Vaticano: aparições de Dozulé não são sobrenaturais
Uma carta do Cardeal Fernández, prefeito do dicastério, confirma definitivamente o parecer negativo, proposto pelo bispo de Bayeux-Lisieux, sobre o fenômeno que envolveu, no noroeste da França, a suposta vidente Madeleine Aumont, ocorrido na década de 1970.

Cruz de Dozulé Foto: Wikipedia
Redação (12/11/2025 15:20, Gaudium Press) O Dicastério para a Doutrina da Fé, com a aprovação do Papa Leão XIV, confirmou o caráter não sobrenatural dos eventos de Dozulé. Dom Jacques Habert, bispo de Bayeux-Lisieux, publicará em breve um decreto oficializando essa decisão, que se insere na continuidade da posição já tomada por seus antecessores.
“O fenômeno das pretensas aparições ocorridas em Dozulé”, ligado à realização de uma cruz gigantesca que garantiria a remissão dos pecados e a salvação daqueles que dela se aproximassem, “deve ser considerado, de maneira definitiva, como não sobrenatural”.
Nesta quarta-feira, 12 de novembro de 2025, Monsenhor Jacques Habert, bispo de Bayeux-Lisieux, divulgou um comunicado anunciando ter recebido a resposta oficial do Dicastério para a Doutrina da Fé, datada de 3 de novembro e aprovada pelo Papa Leão XIV.
Este documento, intitulado A Única Cruz da Salvação, põe fim ao discernimento sobre as supostas aparições de Jesus em Dozulé, na Normandia, entre 1972 e 1978, e conclui que elas não são de origem sobrenatural.
Nesta carta de quase quarenta páginas, o Dicastério faz uma análise aprofundada do conteúdo das mensagens atribuídas a Madeleine Aumont, a vidente de Dozulé. Ele destaca várias ambiguidades teológicas, nomeadamente a ideia de que a contemplação da “Cruz gloriosa” solicitada na Haute-Butte poderia trazer a salvação e a remissão dos pecados. O texto lembra que o perdão não vem de um lugar físico, mas do próprio Cristo, e que nenhum objeto ou sinal material pode substituir a graça dos sacramentos, em particular a do Sacramento da Penitência.
A Cruz gloriosa
Entre 1972 e 1978, na pequena cidade de Dozulé, no departamento de Calvados, na França, Jesus teria aparecido 49 vezes a Madeleine Aumont, mãe de família, pedindo a construção da “Cruz Gloriosa de Dozulé”, que nunca chegou a ser erguida: ela deveria ser inteiramente iluminada e atingir uma altura de 738 metros, com braços de 123 metros, para ser visível de muito longe como sinal de redenção universal. Nas últimas décadas, “Cruzes do Amor”, reduções na escala 1/100 da “Cruz Gloriosa”, foram erguidas em diferentes países do mundo.
Já em abril de 1983, o bispo diocesano da época, Dom Jean-Marie-Clément Badré, afirmava que “a construção de uma cruz monumental em Dozulé (…) não pode, de forma alguma, ser um sinal autêntico da manifestação do Espírito de Deus”. O mesmo bispo declarara em 8 de dezembro de 1985: “No que diz respeito ao que está acontecendo em Dozulé, a ação e a agitação, a arrecadação de fundos por pessoas que agem por conta própria, sem mandato, sem qualquer respeito pela autoridade do bispo […], a propaganda fanática a favor da “mensagem” […], a condenação sem apelo daqueles que não aderem a ela, levam-me a considerar, em consciência, que, além de toda essa agitação, não consigo discernir os sinais que me autorizariam a declarar autênticas as “aparições” de que se fala, ou a reconhecer uma missão que teria sido dada à Igreja de difundir essa “mensagem”.
O atual bispo, Dom Habert, com base nas recentes normas para o discernimento de fenômenos presumidamente sobrenaturais, propôs ao dicastério uma declaratio de non supernaturalitate, “uma declaração de não sobrenaturalidade”.
Ausência de autêntica origem divina
“O dicastério o autoriza a declarar de maneira definitiva que o fenômeno das aparições presumidas de Dozulé é reconhecido como não sobrenatural, ou seja, que não possui uma autêntica origem divina”, lê-se na carta do cardeal Fernández.
Entre os elementos problemáticos destacados nas mensagens, figura a comparação entre “a cruz solicitada em Dozulé e a de Jerusalém”, o que “corre o risco de confundir o sinal com o mistério e dar a impressão de que se pode “reproduzir” ou “renovar” em sentido físico o que Cristo já realizou de uma vez por todas”.
Destaca-se ainda que “certas formulações contidas nas supostas mensagens de Dozulé insistem na construção da Cruz Gloriosa, como um novo sinal, necessário para a salvação do mundo, ou meio privilegiado para obter o perdão e a paz universal. Às vezes se fala em “multiplicar o sinal”, como se tal difusão constituísse uma missão imposta pelo próprio Cristo”.
O Dicastério para a Doutrina da Fé observa que “a Cruz não precisa de 738 metros de aço ou cimento para ser reconhecida: ela se eleva cada vez que um coração, sob a ação da graça, se abre ao perdão, que uma alma se converte, que a esperança ressurge onde parecia impossível, e também quando, beijando uma pequena cruz, um crente se entrega a Cristo. Cada ato de fé, cada gesto de misericórdia, cada “sim” à vontade de Deus é como uma pedra viva que ergue essa Cruz no mundo.
E reafirma que “nenhuma revelação privada deve ser considerada uma obrigação universal ou um sinal que se imponha à consciência dos fiéis, mesmo que, juntamente com tais fenômenos, se produzam frutos espirituais. A Igreja encoraja as expressões de fé que conduzem à conversão e à caridade, mas adverte contra qualquer forma de “sacralização do sinal” que leve a considerar um objeto material como garantia absoluta da salvação.
Incompatibilidades com a doutrina da salvação
Nas mensagens de Dozulé, afirma-se que “todos aqueles que vierem se arrepender aos pés da Cruz Gloriosa serão salvos”, que “a Cruz Gloriosa perdoará todos os pecados” e que “todos aqueles que com fé chegarem para se arrependerem, serão salvos nesta vida e para a eternidade”. Tais afirmações são julgadas “incompatíveis com a doutrina católica da salvação, da graça e dos Sacramentos” pelo Dicastério.
A carta cita ainda outras mensagens desmentidas pelos fatos, como aquela em que Jesus teria pedido para que “a Cruz Gloriosa e o Santuário sejam construídos até o final do Ano Santo [1975]. Porque será o último Ano Santo”. O que não se verificou, uma vez que, desde então, celebraram-se mais dois Anos Santos ordinários (2000 e 2025) e dois extraordinários (1983 e 2016). A carta enumera também afirmações apocalípticas, tais como a de que Deus teria dito: “Se o homem não erguer a Cruz, Eu a farei aparecer, mas não haverá mais tempo”.
A Cruz como sinal de devoção, conclui o Dicastério para a Doutrina da Fé em reflexão específica sobre o valor sacramental da Cruz, nunca é pura exterioridade. Quando um cristão venera a cruz, não adora a madeira ou o metal, nem pensa que uma cruz material possa substituir a obra salvífica já realizada na Páscoa de Cristo, mas adora Aquele que nela deu a vida”.
O Dicastério recomenda uma catequese clara e positiva sobre o mistério da Cruz, para ajudar os fiéis a reconhecer que a revelação definitiva já se cumpriu em Cristo e que toda experiência espiritual deve ser avaliada à luz do Evangelho, da Tradição e do Magistério da Igreja.





Deixe seu comentário