Santo Eduardo, o Confessor
No século XII, a maravilhosa harmonia das desigualdades: a pobreza, a realeza e a vontade divina se ilustram na vida do Rei Eduardo, o Confessor, cuja memória a Igreja celebra hoje, dia 5 de janeiro.
Redação (05/01/2024 08:39, Gaudium Press) Num trecho do livro “La Baja Edad Media”, de autoria de Cristopher Bruck, Professor de História Medieval da Universidade de Liverpool, está descrito o seguinte fato da vida de Santo Eduardo, comentado por Plinio Corrêa de Oliveira.
“Basta o Rei carregar-te aos ombros”
Um homem vítima de grave e dolorosa enfermidade – a qual fazia com que seus nervos se contraíssem, produzindo, com isso, feridas que dificultavam extremamente seus movimentos – conseguiu, certo dia, que o levassem até o Papa para pedir sua cura.
Este respondeu que o enfermo seria curado, mas para isso era necessário que o Rei da Inglaterra o pusesse sobre os ombros e o levasse da grande sala de Westminster até a Abadia, onde por fim encontraria a cura do mal que o atormentava.
A majestade e a repugnância se encontram
Tendo voltado à Inglaterra, o doente dirigiu-se ao palácio real. Alegando trazer uma mensagem pontifícia, ele conseguiu comparecer à presença do soberano.
Imagine-se como terá sido a cena daquele homem chegando diante do Rei, o qual provavelmente se encontrava em seu trono, resplandecente de majestade, mas ao mesmo tempo de bondade e afabilidade.
— O que quer? Interroga-lhe o Rei.
— Senhor, eu venho da parte do Papa.
— Então, diga-me do que se trata.
— Ele pede que vós me cureis.
— Mas como poderei fazer isso?
— É ordem do Papa…
O recado que é transmitido consiste na manifestação do desejo do Papa de que esse grande monarca, glorioso chefe da nação, carregue ao pescoço aquele mendigo chagado e purulento, apresentando-se nessa postura humilhante pelas ruas, ao longo de todo o percurso.
O santo soberano atende ao pedido. E, na pequena Londres de então, o Rei sai de seu palácio, fazendo-se montar por aquele indivíduo, enquanto as sentinelas se perfilam e um arauto toca trombeta avisando que Sua Majestade vai passar.
Dos mais belos fatos da monarquia inglesa
Naquela cidade pequena, onde todo mundo se conhece, certamente o povo deve ter comentado: “logo Gila Michael, esse mendigo miserável, carregado assim pelo Rei! Nosso augusto Rei, Santo Eduardo, símbolo da Inglaterra e da virtude da Igreja Católica, ele tão majestoso, digno e altivo como um lírio, trazendo um mendigo montado sobre si! Que coisa extravagante!”
Enquanto isso, tanto o mendigo quanto o Rei vão rezando, e pedindo a Nossa Senhora a esperada cura.
Atrás do Rei o povo atônito forma um cortejo que caminha rumo à Abadia de Westminster, a fim de ver qual será o desfecho daquela curiosa cena.
No caminho, porém, as vestes reais vão se enchendo de pus e sangue que começam a verter das chagas daquele homem, o qual ao mesmo tempo começa a sentir que algo nele está se dando.
Ao entrar na Abadia, o monarca dirige-se para junto do altar, lá tira o precioso fardo de seus ombros e o põe no chão.
Então, o homem, que montando no Rei, vinha trazendo nas mãos suas muletas, larga-as e começa a andar, pois suas chagas estavam inteiramente secas e ele miraculosamente curado.
O Rei está com seus trajes gloriosamente cobertos de sangue e pus; por seu intermédio um grande milagre resplandeceu num dos atos mais belos de toda a história da monarquia inglesa.
Belo como fato ou como lenda
Alguém poderia levantar dúvida sobre a historicidade desse fato. A meu ver, isto não tem grande importância, pois ainda que venha a ser um mito ou uma lenda, o importante é ter havido numa determinada época multidões desejosas de que as coisas tivessem se passado deste modo; caso contrário, nem mesmo seriam capazes de inventar algo assim.
Pode tratar-se de uma lenda baseada num fato verídico, o qual foi glosado e embelezado para atender mais plenamente a apetência das pessoas. Porém, o que importa é ter existido um povo que tivesse o estado de espírito tendente a se entusiasmar com a possibilidade das coisas se passarem desta forma.
Como vibram de entusiasmo por realidades diferentes as pobres multidões modernas, infelizmente tão massificadas, materializadas e quase aniquiladas!
Este episódio é indiscutivelmente belo, porém é necessário fazermos uma análise a fim de que a beleza que nele se encontra não permaneça apenas como convicção, mas seja fundada no raciocínio, para desta forma podermos compreender mais profundamente o esplendor da Igreja Católica.
A espera só aos fortes é pedida
Como a Providência tratou a Fé desse homem?
Poderia tê-lo curado logo, mas não o fez. Pelo contrário, inspirou ao Sumo Pontífice de enviá-lo de volta à Inglaterra para lá ser miraculado. Tal ato de confiança Nossa Senhora pede aos fortes. Enquanto aos débeis na Fé, a maior parte das vezes Ela atende imediatamente.
Outro aspecto de beleza é a certeza do pobre homem de que o Rei Eduardo o iria curar.
A grandeza de se fazer pequeno
O Rei podia curar o mendigo ali na mesma hora. Então, por que deixar-se cavalgar por um doente como aquele?
Não podiam os dois se dirigir para Abadia de Westminster sentados numa carruagem?
Trata-se do seguinte: É bonito que um rei, homem posto no mais alto píncaro da hierarquia social, se lembre de que ele é homem como o outro, pois de certa forma todos são iguais. São desiguais apenas em seus acidentes, os quais por vezes são de uma importância muito grande, mas, em sua essência, o rei é homem como o outro.
Por causa disso, o maior deve ser capaz de servir o menor, respeitando assim a qualidade de homem que ambos têm em comum.
Estes são os dois aspectos lindíssimos desse fato: um pobre resignado, mas que com essa naturalidade e Fé pede ao Rei para que o leve sobre os ombros; um Rei que reconhece a altura de sua realeza, mas é capaz de dizer: “Meu filho, pois não. Suba e vamos juntos pedir o milagre que você necessita”.
Texto extraído, com adaptações, da Revista Dr Plinio n. 158, maio 2011.
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