“Segue-Me!”: um chamado para todos nós
Embora sejamos pecadores, o Filho do Homem veio para nos salvar e continuamente nos convida a segui-Lo. O que nos impede de atender a este divino chamado?
Redação (11/06/2023 11:28, Gaudium Press)
“Naquele tempo, partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos” (Mt 9,9).
São Mateus trabalhava na coletoria de impostos, em Cafarnaum. Este local era de intenso movimento comercial na época, por ser um entroncamento de vias entre norte e sul, Oriente e o Ocidente. E uma vez que Pompeu havia conquistado Jerusalém e sujeitado a Palestina ao Império Romano, por todas as mercadorias que lá circulavam devia-se pagar imposto a Roma.[1]
Para cobrar tais impostos, os romanos contratavam dentre os israelitas alguns funcionários, denominados publicanos. Em razão dos frequentes abusos cometidos por estes, em benefício pessoal, tornaram-se eles objeto de especial ódio e desprezo dos seus compatriotas, que os consideravam pecadores públicos e traidores da nação. Eram eles as figuras mais detestáveis da sociedade, ao lado dos leprosos. Mas os cobradores de impostos preferiam o dinheiro ao prestígio, pois graças às suas injustas exações acabavam por enriquecer rapidamente.
“Aproximavam-se de Jesus os publicanos e os pecadores para ouvi-lo” (Lc 15,1).
Ora, muitos daqueles publicanos, atraídos pela graça, acompanhavam com atenção os ensinamentos do Mestre (cf. Lc 15,1). E assim como haviam ido às margens do rio Jordão para receber o batismo de João (cf. Lc 3,12), escutavam agora Jesus em suas pregações. É de se supor que dentre eles se destacasse, pela assiduidade, um certo Mateus, também chamado Levi, filho de Alfeu.
“Segue-Me!”.
“Jesus disse-lhe: ‘Segue-Me!’ Ele se levantou e seguiu a Jesus” (Mt 9,9).
Nosso Senhor Jesus Cristo, que conhece o interior dos corações e não leva em conta a opinião dos homens, o escolhe para ser Apóstolo, dizendo-lhe simplesmente “Segue-Me!”, conforme o singelo relato do próprio Evangelista. Como terá sido a entonação de voz de Jesus? E a expressão do seu divino olhar? Não o sabemos, mas bem podemos conjecturar tê-lo feito com tal força e eficácia sobrenatural que o cobrador de impostos não opôs nenhuma resistência, como acontecerá alguns anos depois a São Paulo, ao ouvir às portas de Damasco uma voz do Céu dizendo: “Saulo, Saulo, por que Me persegues?” (At 9,4). São graças que arrebatam e transformam num instante a alma, pois para Deus nada é impossível (cf. Mc 10,27)!
O publicano estava sentado ao telônio e tinha taxas cobradas e outras tantas a reaver. No entanto, perante o irresistível chamado de Cristo, nem sequer terminou o trabalho: deixou tudo e O seguiu! Era “o próprio resplendor e a majestade da divindade — que também brilhava oculta em seu rosto humano — que podia, logo que Ele fosse visto, atrair a Si todos os que O olhassem. Porque se do ímã e do âmbar se diz que têm uma tal força que unem consigo anéis, palhas e ervas, quanto mais podia o Senhor de todas as criaturas atrair a Si os que queria!” [2]
A quem não foi tocado pela graça de Deus para compreender o timbre daquele “Segue-Me!”, custa entender a flexibilidade de Mateus. Pois parece impossível que um homem tão rico, e com um cargo vantajoso que lhe facilitava os meios de conseguir dinheiro, abandonasse tudo num instante… O que teria acontecido? Fora ele preparado pela Providência desde a infância e estava à procura de uma causa à qual pudesse se dedicar inteiramente. Como não a havia encontrado, lançou mão da coletoria de impostos, sem se importar com o desprezo de que seria objeto por parte da sociedade, sobretudo dos fariseus. No fato de estar determinado a enfrentar a opinião pública transparece esse impulso de alma, esse desejo de realizar algo grandioso, e já se distingue o pródromo do momento em que ele se levantou e seguiu a Jesus.
Quão grande é a diferença entre a atitude de São Mateus e a do moço rico que, convidado por Jesus a vender tudo e segui-Lo, “foi embora muito triste, porque possuía muitos bens” (Mt 19,22)! Ou, então, a daqueles dois que manifestaram desejo de abraçar o discipulado do Messias, porém, um queria enterrar antes seu pai (cf. Lc 9,59) e o outro, despedir-se dos familiares (cf. Lc 9,61).
Não sabemos se este cobrador de impostos o tinha presente, mas ele acatou o conselho que ouvimos hoje na primeira leitura: “É preciso saber segui-Lo para reconhecer o Senhor” (Os 6,3).
Ainda há Mateus em nossos dias?
E quais seriam as qualidades mais salientes de Mateus? Sem dúvida, a fé, aquela mesma que justificou Abraão, e o amor, para o qual a fé abre as portas porque só ela não basta. Contudo, a virtude que mais brilhava no cobrador de impostos de Cafarnaum era a flexibilidade em relação às moções da graça: bastou Jesus passar perto dele e dizer “Segue-Me!”, para que ele se levantasse imediatamente, abandonasse tudo e O seguisse. Que admirável docilidade à voz de Deus!
E nós? Quantas vezes já ouvimos essa voz divina ecoar em nossa consciência? Nascemos com uma espécie de instinto do que é bom ou mau, verdadeiro ou errado, belo ou feio. E quando abraçamos o pecado, o fazemos contrariando esta inclinação, porque temos presente no interior da alma uma regra moral que nos impõe fazer o bem e evitar o mal. Ela nos alerta quando nos afastamos da Lei de Deus, nos censura, nos põe diante do dever.
Admiremos e imitemos, pois, o luminoso exemplo de fé e de amor deste Evangelista que a tudo renunciou para atender, com espírito resoluto, o chamado divino, sem nos deixarmos vencer pelos atrativos terrenos. Num mundo que voltou as costas a Deus, abandonemos por inteiro as ilusórias delícias do pecado e entreguemo-nos decidida e incondicionalmente a Jesus, pelas mãos de Maria.
Extraído, com adaptações, de:
CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2013, v. 2, p. 131-147.
[1] Cf. FLÁVIO JOSEFO. Antiguidades judaicas. L. XIV, c. 8, n.577.
[2] SÃO JERÔNIMO. Comentario a Mateo. L.I (1,1-10,42), c.9, n.20. In: Obras Completas. Comentario a Mateo y otros escritos. Madrid: BAC, 2002, v.II, p.95.
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