Santo Anjo da Guarda de Portugal: as aparições do Anjo aos pastorinhos
No dia 10 de junho, celebra-se a memória do Santo Anjo da Guarda de Portugal. Segundo uma antiga tradição na Igreja, cada nação tem um Anjo especialmente incumbido de a ajudar.
Redação (09/06/2024 16:58, Gaudium Press) Em Portugal, a memória do Santo Anjo da Guarda de Portugal, cujo culto era tradicional desde tempos remotos, foi oficializada pelo Papa Leão X em 1504, passando a ser celebrada com a maior solenidade em todas as cidades e vilas portuguesas. Contudo, ela se popularizou mediante a divulgação da tríplice aparição do Anjo de Portugal aos três pastorinhos em Fátima, e o Papa Pio XII aprovou a inclusão desta memória no calendário litúrgico português.
Por que um Anjo?
Como sói acontecer, as grandes missões são precedidas por grandes preparações… Para a Encarnação do Verbo, por exemplo, o Arcanjo São Gabriel apareceu à Santíssima Virgem a fim de O anunciar. Precedendo o início das pregações de Nosso Senhor, São João Batista aplainou-Lhe o caminho.
Sendo Deus “Rei dos reis e Senhor dos senhores” (Ap 19, 16), o Senhor supremo de todos aqueles que possuem alguma forma de domínio, não costuma Se comunicar diretamente nessas manifestações, senão que o faz por meio de seus enviados. Por definição, seus mensageiros mais elevados são os Anjos.
Este princípio altíssimo foi também aplicado em Fátima. Antes de Nossa Senhora aparecer, Lúcia, Francisco e Jacinta tiveram três visões do Anjo de Portugal, o Anjo da Paz, conforme ele mesmo se apresentara. Por meio das conversas com o emissário do Céu, a Providência dispunha as crianças para o momento em que sua própria Mãe lhes falaria.
Primeira aparição do Anjo
Com efeito, algumas manifestações sobrenaturais antecederam as aparições do Anjo, tendo ocorrido entre abril e outubro de 1915, numa colina próxima da Cova da Iria, denominada Cabeço. Lúcia pastoreava o rebanho, não com seus primos, Francisco e Jacinta, mas com três outras meninas. A certa altura, viram que “sobre o arvoredo do vale que se estendia a nossos pés pairava uma como que nuvem, mais branca que neve, algo transparente, com forma humana”, segundo as palavras de Lúcia. Em dias diferentes, esta aparição se repetiu duas vezes.
Foi na mesma Loca do Cabeço, num dia de primavera de 1916, quando Lúcia, Jacinta e Francisco se abrigavam de uma chuva fina, que o Anjo apareceu claramente pela primeira vez. E não era um Anjo qualquer, senão o Anjo da Guarda de Portugal.
Este detalhe faz lembrar um ilustrativo comentário do Pe. Manuel Fernando Sousa e Silva, cônego da Sé de Braga: “Segundo uma antiga tradição na Igreja, cada nação tem um Anjo especialmente incumbido de a ajudar”. E isto está baseado na Sagrada Escritura (cf. Dn 10, 13; 12, 1), nos Santos Padres e nos Doutores da Igreja. Contudo, continua ele, “em toda a História da Igreja, é a primeira vez que um Anjo, ao manifestar-se, se apresenta como sendo o Anjo da Guarda de uma nação determinada”.
Depois de rezar, as crianças estavam brincando quando um forte vento sacudiu as árvores. Elas veem, então, caminhando sobre o olival em sua direção, um jovem resplandecente e de grande beleza, como nos conta Lúcia:
“Uma luz mais branca que a neve, com a forma dum jovem, transparente, mais brilhante que um cristal atravessado pelos raios do sol. À medida que se aproximava, íamos-lhe distinguindo as feições”.
Eis como a Ir. Lúcia conta o que se seguiu: “Ao chegar junto de nós, disse:
— Não temais. Sou o Anjo da Paz. Orai comigo.
E ajoelhando em terra, curvou a fronte até ao chão. Levados por um movimento sobrenatural, imitamo-lo e repetimos as palavras que lhe ouvimos pronunciar:
— Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço-Vos perdão para os que não creem, não adoram, não esperam e não Vos amam.
Depois de repetir isto três vezes, ergueu-se e disse:
— Orai assim. Os Corações de Jesus e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas. E desapareceu.
“A atmosfera do sobrenatural que nos envolveu”, continua a Ir. Lúcia, “era tão intensa, que quase não nos dávamos conta da própria existência, por um grande espaço de tempo, permanecendo na posição em que nos tinha deixado, repetindo sempre a mesma oração. A presença de Deus sentia-se tão intensa e íntima que nem mesmo entre nós nos atrevíamos a falar. No dia seguinte, sentíamos o espírito ainda envolvido por essa atmosfera, que só muito lentamente foi desaparecendo”.
Tal foi a força da presença de Deus naquele contato com o Anjo, que as crianças intuíram que o silêncio era a melhor voz para aquele momento, não contando a ninguém, nem sequer aos pais, o acontecido. Este estado de espírito e o sigilo que as crianças mantiveram depois indicam bem o ambiente sobrenatural que as envolvia e as ia transformando.
Segunda aparição do Anjo
No verão de 1916, quando os três pastorinhos brincavam no terreiro da casa dos pais de Lúcia, junto a um poço ali existente, aparece-lhes novamente o Anjo, como o narra a Ir. Lúcia:
“De repente, vimos o mesmo Anjo junto de nós.
— Que fazeis? Orai! Orai muito! Os Corações de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios.
— Como nos havemos de sacrificar? – perguntei.
— De tudo o que puderdes, oferecei um sacrifício em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores. Atraí, assim, sobre a vossa pátria, a paz. Eu sou o Anjo da sua guarda, o Anjo de Portugal. Sobretudo, aceitai e suportai com submissão o sofrimento que o Senhor vos enviar
O Anjo sublinha a predileção de Deus pelos três pastorinhos, mostrando-lhes quanto tem seus olhos voltados para eles, por “desígnios de misericórdia”. É pela bondade divina que eles são escolhidos para a elevadíssima missão de oferecer sacrifícios e orações em reparação pelos pecados cometidos e pela salvação das almas. Deste modo, fica patente ser Deus o benfeitor inicial; Ele toma a iniciativa de chamar alguns e associá-los à Redenção. As boas obras praticadas pelos homens são uma consequência do amor d’Ele para conosco.
Seria necessário acrescentar às palavras pronunciadas pelo Anjo o efeito que sua presença causou naqueles corações infantis. A natureza angélica é tão esplêndida que, por exemplo, quando o Anjo do Senhor apareceu à mãe de Sansão, ela encheu-se de temor pelo seu terrível aspecto (cf. Jz 13, 6) apesar de ser uma judia observante, ela estremece diante da visão, tal a grandeza de um Anjo.
Os três pastorinhos não ficaram precisamente amedrontados, senão que perceberam bem a magnificência do Anjo e sentiram-se diminuídos diante dele. Cheios de humildade, compreenderam o que era o recolhimento, tão diferente da natural leveza e superficialidade de espírito da infância.
Estando já bem predispostos, o Anjo lhes manifesta a vontade de Deus e lhes pede, em última análise, que aceitem abraçar – em tão tenra idade! – o peso da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. As crianças passam a ter presente em sua alma a necessidade de reparar os pecados dos homens, como conta o escritor Willian Walsh a respeito de Francisco: “Desde então começou a refletir sobre o que queria o Anjo dizer com a palavra sacrifícios. Combinou, pois, com as meninas, as privações de prazer, a renúncia de pequeninas satisfações, que isto se fizesse pelos pecadores”.
Terceira aparição do Anjo
No fim do verão ou princípio do outono daquele ano de 1916, mais uma vez na Loca do Cabeço, deu-se a última aparição do celeste mensageiro. Havendo as crianças terminado de merendar, em lugar de começarem a brincar, foram rezar numa gruta próxima. De joelhos e inclinados, rezavam a oração ensinada pelo Anjo, quando ele tornou a se fazer ver, como nos narra a Ir. Lúcia:
“Estando, pois, aí, apareceu-nos pela terceira vez, trazendo na mão um cálice e sobre ele uma Hóstia, da qual caíam, dentro do cálice, algumas gotas de Sangue. Deixando o cálice e a Hóstia suspensos no ar, prostrou-se em terra e repetiu três vezes a oração:
— Santíssima Trindade, Pai, Filho, Espírito Santo, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos do seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores.
“Depois, levantando-se, tomou de novo na mão o cálice e a Hóstia e deu-me a Hóstia a mim e o que continha o cálice deu-o a beber à Jacinta e ao Francisco, dizendo, ao mesmo tempo:
— Tomai e bebei o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, horrivelmente ultrajado pelos homens ingratos. Reparai os seus crimes e consolai o vosso Deus.
“De novo se prostrou em terra e repetiu conosco mais três vezes a mesma oração:
— Santíssima Trindade… etc.
E desapareceu.
“Levados pela força do sobrenatural que nos envolvia, imitávamos o Anjo em tudo, isto é, prostrando-nos como Ele e repetindo as orações que Ele dizia. A força da presença de Deus era tão intensa que nos absorvia e aniquilava quase por completo. Parecia privar-nos até do uso dos sentidos corporais por um grande espaço de tempo”.
Receber a Sagrada Comunhão de um Anjo? Que coisa extraordinária e incomparável!
O Anjo de Portugal, ao aparecer aos pastorinhos, os faz ver as terríveis injúrias que são praticadas contra Jesus Sacramentado, tanto pelos que O profanam quanto pelos que O recebem com indiferença, despertando naquelas almas inocentes o desejo de desagravá-Lo. As palavras do emissário celeste produziram profunda impressão nas três crianças, as quais, a partir de então, começaram a sofrer e interceder pelos pecadores não só através de sacrifícios, como também por meio de uma fervorosa e intensa vida de oração.
Estava o Anjo de Portugal dando-lhes as condições adequadas para um encontro com a Rainha dos Anjos!
Texto extraído, com pequenas adaptações, do livro Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará! Por Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP.
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