Santo Inácio de Antioquia: protótipo de mártir
Discípulo de São João Evangelista e Bispo de Antioquia, Santo Inácio de Antioquia, cuja memória celebramos hoje, dia 17 de outubro, morreu estraçalhado pelas feras no anfiteatro de Roma. Em seus primeiros passos de sangue, ainda pequenina e débil aos olhos dos homens, a Igreja resistiu como uma corajosa leoa.
Redação (17/10/2024 06:00, Gaudium Press) A região da Palestina também fazia parte dos territórios acrescentados pelos romanos a seu império. Dentre as cidades por eles subjugadas ao redor do Mar da Galileia, contava-se um singelo povoado de pescadores, cujas casas eram construídas com grandes pedras negras: Cafarnaum. Ali Nosso Senhor realizou muitas das suas obras.
Certa vez, voltando do monte da Transfiguração, chegava Jesus com seus Apóstolos à cidade e, sabendo que haviam discutido quem deles era o maior, perguntou-lhes: “De que faláveis pelo caminho?” (Mc 9, 33). A melhor resposta que encontraram foi o silêncio, pois estavam com vergonha de si mesmos e de seus pensamentos pouco voltados a Deus, que tinham diante de si…
Com sua grandeza adorável, Nosso Senhor sentou-Se e, chamando os Doze, ensinou: “Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos” (Mc 9, 35). E a fim de tornar vivo este ensinamento, transmitido em tantas outras ocasiões, o Divino Mestre colocou um menino no meio dos Apóstolos, abraçou-o e disse-lhes: “Todo o que recebe um destes meninos em meu nome, a Mim é que recebe; e todo o que recebe a Mim, não Me recebe, mas Aquele que Me enviou” (Mc 9, 37).
Tão singelo episódio acontecido numa rústica cidade de pescadores tornou-se exemplo de humildade e paradigma de tal virtude para todos os séculos. E a criança que teve a imensa graça de ser abraçada pelo próprio Salvador, segundo uma linda tradição, veio a ser um dos maiores Santos dos tempos apostólicos: Inácio, o Bispo de Antioquia.
A inocência perseguida pela vilania
Este menino, especialmente estimado por Nosso Senhor, fez-se seguidor do Apóstolo São João, o Discípulo Amado, e tornou-se depois o segundo ou terceiro Bispo de Antioquia, cidade onde pela primeira vez os seguidores de Jesus Cristo receberam o “nome de cristãos” (At 11, 26).
Foi também em Antioquia que São Paulo e São Barnabé alcançaram grande sucesso no apostolado com os pagãos. E esta será a capital de onde partirão as primeiras missões evangelizadoras.
Por desígnios da Providência, Santo Inácio aí estabeleceu um governo longo e admirável sobre o rebanho da Igreja e exerceu-o até o momento em que o imperador Trajano, estando no Oriente, mandou dez soldados conduzirem o venerável Bispo até Roma a fim de ser martirizado no anfiteatro Flávio, o famoso Coliseu.
Aquele menino inocente, modelo de humildade para os Apóstolos, passa a ser barbaramente perseguido por ser bom, por ser católico autêntico, por ser um Santo! É a inocência perseguida pela vilania, o ódio gratuito do mal contra o bem.
Diário espiritual de uma viagem
Numa época em que não havia meios rápidos de locomoção, podemos imaginar a aflição de alguém preso de maneira injusta, que percorre a estrada da morte rumo a um fim inevitavelmente trágico.
Santo Inácio, protótipo de mártir dos tempos primevos, nos deixou um valiosíssimo legado, pois, estando nessas circunstâncias, utilizava as paradas para redigir cartas às diversas igrejas, às quais queria dar um conselho ou dirigir uma exortação. Ele plasmou com candura e fervor em suas cartas a devoção mariana que o marcava a fundo, dando bem a ideia dos sentimentos de tantos fiéis entregues às feras e aos verdugos para serem brutalmente assassinados.
Das sete cartas por ele escritas, e que até hoje se conservam, uma foi dirigida aos romanos. Sendo a capital do império o lugar onde vai morrer, o santo Bispo trata de forma especial nesta missiva do tema martírio. Única de suas cartas datada, foi ela escrita em 24 de agosto, provavelmente do ano 107 d.C., valendo-se da pausa que os soldados fizeram na cidade portuária de Esmirna.
Usando uma linguagem metafórica, Santo Inácio revela como estava transcorrendo sua viagem: “Desde a Síria até Roma, luto contra as feras, por terra e por mar, de noite e de dia, acorrentado a dez leopardos, a um destacamento de soldados; quando se lhes faz bem, tornam-se piores ainda”.
“Deixai que eu seja pasto das feras”
Agrilhoado por amor a Nosso Senhor, o Santo afirma que o principal motivo pelo qual escrevia aos romanos era dissuadi-los de intervir em seu julgamento para tentar libertá-lo dos suplícios. Era justamente o que ele não desejava: “Escrevo a todas as igrejas e anuncio a todos que, de boa vontade, morro por Deus, caso vós não me impeçais de o fazer. Eu vos suplico que não tenhais benevolência inoportuna por mim”. Como pode uma pessoa não ter medo da morte?
Santo Inácio tinha plena consciência dos tormentos pelos quais poderia passar, mas nada o afligia tanto quanto sentir-se longe do Divino Mestre: “Não me impeçais de viver, não queirais que eu morra. Não me abandoneis ao mundo, não seduzais com a matéria quem quer pertencer a Deus”.
De fato, seu desejo foi atendido. Ao ser devorado pelas bestas ferozes, como ele mesmo profetizara, sua alma inocente reencontrou quem lhe abraçara quando era apenas um menino: “Deixai que eu seja pasto das feras, por meio das quais me é concedido alcançar a Deus. Sou trigo de Deus, e serei moído pelos dentes das feras, para que me apresente como trigo puro de Cristo”.
O ódio vão do imperador romano ficou sepultado na História; o amor do venerável Bispo de Antioquia, contudo, vive eternamente com o Salvador.
A grandeza da Igreja de Cristo sobrepujou os poderes da época, mostrando quem tem o real controle dos acontecimentos: “O Cristianismo, ao ser odiado pelo mundo, mostra que não é obra de persuasão, mas de grandeza”. É uma grandeza que começa no espírito de pessoas como Santo Inácio e que acaba por influenciar e transformar toda a sociedade.
Com efeito, o maior império da História, até aquele momento, capitulou diante da Igreja de Cristo: a princípio teve de reconhecer a licitude de sua existência e, anos depois, a proclamou Religião oficial.
Por Pe. Thiago de Oliveira Geraldo, EP
Texto extraído, com adaptações, da revista Arautos do Evangelho n.182. fevereiro 2017.
Deixe seu comentário