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Santa Narcisa de Jesús Martillo Morán

Narcisa Martillo Morán, uma alma chamada por Deus para reparar, por meio de extraordinárias penitências, os pecados cometidos em sua época.

Foto: Arautos do Evangelho

Foto: Arautos do Evangelho

Redação (08/12/2023 18:49, Gaudium Press) Transcorria a primeira metade do século XIX. As guerras e as convulsões sociais eclodiam em quantidade na América do Sul. Quando ­Narcisa nasceu, em 29 de outubro de 1832, havia pouco tempo que o Equador ­tinha se transformado em república.

Foram seus progenitores Pedro Martillo Mosquera e Josefa Morán. Profundamente católicos, abastados e de ilustre ascendência espanhola, viviam numa fazenda no povoado de Nobol, província de Guaias.

Sexta entre nove irmãos, a ­menina passou seus primeiros anos na casa paterna. Já na infância, abriu sua alma à voz de Deus, e quando, aos 7 anos, recebeu o Sacramento da Confirmação, passou a aplicar-se em alcançar a santidade, acostumando-se a dedicar longas horas à oração.

“Ninguém é profeta em sua própria terra”

Não tardaram, entretanto, a surgir as primeiras dificuldades. “Ninguém é profeta em sua própria terra” (Mc 6, 4), ensina o Divino Mestre. Em Santa Narcisa se cumpririam ao pé da letra estas palavras do Redentor.

Narra-nos uma testemunha da ­época: “Narcisa tinha uma irmã, porém, que tremenda irmã! Filhas dos mesmos pais, mas tão diferentes! No meio dos santos surgem também pecadores. Assim saiu a irmã de Narcisa, que foi terrível: gostava dos bailes e tinha muitos namorados. Convidava sua irmã a dançar nas festas que organizava na fazenda, mas ela nunca aceitava. […] Narcisa brilhava por sua ausência, encontrando habilmente o modo de não participar dos bailes nem dos banquetes que sua irmã organizava”.

As fugas das ocasiões de pecado e das más companhias, bem como as graças místicas que já marcavam a fundo sua alma, tornaram essa santa jovem alvo de um sem-número de incompreensões, zombarias e falatório de seus próprios familiares.

Cumulada de graças extraordinárias

As fabulosas paisagens e as mil belezas naturais que lhe oferecia o ambiente familiar influenciaram o espírito contemplativo de Narcisa.

Com frequência, ela transformava um frondoso araçazeiro existente perto da fazenda em sua “catedral”, em seu oratório para “elevar a alma a Deus”. Num dia de inverno tropical, recolheu-se à sombra dessa árvore para orar. Absorta em seu convívio com Jesus, não percebeu uma chuva torrencial que começava a encharcar a floresta. Preocupado pela ausência da filha, seu pai saiu à sua procura, mas teve de regressar para casa com as roupas empapadas, sem encontrar seu paradeiro. Dentro de pouco tempo chegou a jovenzinha, também debaixo da chuva, mas, para surpresa de todos, com suas vestimentas totalmente secas!

Havia na casa dos Martillo Morán um aposento que, com o consentimento dos pais, Narcisa arranjara ­como oratório. Encerrada em sua “capela”, ela passava longas horas rezando diante de uma pequena imagem que representava a Divina ­Infância de Jesus. Seus irmãos, que a espiavam do lado de fora, escutavam às vezes a voz de Alguém que falava com ela. Ao lhe perguntarem com quem conversava, Narcisa respondia com simplicidade: “Com Ele, com Ele”.  E guardava silêncio… Muitos anos depois, seu diretor espiritual, Mons. Manuel Medina, revelaria que Nosso Senhor “a consolava quase diariamente com Sua presença”. 

Viagem a Guayaquil

Movida pela perda prematura dos pais, pelo desejo de encontrar um experimentado diretor de almas que a orientasse em sua vida espiritual e, sobretudo, pelo anelo de santificar-se longe de qualquer obstáculo, Narcisa — já então com cerca de 20 anos — decidiu sair do ambiente familiar e mudar-se para Guayaquil.

Deus serviu-Se de Da. Silvania Gellibert para satisfazer suas inquietudes. A amizade da jovem com essa nobre dama lhe permitiu renunciar à sua parte da herança paterna e estabelecer-se nessa cidade, onde estava certa de encontrar o que procurava.

Em Guayaquil, viveu em vários lugares. As famílias que a acolhiam ofereciam-lhe confortáveis aposentos, porém, ela sempre os recusava. Em seu ardente desejo de passar despercebida, preferiu transformar o estreito e calorento sótão dos ­anfitriões em seu local de oração, de trabalho, de árduas e dolorosas penitências.

Apesar de ter anteriormente usufruído de uma cômoda fortuna, Narcisa dedicou-se ao humilde ofício de costureira em . Passava até altas horas da noite, à luz de um candeeiro, trabalhando para as damas da sociedade. Estas, não poucas vezes vaidosas e caprichosas, obrigavam-na a desmanchar um vestido já concluído e costurá-lo de novo, com algumas modificações… O que ela fazia com inteira mansidão.

Suas três grandes devoções

A espiritualidade da humilde costureira se fundamentava em três ­firmes alicerces: uma arraigada devoção ao Santíssimo Sacramento, ao Coração de Jesus e à Santíssima ­Virgem, Mãe de Misericórdia. Tinha sempre consigo um terço e o desfiava com atenção e serenidade uma infinidade de vezes, ao longo de sua vida.

Convém salientar que, embora sendo simples leiga, seguiu desde muito jovem os conselhos evangélicos de pobreza, castidade e obediência. A estes, somaram-se outros propósitos que praticou com todo rigor: “de clausura, até mesmo para não sair de seu quarto, de isolamento, de jejum a pão e água, de comunhão diária, de confissão, de mortificação e de oração”.

Vitral do Santuario de Santa Narcisa de Jesus

Imitadora da Paixão do Redentor

Em 1853, Sua Santidade Pio IX beatificou Mariana de Jesús Paredes y Flores, a “Açucena de Quito”. ­Levantou-se em todo o país uma forte onda de devoção e entusiasmo por essa que, mais tarde, seria a primeira equatoriana canonizada. Sua vida de intensa penitência e oração cativou muitas almas, entre elas a de Narcisa de Jesús, que se propôs imitá-la. “E o Senhor a favoreceu tanto para cumprir esse propósito, que basta ler a vida de Mariana para conhecer as virtudes de Narcisa” — comenta seu biógrafo.

Tomando conhecimento da vida dessa santa de Quito, Narcisa — então com 21 anos — compreendeu que a Divina Providência lhe dera a ­sublime vocação de imolar-se como vítima expiatória.

Ela começou, então, um severo regime de penitências e sacrifícios ­corporais. Usava diariamente cilícios em todas as partes de seu corpo virginal, a ponto de não conseguir fazer um movimento sequer sem sentir dor. Flagelava-se sem piedade com látego de pontas de aço até derramar sangue em tal abundância que este se escoava “pelas fendas do piso de madeira, chegando assim a manchar o forro do piso inferior”. Não contente com semelhante penitência, seu desejo de desagravar, de reparar as faltas alheias a levava a crucificar-se e coroar-se de espinhos…

Foi muitas vezes surpreendida por seus familiares e conhecidos na prática de atos como esses. Apavorados, ao presenciar cenas tão tremendas e singulares, perguntavam-lhe por que fazia isso. “Vim ao mundo para sofrer” — respondia-lhes com simplicidade a Santa, sempre com o rosto sereno e aprazível.

Vida mística e perseguição do demônio

Em recompensa por tão grandes imolações, Deus lhe concedia graças muito peculiares. Entrava em ­êxtase após receber Nosso Senhor Jesus Cristo, na Eucaristia, ou simplesmente ao pôr-se em oração. Era necessário sacudi-la fortemente para fazê-la voltar a si.

Por outro lado, Narcisa foi também muito perseguida pelo espírito infernal. O demônio lhe armava ciladas para afastá-la do caminho de santidade, interrompia com estrépitos suas orações, espancava-a cruelmente, sujava seu quarto, mas ela saía sempre vitoriosa de todas essas vexações.

“Se queres ser santa, vai para o Patronato”

Sua última viagem, ela a fez por motivos de direção espiritual.

Encontrava-se na “noite escura”, que assalta tantas almas virtuosas, quando Frei Pedro Gual — ­nessa época, comissário e visitador geral dos franciscanos na América do Sul — convidou-a a viajar para Lima, e estabelecer-se numa comunidade de terciárias da Ordem Dominicana. “Se queres ser santa, vai para o Patronato”, disse-lhe o frade. 

Narcisa passou seus últimos ­meses nesse convento da capital peruana, vivendo como uma observante religiosa de clausura, embora fosse uma simples secular. Ali intensificou suas orações, mortificações e sacrifícios, com o único desejo de clamar misericórdia e perdão pelos pecadores, e alcançar, a todo custo, a santidade.

“Jamais concedi igual graça a uma alma”

Enquanto Narcisa redobrava suas penitências, as manifestações sobrenaturais aumentavam de forma extraordinária. Era-lhe cada vez mais fácil entrar em êxtase. Começou a gozar de dons muito especiais, como o de profecia, discernimento dos corações… Tinha visões e aparições de Jesus e de Sua Mãe Santíssima.

Certo dia, quando fazia, absorta, a ação de graças depois de ter comungado, no fim de seu retiro espiritual, apresentou-Se diante dela o Rei dos reis, envolto numa inefável e deslumbrante claridade. Com muita doçura e um suave sorriso, Nosso Senhor ­Jesus Cristo “tirou da cavidade do peito o Seu Coração”, aproximou-o dos lábios da Santa e o deu a beijar, dizendo-lhe: “Jamais concedi igual graça a uma alma”. 

Sua viagem definitiva: a eternidade

Em um de seus costumeiros arrebatamentos, em 24 de setembro de 1869, apareceram-lhe o Salvador e Nossa Senhora. Pediram-lhe que ­manifestasse um desejo, alguma graça especial que quisesse obter. Então, Santa Narcisa, movida pela caridade, pediu por seus próximos, mas rogou também a graça de ir logo para o Céu.

Seus pedidos foram atendidos ­diligentemente. Após essa revelação sobrenatural, ela caiu enferma, com agudas febres que aumentavam a ­cada dia.

Chegou assim à noite de 8 de dezembro de 1869, festa da Imaculada Conceição e data da inauguração do Concílio Vaticano I, por cujo bom êxito Narcisa oferecia seus últimos sofrimentos. Quando no convento apagavam-se as candeias e as terciárias dominicanas se recolhiam para repousar, uma delas, admirada e assustada, procurou a superiora e lhe comunicou que tinha visto sair do quarto da Santa uns raios indescritíveis de luz, enquanto um agradável aroma inundava todo o claustro.

Corpo incorrupto no Santuario 629x420 1

A religiosa foi verificar o que ocorria e “ao abrir a porta do quarto de Narcisa, viu a mesma claridade que se notava do lado de fora e sentiu que ali a fragrância era maior; ela tinha falecido, abrasada pela febre de seu corpo e, sobretudo, pelo ardor do amor divino”.

Seus restos mortais irradiavam uma intensa luz e exalavam um discreto perfume, fazendo pressagiar sua entrada no coro dos Anjos e dos Santos. Ao ser exumado, anos depois, seu corpo apareceu incorrupto, com um sorriso esboçado nos lábios.

Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 82, outubro 2008. Por Pe. Ricardo Alberto del Campo Besa, EP.

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