Santa Marta, modelo de despretensão
No dia 29 de julho, celebra-se a memória de Santa Marta. A irmã de Santa Maria Madalena e de São Lázaro deixou para toda a História um ensinamento de humildade. Ela nos pede que tenhamos os olhos voltados para a glória do Céu e não para os prestígios deste mundo.
Redação (29/07/2024 09:00, Gaudium Press) “Quem não vive para servir, não serve para viver”. Sem dúvida, trata-se de um antigo trocadilho para admoestar e, oportunamente, para desferir uma educada alfinetada na consciência de um irremediável indolente. De outro lado, pelo jogo natural das circunstâncias, é comum que pensemos nessa frase – tão cheia de sabedoria – diante de alguém muito dedicado e serviçal; nesse momento, não é verdade que esse ditado deixa de ter uma nota de repreensão e logo se transforma em um grande elogio?
Pois bem, de modo especial e elogioso podemos recordar no dia de hoje este sábio trocadilho, já que celebramos a feliz memória de Santa Marta, a irmã de Santa Maria Madalena e de São Lázaro.
Marta, Marta…
Uma atitude de Jesus em relação a Santa Marta nos chama a atenção: “Estando Jesus em viagem, entrou numa aldeia, onde uma mulher, chamada Marta, o recebeu em sua casa. Tinha ela uma irmã por nome Maria, que se assentou aos pés do Senhor para ouvi-lo falar. Marta, estando preocupada com serviço da casa, veio a Jesus e disse: Senhor, não te importas que minha irmã me deixe só a servir? Dize-lhe que me ajude. Respondeu-lhe o Senhor: Marta, Marta, andas muito inquieta e te preocupas com muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária; Maria escolheu a melhor parte, que lhe não será tirada” (Lc 10, 38-42).
À primeira vista, parece que Nosso Senhor recrimina a atitude de Marta. Ora, Marta estava preocupada em servir, por que Jesus havia de repreendê-la? De fato, Maria havia escolhido a melhor parte; ela estava junto a Ele contemplando seus gestos, admirando-o por suas palavras e não se preocupava com mais nada a não ser com aquilo que realmente importa nesta vida: amar a Deus. Mas por que Marta, por estar preocupada em servi-lo, devia ser repreendida?
É inegável que a contemplação é superior à ação. Assim, por que haveriam de ser maus a ação e o desejo de servir quando são propulsionados pelo amor e pela contemplação? Por que, então, Jesus repreende daquela forma a atitude de Santa Marta?
Para quem Jesus falava?
São Lucas deixa claro no seu Evangelho que Maria se assentou aos pés de Jesus para ouvi-lo falar. Ora, se Nosso Senhor falava, certamente, havia mais pessoas na casa além de Marta e Maria; caso contrário não falaria, mas sim, conversaria.
Com efeito, em sua sabedoria divina, Jesus não poderia deixar passar nenhuma ocasião na qual pudesse ensinar, repreender e guiar rumo à perfeição todos aqueles que conviviam com Ele. Ademais, pelo discernimento dos espíritos e por sua divindade, Jesus fazia com que cada palavra, gesto e olhar viessem como que na medida certa para cada um dos presentes.
Diante desse quadro, podemos admitir que houvesse ali junto a Ele, ouvindo-o, algumas pessoas que não estavam prontas para ouvir certas repreensões, e para as quais Nosso Senhor tinha que usar uma didática muito peculiar.
Uma alma marcada pela despretensão
Vendo na alma de Marta um reflexo de sua própria despretensão, Deus pôde nela encontrar um meio para fazer bem a terceiros. Nosso Senhor bem sabia com que disposições Marta o servia, com que extremos de amor e com que desejos de perfeição. Sobretudo, Nosso Senhor via quão bem ela aceitaria qualquer correção de sua parte, ainda que fosse aparentemente injusta.
Assim, aproveitando-se da circunstância em que ela se aproximou para solicitar a ajuda de sua irmã Maria, Jesus lançou sobre Marta uma repreensão que muito provavelmente cabia a algum – ou alguns – daqueles que estavam presentes. Marta, com toda a humildade, aceita aquela correção e a aplica para si, procurando tirar todo o proveito para atingir um grau de perfeição ainda maior.
Por que a melhor parte?
Em seguida, Nosso Senhor faz questão de dizer que Maria ficara com a melhor parte e que esta não lhe seria tirada. O que o Divino Mestre quis dizer com isto? Aquilo que Santa Marta estava fazendo era errado? Não.
Somente Nosso Senhor conhecia as intenções dos que o ouviam e, portanto, conhecia também que Marta o servia com toda a retidão de alma e boa intenção. Os outros presentes não sabiam disso e imediatamente aplicavam a si a repreensão feita àquela inocente e despretensiosa servidora.
Quando Jesus diz que Maria ficou com a melhor parte, entendemos, quase imediatamente, que Maria escolheu um modo de viver mais elevado, mais de acordo com a vontade de Deus e, enfim, mais santo que o de sua irmã Marta. E que, portanto, Deus ama mais a Maria, e Maria é mais santa (se assim se pudesse dizer) do que Marta.
Isso não deve ser considerado assim. A santidade é algo que não se compara; são aspectos diferentes do mesmo Deus que refulgem de modo também diferente em almas distintas.
Deus queria deixar marcada para a História a virtude conquistada por Santa Maria Madalena, mesmo depois de ter abandonado tudo numa vida desenfreada. Quis mostrar como é possível restaurar tudo o que se perdeu, e como o amor pode tudo. Quis mostrar como a misericórdia de Deus é infinita e capaz de todos os perdões.
A vocação de Marta: um caminho privilegiado
Para Marta foi diferente. Deus reservou o caminho da inocência e da fidelidade por toda a vida. Um caminho privilegiado de uma grande minoria da humanidade; destinado a almas especialmente eleitas e que agradam sobremaneira a Deus. Além desta predileção, Marta também era uma alegria para Nosso Senhor quando, internamente, no mais íntimo de sua alma, fazia refulgir a despretensão.
Maria enxugou os pés de Jesus com os próprios cabelos, uma clara manifestação de amor e serviço; Marta aceitou com mansidão e humildade, no segredo de seu coração, o heroico chamado da despretensão.
Mais uma vez devemos remarcar que não se deve comparar a santidade entre duas almas. Porém, um detalhe do Evangelho nos mostra quanto agrado traz a Deus esta postura de alma tomada por Santa Marta durante sua vida. Escreve São João: Ora, Jesus amava Marta, Maria, sua irmã, e Lázaro (Jo 11, 5).
À primeira vista não significa nada; mas não podia ser que o Deus feito Homem confundisse a ordem dos nomes ou ferisse o princípio de hierarquia ao formular uma frase por mais simples que fosse. Notemos, portanto, como diz o Evangelho: Jesus amava Marta – em primeiro lugar – Maria e Lázaro.
Santa Marta, modelo de equilíbrio e despretensão
Com certeza, além de muitas graças, Santa Marta tem a nos dar hoje alguma lição. Se é verdade que sua irmã Maria Madalena nos traz um modelo de conversão, de penitência, de entrega à vontade de Deus e de restauração, Santa Marta acrescenta ao quadro das virtudes a integridade, a despretensão, a fidelidade à inocência, a humildade diante da repreensão e do serviço a Deus. Ora, este serviço que Santa Marta quer nos ensinar não é, como muitos poderiam pensar, um incontrolável desejo de fazer e de obrar. Aliás, é também pôr em obras a nossa fé, mas com equilíbrio, com serenidade e com o espírito voltado à contemplação das coisas celestes; é fazer e obrar com despretensão, sem nenhum apego, com humildade, sabendo que tudo o que se faz com a intenção de agradar a Deus será transformado em glória no Céu, não em prestígio nesta Terra.
Por Afonso Costa
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