Santa Luzia: viveu mais para alma do que para o corpo
Hoje, dia 13 de dezembro, celebra-se a memória de Santa Luzia. Como uma simples donzela pode ser capaz de enfrentar autoridades públicas e preferir a morte à violação de seu voto de castidade?
Redação (12/12/2023 14:58, Gaudium Press) Foi dentro das fronteiras do Império Romano que, por desígnio do Altíssimo, nasceu a Santa Igreja Católica. No entanto, esse imenso poder temporal, vendo o poder espiritual florescer com rapidez desconcertante, mostrou-se de início intrigado e receoso, e, por fim, hostil a ponto de chegar às violências mais extremas.
Os sublimes ensinamentos cristãos contradiziam frontalmente os costumes vigentes entre aqueles homens de coração duro. Vítima de toda sorte de calúnias, a Igreja nascente viu-se alvo de sangrentas perseguições desencadeadas pelas autoridades romanas com o objetivo de sufocá-la de modo inexorável.
No reinado de Diocleciano (284-305), esse clima de horror chegou ao auge. Por um edito deste imperador, todas as igrejas deveriam ser demolidas e todos os cristãos que exerciam cargos públicos seriam obrigados a abjurar a fé em Cristo.
É nesta última fase do período das grandes perseguições que surge uma alma de rara virtude: a jovem Luzia.
Voto de virgindade
Nascida em Siracusa e oriunda de uma família nobre e cristã, logo no desabrochar da adolescência, consagrou-se a Jesus, oferecendo-Lhe a flor da sua virgindade.
Seu pai faleceu quando ela era ainda muito menina. Sua mãe, Eutícia, embora cristã, não tinha se despojado totalmente das glórias e atrações deste mundo. Assim, desejosa de proporcionar à sua filha um futuro cheio de fama e de honra, a exortava a casar-se com um jovem rico e bem colocado, mas pagão.
A casta Luzia — que mantinha seu voto em segredo — procurava sempre se esquivar desse assunto. Punha toda a sua confiança em Deus e aguardava uma oportunidade providencial para revelar à mãe sua resolução firme e decidida de pertencer somente a Cristo.
Apesar das atrozes perseguições aos cristãos, celebrava-se todo ano na própria Sicília a festa de Santa Ágata, a virgem da cidade de Catânia, martirizada por volta do ano 250. Os prodígios por ela operados tornaram-na tão conhecida que acorria gente de todas as partes para implorar sua intercessão.
Ora, havia já alguns anos, Eutícia sofria muito de um fluxo de sangue. Por isso, Luzia – que tinha grande devoção a essa virgem mártir, sua conterrânea – persuadiu a mãe a ir em peregrinação até seu túmulo para pedir a cura de tal enfermidade.
Visão celestial
Diante do sepulcro de Santa Ágata, mãe e filha rezaram durante muito tempo, implorando a bondade de Deus, pela intercessão da tão poderosa advogada.
Quis, porém, o Senhor manifestar-Se a Luzia por meio de um sonho profético. Cansada pela fadiga da viagem, acabou a jovem caindo num sono profundo. Enquanto dormia, apareceu-lhe Santa Ágata, rodeada de um coro de anjos. Seu rosto, alegre e sereno, resplandecia como o sol enquanto ela dizia: “Minha queridíssima irmã e virgem consagrada a Deus, por que pedes pela intercessão de outrem o que tu mesma podes obter para tua mãe? Eis que ela se encontra já curada pela fé que tu tens em Jesus Cristo!”
Ao ouvir estas palavras, levantou-se Luzia ainda mais convicta de sua consagração a Deus. Contou então à sua mãe a reconfortante visão e acrescentou que, pela graça de Deus, ela estava totalmente curada de sua enfermidade. E disse-lhe confiante: — Agora, minha mãe, uma só coisa te peço: em nome d’Aquele mesmo que te devolveu a saúde, deixa-me conservar minha virgindade, pertencendo somente ao nosso Criador. Repartamos entre os pobres os bens que preparaste para o meu casamento, e teremos grande tesouro no Céu!
Eutícia se deixou convencer e, voltando a Siracusa, ambas distribuíram suas riquezas entre os mais necessitados, segundo as instruções da comunidade cristã à qual pertenciam.
Ora, isto chegou aos ouvidos do jovem pretendente. Cheio de fúria, este foi ter com Eutícia e testemunhou, com seus próprios olhos, a distribuição de suas joias e objetos preciosos aos pobres. Fora de si, correu até Pascásio, então prefeito da cidade, para acusar Luzia de praticar a religião cristã. Assim iniciou-se o processo que levaria esta Santa a brilhar no mais alto dos Céus, junto à nobre multidão dos gloriosos mártires!
Diante do tribunal
Edificante e arrebatador foi o julgamento da corajosa jovem. Refutou todos os argumentos e ameaças de Pascásio, e seu simples olhar impunha respeito. Vendo o juiz a serena segurança da prisioneira, tentou primeiramente persuadi-la com suaves palavras a oferecer sacrifícios aos deuses pagãos. Depois, ante a irredutível fé de Luzia, passou das adulações para a mais terrível ferocidade.
Ameaçou de a enviar a uma casa de infâmia a fim de fazê-la perder sua virgindade, ao que ela respondeu:
— A violência feita ao corpo não arranca a pureza da alma, se minha vontade não consente. Ao contrário, esta violência me proporcionará duas coroas: a da virgindade e a do martírio.
Após a ordem do prefeito, uma misteriosa força divina impediu que os carrascos a pudessem mover, nem mesmo com o auxílio de uma junta de bois. Obstinado no mal, Pascásio mandou levantar em volta da Santa uma enorme fogueira, mas as chamas não a tocaram.
Derrotado, Pascásio ordenou finalmente que a cabeça da virgem fosse cortada à espada. Uma celestial alegria transpareceu em seu semblante, ao ver que tinha chegado a hora do supremo encontro com seu Redentor. Entretanto, não morreu naquele instante. Caindo de joelhos, foi acolhida nos braços de alguns cristãos que assistiam o seu martírio.
* * *
O martírio de Santa Luzia representa o triunfo do espírito sobre a matéria, um triunfo da castidade, pois nele transparece com muita clareza que a força é uma qualidade muito mais da alma que do corpo, e que quem é casto é forte, uma vez que tem a coragem de não se entregar àquilo para o que tende a natureza, no seu lado mais semelhante aos animais.
Quem se entrega ao pecado torna-se escravo do pecado. Assim, quem se entrega aos efêmeros prazeres sensuais torna-se escravo da carne e perde as qualidades próprias do espírito.
Muitos homens seriam mais inteligentes e brilhantes se fossem castos.
Da mesma forma que o melhor instituto de beleza é a virtude; o melhor centro intelectual é a castidade, pois com ela o homem se torna cada vez mais espiritualizado, e passa a tratar o corpo com o devido respeito, dando-lhe apenas o que lhe é necessário, tornando-se, assim sempre mais forte para lutar pelo verdadeiro ideal: a santidade.
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 60, de dezembro 2006.
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