da visão beatífica.
Alguns poderão objetar: “O Sacramento do Corpo de Cristo foi instituído para ser recebido na comunhão e não para ser olhado”. É verdade, embora esta afirmação precise ser matizada.
Um exemplo um tanto inoportuno pode nos ajudar a entender o quão fragmentária é essa “objeção”: vendo uma bandeja cheia de iguarias, os convidados de um jantar sabem muito bem que esses alimentos estão ali para serem degustados, mas devem evitar olhá-los porque estão destinados ao paladar e não aos olhos? Mas o exemplo não satisfaz… como comparar uma pobre refeição perecível, por mais vistosa ou saborosa que possa ser, com o manjar Divino e vivificante?
Sim, além de ser uma presença admirável, a Eucaristia é alimento santificador. O mistério eucarístico deve ser muito mais admirado, inclusive pela forma humilde como é apresentado, “escondido” nas espécies do pão e do vinho. É uma pena que nossa atenção às vezes se detenha em bagatelas que um dia nos deixarão confusos quando, na hora de prestar contas ao Divino Juiz, notarmos todo o descuido com que foi considerado o Senhor em seu Sacramento de amor.
Por Padre Rafael Ibarguren EP – Conselheiro de Honra da Federação Mundial das Obras Eucarísticas da Igreja.
Traduzido por Emílio Portugal Coutinho
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