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Rumo à imprudência, os passos prudentes

Poucas coisas são tão nocivas quanto chamar o bem de mal, ou tomar uma virtude por vício, e por santo o ímpio…

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Redação (22/10/2022 12:15, Gaudium Press) “Prudência, quantos crimes se cometem em teu nome”! Eis uma justa paráfrase do dito de Madame Rolland,[1] que bem merece ser recordada em nossos dias.

Com efeito, a História se presta a muitos paralelismos, tanto mais interessantes, quanto menos evidentes ao olhar superficial. Assim, o conceito de prudência, em nossos dias, parece passar por um processo análogo ao que sofreu o de liberdade, nos tempos da Revolução Francesa. Vejamos.

Na referida época, a utopia da sociedade era a liberdade – aliás, uma troça da liberdade, pois tal sociedade almejava tantas coisas rotuladas como liberdade buscando, no fundo, um estado de coisas anárquicas.

Com o fito de a obterem, segundo essa visão deturpada, a liberdade passou a ser justificativa para o emprego de todos os meios – lícitos e ilícitos – na conquista deste fim. Contudo, como é sabido, o paradoxo foi flagrante, pois o que se conseguiu neste período senão um sobressalto de opressões, revoltas e punições? A bem dizer, a liberdade nunca esteve tão longe!

Mas, a que se deveu tal resultado? O que se buscava não era, pois, a liberdade; ou seja, a capacidade de fazer o bem; mas a libertinagem, isto é, a concessão de se praticar o mal,[2] qual geradora do caos.

Neste sentido, algo não muito diferente se passa com a humanidade atual. “Paz, paz e paz”! Para isso: “prudência, prudência e prudência!” Quem pode esquivar-se de ouvir semelhantes pregações?

Não obstante, onde está a paz? E, pasme o leitor, onde a prudência?

Justos meios para retas finalidades

Dirá um pseudo pacifista: “A paz está sendo buscada em toda a parte, desde que a prudência esteja sendo praticada!” Equívoco tão perigoso quanto o que se propagou na época da Revolução Francesa, em analogia com a busca pela liberdade; pois, em nossos dias, muitos chamam de paz a inação e, de prudência, a imprudência.

Com efeito, a paz é, segundo Santo Agostinho a “tranquilitas ordinis”;[3] já a libertinagem, um sossego em meio ao caos… Mas, a prudência o que é? Acaso, a arte do recuo em face ao mal?

Aristóteles especificou a virtude natural da prudência como a “reta razão no obrar”.[4] Santo Tomás, por sua vez, definiu-a como “uma virtude especial infundida por Deus no entendimento prático para o reto governo de nossas ações particulares em ordem ao fim sobrenatural”.[5]

De ambas as definições, extrai-se a compreensão de que a prudência consiste na escolha do justo meio para a obtenção de um reto fim. Portanto, onde o meio não é justo, não há verdadeira prudência; e onde o fim não é reto, esta virtude não estará presente.

Se isto é assim, a “pseudo-prudência” de nosso século, essa frisante negligência em defender o bem mediante o escudo da covardia ou da preguiça, tem sido a máscara para não poucos homens de nossa quadra histórica.[6]

Contudo, para onde nos levará esta lenta e “prudente” caminhada rumo à imprudência? Que as prudentes reflexões de nossos leitores os levem a bem responder e, acima de tudo, a bem escolher as trilhas da autêntica virtude da prudência, ainda que em detrimento das comodidades pessoais.

Por Thiago Resende


[1] A frase original, traduzida, é: “Liberdade, quanto crimes se cometem em teu nome!”. (Cf. J. TULARD; J. F. FAYARD; A. FIERRO. História da Revolução Francesa, Lisboa: Edição Livros do Brasil, 1989, v. 2, p. 341).

[2] Cf. LEÃO XIII. Libertas praestantissimum, n. 1.

[3]Pax omnium rerum, tranquilitas ordinis — a paz é a tranquilidade da ordem”. (Cf. SANTO AGOSTINHO. De Civitate Dei. L.XIX, c.13, n.1. In: Obras. Madrid: BAC, 1958, v. XVI-XVII, p. 1398).

[4] Cf. ROYO MARÍN, Antonio. Teologia moral para seglares. Madrid: BAC, 1996, v.1, p. 421.

[5] TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q. 29, a. 2.

[6] Cf. O renomado Teólogo espanhol, Pe. Antonio Royo Marín apresenta um resumo esquemático dos demais vícios opostos à prudência segundo Santo Tomás, bastante instrutivo. (Cf. ROYO MARÍN, Antonio. Teologia moral para seglares. Madrid: BAC, 1996, v.1, p. 425-426).

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