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Robespierre, teólogo tradicionalista?

“Meu Deus é aquele que criou todos os homes para a igualdade e a alegria”. “Eu admiro a doutrina sublime e tocante da virtude e da igualdade que o filho de Maria ensinou outrora para seus concidadãos…” (Maximilien Robespierre)

revolucao francesa

Redação (26/11/2020 09:14, Gaudium Press) A liberdade de pensamento é a lei fundamental sobre a qual levantou-se toda Filosofia Moderna. A Teologia, por sua vez, não demorou em seguir a moda moderna. Bem entendido, os teólogos, clérigos ou leigos são pensadores em torno da Fé e estarão sempre subordinados aos dogmas, ao ensino oficial do magistério, até mesmo ao tecer suas opiniões sob a égide da “interpretação” destes mesmos dogmas.

Entretanto, as afirmações mais esdrúxulas sobem hoje aos microfones mais graúdos, acolitada de enormes e desmedidos amplificadores.

Com pesar e sem nenhum exagero, podemos dizer que Robespierre – o temível “incorruptível” da Revolução Francesa, cuja pena fez a guilhotina trabalhar incansável em nome da liberdade – tornou-se tradicionalista em matéria de Teologia, ultrapassado nesta corrida afoita de extravagâncias que assistimos hoje em dia.

Exagero? Já disse que não. Ouçamo-lo ele mesmo num patriótico e inflamado discurso sobre a imortalidade da alma:

“Toda instituição, toda doutrina que consola e que eleva as almas deve ser acolhida. Rejeitem todas aquelas que tentam lhes degradar e corromper. Reanimem, exaltem todos os sentimentos generosos e todas as grandes ideias morais que quiseram extinguir. […]. Quem lhes deu a missão de anunciar que a Divindade não existe, a vocês que se apaixonam por essa árida doutrina e que não se apaixonam nunca com a pátria? Que vantagens encontram em persuadir o homem que uma força cega é responsável pelos seus destinos e golpeia ao acaso o crime e a virtude e que sua alma não é senão um leve sopro que se extingue às portas do túmulo? A ideia de seu nada inspirar-lhes-á sentimentos mais puros e mais elevados do que estes inspirados pela ideia de sua imortalidade? Inspirar-lhes-á mais respeito pelos seus semelhantes e por ele mesmo, mais devotamento pela pátria, mais audácia para afrontar a tirania, mais desprezo pela morte e pela volúpia?

Vocês que se lastimam por um amigo virtuoso e se comprazem em pensar que a mais bela parte dele escapou à morte. Vocês que choram sobre o caixão de um filho ou de uma esposa, ficariam consolados por aquele que lhes disser que nada resta deles senão uma poeira vil?

Ó infeliz que suspira sob o golpe de um assassino, set último suspiro será um apelo à justiça eterna! A inocência sobre o cadafalso faz empalidecer o tirano sobre seu carro de triunfo: teria ela esse poder se a sepultura igualasse o opressor ao oprimido?

Infeliz sofista! Com que direito vem você arrancar à inocência o cetro da razão para o colocar nas mãos do crime, lançar um véu fúnebre sobre a natureza, desesperar o infortúnio, alegrar o vício, contristar a virtude, degradar a humanidade?”.[1]

Robespierre: liberal, despótico e… cristão?

Robespierre está muito longe de ser um pensador católico. Mas é preciso dizer que muitos católicos de fachada conseguiram estar mais longe do catolicismo do que ele. Outros talvez o acompanham na sua limitada, medíocre e debochada visão sobre o cristianismo que se encerra nestas palavras: “Eu admiro a doutrina sublime e tocante da virtude e da igualdade que o filho de Maria ensinou outrora para seus concidadãos… O autor pobre e benfeitor da religião recomendou ao rico de partilhar suas riquezas com os indigentes; ele quis que seus ministros fossem pobres; ele sabia que eles seriam corrompidos pela riqueza…”[2]

É uma figura excêntrica e singular esta de Maximilien Robespierre. Sua mente liberal, sua mão autoritária e sua pena tirânica puderam reunir num mesmo personagem opiniões bastante conflitantes. Defendeu a imortalidade da alma: “a morte é o começo da imortalidade”[3]; condenou o ateísmo em nome da igualdade: “o ateísmo é aristocrático”; conciliou a virtude democrática e o terror: “a mola do governo popular é, de uma só vez, a virtude e o terror […], a virtude sem a qual o terror é funesto, o terror sem o qual a virtude é impotente”; e tudo isso ele pôde sintetizar, graças ao seu avançado anseio por uma religião universal: “Lembrar aos homens o culto ao Ser supremo é desferir um golpe mortal no fanatismo. Todas as ficções desaparecerão diante da verdade e todas as loucuras cairão diante da razão. Sem tensão e sem perseguição, todas as seitas devem por si mesmas confundirem-se na religião universal da natureza…”[4]

Estaria longe de ser reconhecido pela Roma Eterna os serviços prestados ao gênero humano pelo “Incorruptível”?

Por Arthur Paz


[1] HAUTERIVE, Grenet. Grand Catéchisme de la persévérance chrétienne. v. 2, 4 ed. Paris : Hippolyte Walzer, 1899. p. 544.

[2] DECAUX, Alain. Alain Decaux fait parler Robespierre «Pourquoi êtes-vous l’Incorruptible?». Historia. Nº 336. Nov. 1974. p. 62.

[3] Idem, p. 62.

[4] Idem, 62-63.

 

 

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