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Santa Joana de Chantal: convívio sobrenatural

Depois do falecimento de seu marido, Santa Joana começou a sentir um atrativo para percorrer as vias mais altas da vida espiritual e passou, então, a ser formada por São Francisco de Sales. A Igreja celebra sua memória no dia 12 de agosto.

R224 HAG Sao Francisco entrega as Regras a Santa Joana de Chantal

Redação (12/12/2024 08:34, Gaudium Press) Jeanne-Françoise Frémyot de Chantal nasceu em Dijon, a 23 de janeiro de 1572, durante o pontificado de São Pio V. Seu pai era o magistrado Bénigne Frémyot e sua mãe Marguerite de Berbisey, a qual faleceu quando a menina tinha apenas dezoito meses de idade, deixando três filhos sob a tutela do esposo.

Poucas horas depois de vir ao mundo, a pequenina recebeu o Batismo com o nome de Joana, em honra do Bem-Aventurado comemorado naquele dia, São João Esmoler. Anos mais tarde, ao ser ungida com o santo óleo do Crisma, foi-lhe dado o nome de Francisca, em homenagem ao doce Poverello de Assis.

À diferença da irmã Margarida, dois anos mais velha, Joana era uma criança muito vivaz. Enquanto a primogênita demonstrava prazer pela costura, bordado e música, e o irmão menor André pela leitura, Joana preferia montar a cavalo e fazer perguntas ao pai, prendendo-o em filiais discussões. Os parentes chegavam a comentar a falta de feminilidade que notavam nela, achando que isso se devia à ausência da mãe. Entretanto, o pai intuía algo mais profundo nesse modo de ser da filha e por isso a defendia e ressaltava a fortaleza de espírito que ela deixava transparecer nos pequenos gestos do dia a dia.

A sua modéstia, por exemplo, sobressaía quando ela estava entre as meninas da sua idade. À sua humildade uniam-se uma pureza e vigilância combativas, que lhe davam horror a tudo quanto pudesse distanciá-la de Deus, sobretudo as pessoas de má índole. Tinha pelos hereges tal aversão que, ao tomarem-na nos braços para carregá-la, começava a gritar até que a soltassem!

“Assim se queimarão no inferno…”

Entre os episódios que marcaram sua infância, um chama especial atenção por revelar o quanto suas atitudes exteriores eram reflexo de uma inocência que em nada condescendia com o mal.

Certo dia, quando Joana tinha cinco anos de idade, seu pai encontrava-se em casa discutindo com um pastor calvinista, o qual negava explicitamente a Presença Real de Nosso Senhor na Eucaristia. Ao ouvir isto, a menina – que acompanhava a conversa à distância – declarou ao herege, sem respeito humano e com a determinação de um pregador: “O Senhor Jesus Cristo está presente no Santíssimo Sacramento, porque Ele mesmo o disse. Se pretendeis não aceitar o que Ele falou, fazeis d’Ele um mentiroso”.

Procurando ganhar as boas graças da pequena, o calvinista deu-lhe alguns caramelos. Joana, porém, jogou-os imediatamente no fogo, afirmando: “Assim se queimarão no inferno os hereges que não acreditarem no que Jesus Cristo disse”.

Nos anos da adolescência, a inocência áurea de Joana recebeu a coloração rubra da provação, ao presenciar a devastação resultante das guerras de religião em sua pátria. Igrejas eram destruídas, viam-se cruzes jogadas pelas ruas. Não poucas vezes, a jovem deixou transparecer o quanto sofria ao contemplar esse cenário, derramando discretas lágrimas.

Quando Bénigne Frémyot percebeu haver chegado o momento de a filha constituir família, propôs como partido Christophe de Rabutin, o Barão de Chantal. Ela assentiu com serenidade, por confiar no discernimento paterno.

O casal teve quatro filhos, mas, sendo eles ainda pequenos, terminou com uma dolorosa provação: Cristophe foi atingido por um tiro acidental durante uma caçada e faleceu alguns dias depois. Joana enfrentou com varonilidade e paz de alma essa dura adversidade que a tornou viúva aos vinte oito anos de idade.

Afeto materno e castidade de coração

Não demorou muito para que ela tomasse a resolução de não se casar novamente, à semelhança da forte Judite, elogiada nas Sagradas Escrituras: “À coragem juntava a castidade, de tal sorte que nunca em toda a sua vida conheceu outro homem, desde que morreu Manassés, seu marido” (Jd 16, 22). Fez então voto de castidade, tomando Nosso Senhor Jesus Cristo como seu Esposo.

Joana se desfez de numerosos pertences e doou grande parte de sua riqueza aos pobres, passando a viver quase como uma religiosa dentro do castelo. Em lugar de participar nas festas sociais que a sua nobre condição lhe oferecia, ocupava o tempo cuidando dos filhos e desdobrando-se em atenções aos criados e camponeses. Todos os prazeres que preenchiam o cotidiano de uma dama francesa do início do século XVII foram rejeitados por ela e substituídos pela oração e prática da caridade.

Certa ocasião em que retornava da casa de uma amiga, Joana teve uma visão mística. Apareceu-lhe a figura de um clérigo que portava batina preta, sobrepeliz branca e na cabeça um barrete, como se fosse subir ao púlpito para pregar. A cena permaneceu em sua mente até ela chegar ao castelo, junto com as seguintes palavras: “Eis o homem amado por Deus e pelos homens, em cujas mãos deves depositar a tua consciência”. Em seguida a visão se desfez, mas foi o suficiente para preencher-lhe a alma com uma suave alegria.

Depois de algum tempo a premonição confirmou-se: aquele mesmo eclesiástico contemplado por ela aparecia no púlpito de Dijon. Tratava-se do Bispo de Genebra, Francisco de Sales, que viera pregar durante a Quaresma. A baronesa estava na primeira fileira, bem à frente do Santo. As palavras dele ressoaram no mais fundo de sua alma, enquanto uma certeza a levava a repetir interiormente: “É ele, é ele!”

Passados alguns dias, São Francisco procurou André Frémyot, Arcebispo de Bourges e irmão de Joana, para perguntar-lhe sobre a distinta senhora trajada de luto que escutava o sermão com tanta atenção, sempre do mesmo lugar. O prelado respondeu-lhe que era sua irmã, a qual estava ansiosa por conhecer de perto o insigne pregador. Foi assim que se iniciou o puríssimo convívio entre Joana de Chantal e Francisco de Sales, e que conduziu essas duas almas tão distintas, mas tão unidas no plano sobrenatural, a juntas fundarem a Ordem das Filhas da Visitação de Santa Maria.

Nova forma de convívio entre os filhos da luz

A santa amizade que então se estabeleceu entre ambos nos remete às sublimidades da união existente entre os Bem-Aventurados no Céu, toda feita de afeto puríssimo e caloroso. Assim escrevia São Francisco de Sales a Santa Joana, num bilhete: “Ao que parece, foi Deus que me deu a vós. Cada vez estou mais convencido disso. No momento, tudo o que vos posso dizer é: recomendai-me a vosso Anjo da Guarda”.

São Francisco de Sales “sentia-se de tal forma unido à sua correspondente que fez desaparecer de sua língua todas as palavras que indicassem qualquer distinção. Chegava a falar de ‘nosso coração’, que ele via e percebia como ‘sendo único’. Só ‘Aquele que é a unidade por essência’ pôde ‘fundir tão perfeitamente dois espíritos, de tal forma que já não eram senão um só espírito, indivisível, inseparável’. O tom de sua correspondência corria às vezes o risco de causar surpresa. Por exemplo, os afetuosos boas-noites que ele lhe desejava: ‘Boa-noite, minha queridíssima filha, mas boa-noite um milhão de vezes. Conservai-vos assim, sempre doce, e tomai o repouso requerido pelo nosso corpo’”.

Mais do que um nobre sentimento, o amor entre ambos refletia uma nova forma de convívio entre os filhos da luz, pela qual a graça que habita na alma de um se comunica à alma do outro e conduz a um amor a Deus que jamais cada qual atingiria sozinho.

Da parte de Santa Joana, havia uma entrega incondicional a seu pai espiritual: ela recebia as suas missivas com tamanha veneração que, às vezes, se punha de joelhos para lê-las…

O puríssimo amor entre os dois foi se intensificando até o dia em que a Providência chamou São Francisco de Sales para gozar da visão beatífica. Após sua morte, as cartas de Joana que estavam com o santo Bispo de Genebra foram reenviadas a ela e a prudência da Madre de Chantal levou-a a tomar uma decisão totalmente inesperada: queimá-las!

Assim que suas filhas espirituais souberam dessa determinação tentaram convencê-la de desistir, pois as missivas contribuiriam para a formação de outras almas que almejavam a santidade. Todos os esforços foram em vão!

Conhecendo as más línguas daqueles que invejavam a relação sobrenatural existente entre ambos, Joana julgou conveniente destruí-las, por haver nelas expressões que, tiradas do contexto, poderiam ser mal interpretadas por corações empedernidos… Somente algumas dessas cartas passaram para a História.

Sua missão continua no Céu

A Madre de Chantal não se deixou abalar pela ausência física de São Francisco ao seu lado. Pelo contrário, continuou com energia o apostolado iniciado junto com ele, chegando a fundar em pouco tempo onze mosteiros no Reino da França e no Ducado de Saboia. A maioria das vocações que os povoaram provinham de famílias nobres, que, à semelhança da Fundadora, abandonavam as regalias do mundo para se entregarem ao serviço da Igreja.

Em 1641, quando Madre Joana de Chantal completava sessenta e nove anos de idade, a Ordem da Visitação já possuía oitenta e sete conventos, tendo se estendido também pela Suíça, Polônia e Itália. Nesse ano, após o Capítulo Geral da Ordem, ela despediu-se da comunidade de Annecy e partiu para a casa que as visitandinas possuíam em Moulins.

No caminho passou por Paris, onde tinha um encontro marcado com a Rainha Ana de Áustria, a qual desejava muito conversar com ela. Depois fez uma confissão geral com São Vicente de Paulo, que nessa época assumiu a sua direção espiritual.

Ao parar em Nevers sentiu que a sua saúde, já debilitada, começava a piorar, e chegando a Moulins pressentiu que estava próxima a sua entrada na eternidade. Depois de receber os últimos Sacramentos, pediu que fossem lidos trechos da vida de alguns santos. Na mão direita segurava um crucifixo e na esquerda um círio aceso, em recordação do dia da sua profissão religiosa.

Após repetir três vezes o nome de Jesus, entregou a sua alma a Deus. Era o dia 13 de dezembro de 1641. Suas filhas espirituais lamentaram a perda daquela mãe que para elas representava a Santíssima Virgem, e movidas de enlevo e veneração oscularam o peito onde encontrava-se escrito o nome de Jesus, símbolo da sua entrega definitiva a Deus.

Desde a eternidade o coração apaixonado da santa baronesa continuaria a sua missão. Pode-se dizer que até hoje ele permanece bombeando caridade no Corpo Místico de Cristo, impedindo que se desfaçam os laços de amor que, nesta terra, unem as almas eleitas ao Céu!

Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 224. Agosto 2020. Ir. Luciana Niday Kawahira, EP

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