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Uma sociedade marcada pela inocência

Diante dos Apóstolos abre-se um panorama inteiramente novo: humildade, desapego e serviço serão as características de quem quiser exercer a autoridade segundo o espírito de Jesus.

Cristo com criança - Catedral de Cristo Rei, Hamilton (Canadá)Fot: Gustavo Kralj

Cristo com criança – Catedral de Cristo Rei, Hamilton (Canadá) Foto: Gustavo Kralj

Redação (22/09/2024 19:21, Gaudium Press) Uma sociedade que se desenvolvesse no Paraíso Terrestre, composta por uma humanidade em estado de justiça original, seria regida pela graça divina e favorecida por dons preternaturais e sobrenaturais concedidos por Deus. Nela reinariam a plena harmonia e o total entendimento entre os homens, sem inveja nem rivalidades. Cada qual admiraria a virtude dos outros, alegrando-se com eles e desejando-lhes a maior santidade possível.

Aconteceu, contudo, que o homem pecou e foi expulso do Paraíso. Despojada dos dons de que gozavam nossos primeiros pais, a humanidade ficou sujeita à doença, à morte, ao desequilíbrio psíquico e a tantas outras mazelas. Consequências desta desordem são a inveja e as rivalidades, principal causa, por sua vez, das rixas e dissensões. Pois, como afirma o Apóstolo São Tiago na segunda leitura (Tg 3,16―4, 3) deste 25º Domingo do Tempo Comum, “onde há inveja e rivalidade, aí estão as desordens e toda espécie de obras más” (Tg 3, 16).

Ora, na luta constante contra as próprias paixões, procurando submetê-las à Lei Divina, irá o homem restaurando a inocência primitiva e, com isso, suas reações de alma se tornarão cada vez mais semelhantes àquelas que teria no Paraíso. É esta uma das importantes lições a tirar do rico Evangelho deste domingo.

Governar em função da inocência

“Eles chegaram a Cafarnaum. Estando em casa, Jesus perguntou-lhes: ‘O que discutíeis pelo caminho?’ Eles, porém, ficaram calados, pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior” (Mc 9,33-34)

Sabia Cristo perfeitamente de qual assunto os Apóstolos tratavam ao longo do percurso. À incômoda indagação, entretanto, eles ficaram calados, envergonhados de dizer-Lhe que o tema de sua conversa havia sido uma egoística disputa de primazia pessoal.

O seu silêncio já era um meio reconhecimento da falta cometida, da qual eles tinham certa consciência, como afirma o Cardeal Gomá: “sua conduta está em flagrante oposição com o sentir do Mestre, e estão confusos diante d’Ele”.[1]

“Jesus sentou-Se, chamou os Doze e lhes disse: ‘Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!’” (Mc 9,35)

Cristo conhecia bem aqueles que escolhera. Com suas palavras, Jesus não condena o desejo de obter a primazia, mas põe uma condição: para ser o primeiro, é preciso ser “o último de todos e aquele que serve a todos”! Esta afirmação abria um panorama completamente novo para os Apóstolos, os quais compartilhavam do conceito de autoridade comum e corrente naquela época: quem é mais forte, mais capaz, mais inteligente, mais rico ou mais esperto, este manda e os outros obedecem.

Perante tal visão, Nosso Senhor declara qual é a regra de governo que deverá vigorar na Era Cristã: “O novo Reino que quero instaurar não será como os reinos da Terra. O que deve animar meus discípulos não é o espírito de ambição, a procura das grandezas. Pelo contrário, a primeira condição, a condição fundamental para almejar o primeiro lugar no Reino messiânico é a humildade, o menosprezo das honras, o desinteresse de quem se esquece de si mesmo para se dedicar ao serviço dos irmãos”.[2]

Humildade, menosprezo das honras, desinteresse por si mesmo e dedicação aos irmãos: eis as características de quem deve mandar de acordo com o espírito de Jesus. É a precedência da virtude e da inocência na sociedade. Nada mais oposto à ira, à inveja e às rivalidades que tanto atormentam o homem depois do pecado original!

Pode-se conjecturar a profunda perplexidade dos Doze naquela circunstância: queriam eles ocupar posição de destaque, Jesus aponta-lhes a necessidade de procurar o último lugar. Aspiravam a um reino messiânico glorioso, Jesus alerta-os sobre sua Paixão e Morte na Cruz… (cf. Mc 9,31). O choque de mentalidades vai-se tornando cada vez mais patente. Porém, tudo é dito com doçura, sem acrimônia, no momento oportuno, de forma a que as divinas palavras do Mestre penetrem beneficamente nos espíritos. Manifesta Ele aqui, uma vez mais, a admirável e delicada arte de corrigir, que servirá de modelo a todos quantos tiverem o encargo da direção das almas.

O Reino de Deus, portanto, prosperará aqui na Terra na medida em que houver entre os homens almas santas, faróis de virtude e de inocência a iluminar o caminho da humanidade. Será o Reino da inocência, à imagem do Inocente por excelência, Nosso Senhor Jesus Cristo.

Teremos, assim, se recorrermos ao auxílio de Deus, a realização mais próxima possível da civilização paradisíaca.

Extraído, com alterações de:

CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2014, v. 4, p. 372-386.


[1] GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Año tercero de la vida pública de Jesús. Barcelona: Rafael Casulleras, 1930, v. III, p. 83.

[2] DEHAUT. L’Évangile expliqué, défendu, médité. 2.ed. Paris: Lethielleux, 1867, v. III, p. 290

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