São João de Ávila
A Igreja lembra hoje, 10 de maio, a memória de São João de Ávila, sacerdote, missionário, diretor de almas e escritor místico. A autenticidade de suas palavras foi marcada por sua vida piedosa e ilibada, como convém a todo sacerdote.
Redação (10/05/2024 07:54, Gaudium Press) João de Ávila era filho de Alonso de Ávila e Catarina Gijón, casal honrado e abastado de Almodóvar del Campo. Antes de seu nascimento, sua mãe empreendera penosa romaria à Ermida de Santa Brígida, situada numa serra agreste não muito perto da cidade, descalça e com um cilício, a fim de implorar o dom da maternidade. Tão devota prece foi ouvida e na festa da Epifania do ano de 1499 vinha à luz este menino, que marcaria época e seria elevado à honra dos altares e ao Doutorado da Igreja.
Na mais tenra infância, João iniciou uma precoce via de ascese e penitência. Aos quatro anos de idade, viajaram seus pais em peregrinação ao Santuário de Guadalupe, em Cáceres, e o deixaram com uns vizinhos amigos. Qual não foi a admiração dos anfitriões quando, no meio da noite, o encontraram deitado no chão, sobre uns toscos gravetos que havia juntado.
Com apenas dez anos pediu aos pais que lhe arranjassem uma gruta num aposento afastado da casa, para ali levar uma vida solitária, em ambiente propício para suas orações e sacrifícios, deixando “edificados os clérigos e os habitantes do lugar”. Este local é conhecido até hoje como a Gruta das penitências.
Descortina-se a vocação de pregador
Ao completar 14 anos, partiu para Salamanca, a fim de cursar Direito em sua famosa universidade. Depois de quatro anos de estudo, durante uma festa de toros y cañas, Nosso Senhor o fez sentir vivamente o vazio das coisas terrenas e a necessidade de preocupar-se com a salvação eterna. Tomado pela graça, retirou-se da festa disposto a entregar-se por inteiro a Deus.
Abandonando os estudos, retornou à gruta de sua infância em 1517, com o objetivo de reencetar a antiga vida de recolhimento, e durante três anos dedicou-se à contemplação. Era notável sua mortificação e penitência, além da assídua frequência aos Sacramentos e muitas horas de adoração a Jesus Sacramentado.
Nessas circunstâncias, um franciscano amigo da família, com receio de que a grande vocação que vislumbrava em João não se desenvolvesse, o aconselhou a estudar teologia na Universidade de Alcalá de Henares, para que “com suas letras pudesse servir melhor a Nosso Senhor em sua Igreja”. Aceitando o convite, João cursou primeiro artes e lógica, depois a ciência sagrada, e ascendeu ao presbiterato em 1526.
Havia ele recebido uma considerável herança de seus pais, falecidos antes de sua ordenação sacerdotal. Tomado pelo ardente desejo de ser missionário no então pouco conhecido continente americano, vendeu todos os seus bens, distribuiu o dinheiro aos pobres e se ofereceu para acompanhar o recém-nomeado Bispo de Tlaxcala, no México, Dom Julián Garcéz. Como o prelado partiria do porto de Sevilha rumo ao Novo Mundo, para lá se dirigiu João, disposto a lançar-se na ousada missão.
Enquanto esperava, dedicou-se a pregar na cidade e nas vizinhanças. Ali reencontrou o Venerável Fernando de Contreras, seu antigo companheiro de estudos em Alcalá. Admirado com o fervor e a oratória do jovem clérigo, pediu ele ao Arcebispo, Dom Alonso Manrique, que fizesse com que João de Ávila permanecesse na Espanha a fim de pregar o Evangelho em terras ibéricas, tão necessitadas de almas apostólicas como aquela.
O eclesiástico acolheu a sugestão e, em nome da santa obediência, ordenou-lhe que ali continuasse. Abrindo mão de seu sonho, atendeu prontamente à ordem recebida, pois reconheceu nela os desígnios de Deus a seu respeito.
Atraindo multidões
De suas pregações não havia quem saísse indiferente. As homilias duravam cerca de duas horas e ninguém se cansava ou reclamava, tal era a atração que exercia sobre os fiéis! Ricos e pobres, jovens e anciãos, justos e pecadores, todos acudiam para ouvi-lo.
Por que ele atraía tanto? Uma das razões da fecundidade de suas práticas vinha do fato de ele as preparar diante de um Crucifixo, genuflexo, em oração.
Significativo é o testemunho de um de seus principais biógrafos a respeito deste apostolado: “Quando ele prega, se enchem as igrejas, e faz também seus sermões nas praças públicas. As pessoas ficam compostas e se moderam apenas ao vê-lo; vive pobremente, não aceita espórtulas nem esmolas por seus sermões, e se algo querem dar-lhe roga que entreguem aos pobres. É humilde, paciente, muito zeloso do bem dos próximos, organiza coletas para ajudar os necessitados e manter os clérigos estudantes”.
Instituições de ensino, discípulos e seguidores
São João de Ávila reuniu em torno de si um grupo de sacerdotes que, enlevados por suas virtudes e exemplo, colocaram-se sob sua influência e com ele fundaram vários colégios de clérigos. Estavam eles a serviço do Arcebispado, e tinham por objetivo a formação da juventude, sobretudo daqueles que se preparavam para o sacerdócio. Entre estes colégios – que depois do Concílio de Trento se transformariam em seminários conciliares – ficaram famosos o de Santa Catarina, o dos Abades e o de São Miguel, em Granada.
Nos colégios avilinos “se aprendia não tanto a gastar os olhos no estudo quanto a fazer calos nos joelhos, em oração”.
A seus discípulos aconselhava também a “robustecer sua vida espiritual através da frequência à Confissão e à Sagrada Comunhão, e, se possível, nunca deixar de fazer duas horas de oração mental sobre a Paixão e os Novíssimos, de manhã e à noite”. Ensinava que não lhes bastava subir ao púlpito só com piedade: deviam ter fome e sede de conquistar almas para Nosso Senhor.
Fundou João de Ávila a Universidade de Baeza, em Jaén, a qual foi “importante ponto de referência durante séculos para a formação qualificada de clérigos e seculares”.
Grande provação
Movidos pela inveja e aproveitando-se de certas afirmações suas susceptíveis de uma má interpretação, em 1531 alguns eclesiásticos o denunciaram ao Tribunal da Inquisição, de Sevilha. O ardoroso pregador foi encarcerado e submetido a sucessivos interrogatórios durante vários meses.
Mesmo no cárcere seu zelo apostólico não lhe permitiu ficar inativo: além de escrever numerosas cartas a seus filhos espirituais e a várias pessoas que lhe pediam uma palavra, reformulou a antiga tradução espanhola da Imitação de Cristo.
Neste período de provação – confidenciou a frei Luís de Granada -, concedeu-lhe Nosso Senhor, de modo muito íntimo, a penetração e o conhecimento dos mistérios da Redenção, do amor de Deus aos homens, e pôde comprovar quão grande é a recompensa reservada aos justos após suportarem com alegria as dificuldades nesta vida. Tão eminente graça levou-o a considerar bem-aventurada aquela prisão, “pois nela aprendeu, em poucos dias, mais que em todos os seus anos de estudo”! Foi sob tal impulso que começou a escrever sua obra magna de espiritualidade, o Audi, Filia: “maravilhosa síntese da vida cristã, concebida por Ávila como uma participação da alma no grande mistério de Cristo”.
Em meados de 1533, o Tribunal da Inquisição o absolveu, tendo em vista a perfeita ortodoxia de seus ensinamentos e a falta de fundamentos para todas as acusações levantadas contra ele. Sua saída da prisão foi marcada por uma Missa solene na Igreja de San Salvador. Quando subiu ao púlpito, começaram a soar as trombetas e os fiéis o aclamaram com grande entusiasmo.
Relacionamento entre Santos
Inúmeras foram as conversões operadas através dos sermões cheios de unção deste varão apostólico, inclusive de almas que a Igreja inscreveria, mais tarde, no catálogo dos Santos.
Célebre é o fato ocorrido em Granada no dia 20 de janeiro de 1537, festa de São Sebastião. Falava João de Ávila sobre a felicidade de sofrer por Cristo Jesus nesta Terra, para participar de sua glória no Céu. Traçou ele um quadro tão atraente das castas delícias da virtude e da desgraça reservada aos pecadores, que suas palavras penetraram a fundo no coração de outro João, o qual, transido de compunção, converteu-se e veio a ser o grande São João de Deus, fundador da Ordem dos Irmãos Hospitalários. Tornando-se discípulo do mestre Ávila, pedia-lhe ajuda em todas as suas provações e dificuldades, e foi por ele estimulado em sua vocação desde este primeiro encontro: “Afirmo-te que a misericórdia do Senhor não te abandonará jamais”.
Nosso santo pregador gozava da profunda estima de Santo Inácio de Loyola, com quem trocou algumas cartas. Relacionou-se com outros destacados membros da Companhia de Jesus e para ela encaminhou cerca de 30 de seus melhores discípulos. Desempenhou importante papel na conversão do duque de Gandía, futuro São Francisco de Borja: tendo este comprovado – no sepultamento da imperatriz Isabel, esposa de Carlos V, em Granada – quanto é efêmera a beleza humana, procurou o mestre Ávila e, depois de ouvi-lo, abandonou a corte, fez-se jesuíta e foi o terceiro superior geral da Companhia.
Entre outros que se beneficiaram do zelo e da ciência do Apóstolo da Andaluzia podemos destacar São Tomás de Villanueva e São Pedro de Alcântara. São João de Ribera pediu-lhe pregadores para renovar sua diocese, em Badajoz, e possuía em sua biblioteca 82 de seus sermões manuscritos. Santa Teresa de Jesus – também Doutora da Igreja – tinha o mestre Ávila por conselheiro espiritual e com ele manteve assídua correspondência, enviando-lhe inclusive, após muitas dificuldades, um dos primeiros manuscritos de seu Livro da Vida. São João da Cruz conseguiu, com a ajuda dos discípulos de nosso Santo, reformar o Carmelo masculino de Baeza.
Ademais destas, inúmeras foram as almas que o tomaram por modelo. Ao proclamá-lo Doutor da Igreja, em 2012, Bento XVI menciona também o Beato Bartolomeu dos Mártires, frei Luís de Granada – seu mais conceituado biógrafo – e o Venerável Fernando de Contreras, responsável por sua permanência na Espanha, entre outros “que reconheceram a autoridade moral e espiritual do mestre”.
Plenitude da vocação
Apesar de já estar alquebrado pela enfermidade que o levaria à morte, o Arcebispo de Granada queria levá-lo como teólogo assessor nas duas últimas sessões do Concílio de Trento. Impossibilitado de comparecer, redigiu seus Memoriales, que grande influência exerceram no magno evento eclesial. Neles assinalava ter a Igreja de seu tempo necessidade de duas classes de sacerdotes: os confessores e os pregadores. Estes últimos, precisava ele, deviam ser o braço direito dos Bispos, “com os quais, ‘como um capitão com seus cavaleiros, sejam terríveis contra os demônios’”.
Sentindo aproximar-se o fim de sua vida, decidiu legar à Companhia de Jesus a herança de seus discípulos e colégios, desejo que não chegou a se concretizar devido a inesperados obstáculos. Vencidas muitas outras provações e dificuldades, retirou-se para a cidade andaluza de Montilla, onde morreu santamente, em 10 de maio de 1569. Suas derradeiras palavras, repetidas várias vezes, foram: “Jesus, Maria”.
Sem dúvida, São João de Ávila realizou sua vocação na plenitude. A autenticidade de suas palavras foi marcada por sua vida piedosa e ilibada, como convém a todo sacerdote, que deve ser santo “para poder arrastar, para poder convencer e para poder arrebatar”. Não nos resta senão dizer, com toda propriedade, que este insigne pregador arrastou, convenceu e arrebatou!
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho, Maio 2015, n. 161.
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