Quem foi São Jorge? 7 curiosidades: desde a lua até o dragão
São Jorge é um dos santos mais populares do Brasil. Mas você conhece a sua história? Por que ele apresentado com um dragão? Ele mora mesmo na lua? Leia a sua história completa. Dia 23 de abril é a sua festa.
Redação (23/04/2023 09:13, Gaudium Press) São Jorge nasceu na Capadócia (atual Turquia) segundo uma tradição ou em Lydda segundo outra.
No cânon do Papa Gelásio (+496), São Jorge é mencionando entre aqueles que “foram justamente reverenciados pelos homens e cujos atos são conhecidos somente por Deus”.
Com efeito, muito pouco se conhece a respeito da vida desse santo guerreiro. O único elemento histórico que temos acerca da vida do militar é o seu martírio, que provavelmente se deu em Nicomédia. A Legenda Áurea narra que o martírio de São Jorge teria se dado por ordem de Daciano. No Oriente, ele é conhecido como “megalomártir”, ou seja, “grande mártir”. Ele também é reconhecido como modelo de virgem masculino, ao lado de São João Evangelista e o próprio Jesus Cristo.[1]
Sua memória se comemora no dia 23 de abril, por se crer que ele tenha sido martirizado nesse dia do ano 303. No Oriente a sua data é comemorada no dia 6 de maio, data do feriado em vários locais. Desde a Idade Média, tornou-se uma das maiores devoções populares na Igreja Católica. É também reverenciado na Igreja Ortodoxa. Os seus restos mortais se encontram em Lydda ou Lod, atual Israel.
1. Quem foi São Jorge?
Entre as inúmeras dúvidas que pairam sobre a vida de São Jorge estão o seu avanço rápido nas hostes militares, a sua organização de uma comunidade cristã em Urmiá (Irã) e a uma viagem empreendida às ilhas britânicas durante uma expedição militar.
Conta-se que Jorge era membro da guarda pretoriana do imperador Diocleciano. Embora sem nomear de modo explícito, a tradição remonta ao santo guerreiro as palavras de Eusébio de Cesareia:
“Assim, logo que foi afixado em Nicomédia o edito contra as Igrejas, sucedeu que um homem, de forma alguma obscuro, mas dos mais ilustres, um dignitário secular, impelido pelo zelo de Deus e movido pelo ardor da fé, retirou, como sendo ímpio e absolutamente irreligioso, o aviso colocado em evidência num lugar público e o rasgou, na ocasião em que dois imperadores, o mais antigo e o que ocupava o quarto lugar no governo, achavam-se presentes na cidade. Este, contudo, foi o primeiro dos habitantes do país a se destacar de tal maneira; e logo, como é óbvio, suportou as consequências de tamanha audácia, mas até o último suspiro conservou a tranquilidade e a calma”.[2]
Contudo, não se sabe com certeza se Eusébio de Cesareia se referia com este trecho a São Jorge.
Conforme a Catholic Encyclopedia (1913), não existe fundamentos para duvidar da existência de São Jorge e esta é opinião dos historiadores de hoje, contudo, é necessário estar atento a dar crédito irrestrito aos detalhes de sua vida.[3]
2. Origem do nome “Jorge”
De acordo com Legenda Áurea:
“Jorge [Georgius] vem de geos, que quer dizer ‘terra’, e de orge, ‘cultivar’, de forma que o nome significa ‘cultivando a terra’, isto é, sua carne”.[4]
Outras interpretações são inseridas a seguir por Jacopo de Varazze:
“Jorge também pode vir de gerar, ‘sagrado’, e de gyon, ‘areia’, significando portanto ‘areia sagrada’. De fato, da mesma forma que a areia, Jorge foi pesado pela gravidade dos costumes, miúdo por sua humildade, seco pela isenção de volúpia carnal.
O nome pode ainda derivar de gerar, ‘sagrado’, e gyon, ‘luta”, significando ‘lutador sagrado’ porque lutou contra o dragão e contra o carrasco. Jorge ainda pode resultar de gero, que quer dizer ‘peregrino’, de gír, ‘cortado’, e de ys, ‘conselheiro’, porque foi peregrino em seu desprezo pelo mundo, cortado em seu martírio e conselheiro na prédica do reino de Deus”.[5]
3. Por que o dragão?
A ligação entre o São Jorge e o dragão é conhecida sobretudo desde a Legenda Áurea de Jacopo de Varezze, cujas raízes remontam o sexto século. Foram popularizadas na região da Geórgia, no sul do Cáucaso.
De fato, uma remonta legenda aponta que o santo guerreiro salvou uma princesa (e seu povo) do ataque de um dragão (que simboliza tradicionalmente o demônio ou o mal). Na mitologia o dragão também aparece como símbolo de inimizade.
A figura do santo combatente lutando contra o dragão tornou-se uma das maiores referências iconográficas do ideal cavaleiresco na civilização cristã. O salmo 90 é com frequência referido a ele: “Sobre serpente e víbora andarás, calcarás aos pés o leão e o dragão” (Sl 90,13).
4. A história de São Jorge e o dragão extraído da Legende dorée
Dragão acalmado por duas ovelhas
Jorge, tribuno nascido na Capadócia, foi certa vez a Silena, cidade da província da Líbia. Ali perto havia um lago, grande como um mar, no qual se escondia um pestífero e enorme dragão que muitas vezes afugentou o povo armado que tentara atacá-lo.
Para acalmá-lo e impedir que se aproximasse das muralhas da cidade, que não protegiam de seu hálito empesteado que matava muita gente, os habitantes davam-lhe todos os dias duas ovelhas.
A filha do rei no lugar das ovelhas
Quando começou a não haver ovelhas em quantidade suficiente, o conselho municipal decidiu que se daria uma ovelha e um humano, sorteando-se para tanto rapazes e moças, sem excetuar ninguém.
Depois de algum tempo também faltou gente, e o sorteio designou a filha única do rei para ser entregue ao dragão.
Contristado, o rei propôs: “Peguem todo meu ouro e prata, a metade de meu reino, mas não deixem minha filha morrer assim”.
Furioso, o povo respondeu: “Foi você, rei, que promulgou este edito, e agora que todos os nossos filhos estão mortos, quer salvar sua filha? Se não fizer com sua filha o que ordenou para os outros, queimaremos sua casa e você”.
Ao ouvir essas palavras, o rei pôs-se a chorar sua filha, dizendo: “Ai, como sou infeliz! Ó minha meiga filha, o que posso fazer por você? O que posso dizer? Nunca poderei vê-la casada?”
E, voltando-se para o povo: “Eu imploro a vocês, deem-me oito dias para chorar minha filha”. O povo aceitou, mas ao cabo de oito dias dirigiu-se, furioso, ao rei: “Prefere perder seu povo que sua filha? Estamos todos morrendo por causa do sopro do dragão”.
Então o rei, vendo que não poderia livrar a filha, fez que ela vestisse trajes reais e beijou-a entre lágrimas, dizendo: “Ai, como sou infeliz! Minha doce filha, de seu ventre eu esperava netos de estirpe real, e agora você vai ser devorada pelo dragão. Ai, como sou infeliz! Minha doce filha, eu esperava convidar muitos príncipes para suas bodas, decorar seu palácio com pedras preciosas, ouvir música de vários instrumentos, e no entanto você vai ser devorada pelo dragão”.
Ele a beijou e a deixou partir, dizendo: “Ó minha filha, queria ter morrido antes para não perdê-la assim!”. Ela então se jogou aos pés de seu pai para pedir a bênção, e depois de abençoada em lágrimas dirigiu-se para o lago.
São Jorge encontra a filha do rei
O bem-aventurado Jorge passava casualmente por lá, e vendo-a chorar perguntou a razão. Ela respondeu: “Bom rapaz, monte depressa em seu cavalo e fuja, se não quiser morrer como eu”.
Jorge: “Não tenha medo, minha filha, e diga-me o que toda aquela gente está esperando ver”.
Ela: “Vejo que você é bom rapaz, de coração generoso, mas quer morrer comigo? Fuja! Depressa!”
Jorge replicou: “Não irei embora antes que me conte o que está acontecendo”.
Depois que a moça explicou tudo, Jorge disse: “Minha filha, nada tema, porque, em nome de Cristo, vou ajudá-la”.
Ela replicou: “Você é um bom cavaleiro, mas salve-se imediatamente, não pereça comigo! Basta que eu morra sozinha, porque você não poderia me livrar e pereceríamos juntos”.
Enquanto conversavam, o dragão pôs a cabeça para fora do lago e foi se aproximando. Toda trêmula, a moça falou: “Fuja, meu bom senhor, fuja depressa”.
A eficácia da oração de São Jorge
Jorge montou imediatamente em seu cavalo, protegeu-se com o sinal-da-cruz, e com audácia atacou o dragão que avançava em sua direção. Brandindo a lança com vigor, recomendou-se a Deus, atingiu o monstro com força, jogando-o ao chão, e disse à moça: “Coloque sem medo seu cinto no pescoço do dragão, minha filha”.
Ela assim o fez e o dragão seguiu-a como um cãozinho muito manso. Quando ela chegou à cidade, vendo aquilo todo o povo pôs-se a fugir gritando: “Ai de nós, logo todos vamos morrer!”
Mas o beato Jorge disse-lhes: “Nada temam, o Senhor me enviou para que eu os libertasse das desgraças causadas por esse dragão. Creiam em Cristo e recebam o batismo, que eu matarei o dragão”.
São Jorge mata o dragão
Então o rei e todo o povo foram batizados e o bem-aventurado Jorge desembainhou a espada e matou o dragão, ordenando depois que o levassem para fora da cidade. Quatro pares de bois arrastaram-no para campo aberto. Nesse dia 20 mil homens foram batizados, sem contar crianças e mulheres.
Igreja em honra a São Jorge
Em homenagem à bem-aventurada Maria e ao beato Jorge, o rei mandou construir uma enorme igreja, sob cujo altar surgiu uma fonte de água curativa para todos os enfermos. O rei ofereceu ao bem-aventurado Jorge imensa quantidade de dinheiro, mas ele não aceitou e mandou doá-la aos pobres.
Conselhos de São Jorge e outra versão de sua intercessão
Jorge deu então ao rei quatro breves conselhos: cuidar das igrejas de Deus, honrar os padres, ouvir com atenção o ofício divino e nunca esquecer os pobres. A seguir beijou o rei e foi embora.
Certos livros contam que quando o dragão ia devorar a moça. Jorge protegeu-se com o sinal-da-cruz, atacou-o e matou-o. Eram imperadores na época Diocleciano e Maximiano, e sob o governador Daciano houve uma perseguição tão violenta aos cristãos que em um mês 17 mil deles receberam a coroa do martírio, enquanto muitos outros fraquejaram e sacrificaram aos ídolos.[6]
Conclusão
Após aquele acontecimento o povo queria fugir da cidade, mas São Jorge os converteu (cerca de 45 mil pessoas) juntamente com o própria imperador.[7]
5. São Jorge: um santo popular
A história de São Jorge com o dragão ficou popularizada durante o tempo das cruzadas. O santo militar tinha muita fama no Oriente, de onde provinha, e os cruzados reviveram o culto a ele na Europa.
Diversas ordens de cavalaria se encontram sob a égide de sua proteção ou tem algum símbolo que se refira a ele. Com efeito, ele é padroeiro de todos os combatentes e protetor contra as guerras. De fato, a vitória de São Jorge sobre o dragão é simbolizada como a vitória sobre as hostes islâmicas na época das Cruzadas. Ricardo Coração de Leão o invocava como protetor dos soldados.
O Sínodo de Oxford ordenou em 1222 que sua festa se tornasse festa nacional. Eduardo III o fez padroeiro das ilhas britânicas, além de instituir a Ordem dos Cavaleiros de São Jorge.
6. Padroeiro de muitos lugares
São Jorge é padroeiro de Portugal, Etiópia, Catalunha, Aragão, Geórgia (pelo próprio nome), Lituânia e muitas cidades pelo mundo.
O santo guerreiro também é padroeiro do estado do Rio de Janeiro, onde é feriado estadual.
O santo militar também padroeiro dos cavaleiros, dos soldados, dos escoteiros, agricultores, ferreiros, etc.
Por sua proteção contra o dragão, ele é invocado contra a peste, cobras venenosas e contra a lepra, além de outras doenças.
7. São Jorge está na lua?
Sim! Na realidade, São Jorge é o nome, adotado pela União Astronômica Internacional, de uma cratera na lua. Nesse sentido, portanto, a resposta é afirmativa.
Contudo, isso nada tem a ver com a ideia difundida por religiões de matriz africana, segundo as quais ele “moraria dentro da lua”, o que não tem nenhuma base na doutrina cristã. Outras superstições invocam a lua como lugar de guerra. Assim, por sincretismo, religiões afro-brasileiras transpuseram mitos africanos (Ogum e Oxum) para a tradicional devoção a São Jorge (não é infrequente encontrar imagens do santo junto a oferecimentos de macumba). Já no plano astrológico, chegaram a identificá-lo ao signo de sagitário.
Obviamente tudo isso nada tem a ver com religião católica. Na realidade, quando ele mesmo venceu o dragão, ele increpou o governador com as palavras da Bíblia (Salmo 95,5): “Todos os deuses dos gentios são demônios, foi o Senhor quem fez os Céus!” Irado, o governador mandou prendê-lo e queimá-lo vivo. Na realidade, ele mesmo foi o holocausto vivo diante de Deus contra o paganismo.
Bibliografia
ELDER, Isabel Hill. George of Lydda: Soldier, Saint and Martyr. London: Covenant, 1949.
EUSÉBIO DE CESAREIA. História Eclesiástica. São Paulo: Paulus, Patrística, v. 15, 2000.
HOADE, E. George, St. New Catholic Encyclopaedia, Gale: Washington, v. 6, p. 143-144.
JACOPO DE VARAZZE. Legenda Áurea – vida de santos. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 365-270.
RICHES, Samantha J.E. St. George as a male virgin martyr. In: RICHES, Samantha J.E. SALIH, Sarah. Gender and Holiness: Men, women and saints in late medieval Europe. London-New York: Routledge, 2002, p. 65-85.
THURSTON, Herbert. “St. George”. In HERBERMANN, Charles (ed.). Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company, 1913 (online).
WALTER, Christopher. The Origins of the Cult of Saint George. Revue des études byzantines, v. 53, 1995, p. 295-326.
Por Pe. Felipe de Azevedo Ramos, EP
[1] RICHES, Samantha J.E. St. George as a male virgin martyr. In: RICHES, Samantha J.E. SALIH, Sarah. Gender and Holiness: Men, women and saints in late medieval Europe. London-New York: Routledge, 2002, p. 65-85.
[2] EUSÉBIO DE CESAREIA. História Eclesiástica, 8, 5.
[3] THURSTON, Herbert. “St. George”. In: HERBERMANN, Charles (ed.). Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company, 1913 (online).
[4] JACOPO DE VARAZZE. Legenda Áurea – vida de santos. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 365
[5] Ibid.
[6] Ibid., p. 366-367.
[7] WALTER, Christopher. The Origins of the Cult of Saint George. Revue des études byzantines, v. 53, 1995, p. 321.
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