Ricardo Coração de Leão
O Rei da Inglaterra, ajudado pelos cavaleiros hospitalários, batalhou com tanta audácia, destreza e força que derrotou os muçulmanos.
Redação (18/08/2023 09:29, Gaudium Press) Balduíno IV, o heroico rei leproso, faleceu em 1185. Dois anos depois, Jerusalém foi tomada pelos maometanos chefiados por Saladino, que mandou matar muitos católicos e reduziu os restantes à escravidão.
Isso causou no Ocidente tremendo impacto, e o Papa Clemente III enviou cartas a toda Cristandade, nas quais “insuflava nos corações o zelo de uma santa vingança”.[1]
Guilherme, Arcebispo de Tiro – cidade do atual Líbano –, que fora preceptor de Balduíno IV e chanceler do reino de Jerusalém, fez pregações na Itália, França e Alemanha, clamando por uma nova Cruzada. Convenceu soberanos entre os quais o Rei da França, Felipe Augusto, e o da Inglaterra, Ricardo Coração de Leão, bem como o Imperador da Alemanha Frederico Barba Ruiva, que promoveram a III Cruzada.
Alguns bispos, como o de Ravena (Itália), o de Cantuária (Inglaterra) e o de Belém, “portavam armas e conduziam os batalhadores ao combate com um ardor guerreiro, que rivalizava com os capitães considerados os mais ilustres daquele tempo”.[2]
Essa Cruzada “foi a mais bem organizada de todas. Os três homens que a comandavam eram verdadeiros chefes de guerra”.[3] Muitíssimo mais importante do que a organização e a capacidade militar são as virtudes cristãs. Entretanto esses chefes se deixaram dominar por graves vícios que ocasionaram o fracasso da Cruzada.
Frederico Barba Ruiva pretendeu dominar o mundo
Barba Ruiva era tão orgulhoso que pretendia ser o dominador do mundo. Após ter sido proclamado imperador, em 1155, consultou os professores da Universidade de Bolonha, os quais declararam que “o imperador exercia de direito um domínio universal e absoluto sobre todo indivíduo, todo povo e toda cidade”.[4]
Isso se opunha à Lei medieval, inspirada pela Igreja, segundo a qual “o verdadeiro soberano de um reino não é o senhor feudal, nem o rei, nem o imperador, mas o Direito, cuja origem é divina”,[5] ou seja, o Decálogo, a Lei das leis.
O Papa Adriano IV fez dizer a esse soberbo que viesse lhe prestar homenagem, segurando as rédeas do cavalo em que estaria montado, como era a prática legal. Barba Ruiva acabou obedecendo para não perder o prestígio junto aos católicos.
Embora tivesse sido excomungado algumas vezes por ter apoiado antipapas, o imperador resolveu, em 1189, partir para o Oriente comandando um exército de 100 mil homens, mas morreu afogado num pequeno rio da Turquia e seu exército praticamente se desfez.
Reconquista de São João d’Acre
Em julho de 1191, Felipe Augusto e Ricardo cercaram São João d’Acre, que estava em poder dos maometanos. Essa cidade – chamada atualmente Acre –localiza-se às margens do Mar Mediterrâneo, próxima ao célebre Monte Carmelo, onde o Profeta Elias fizera descer fogo do céu e “passou ao fio de espada [450] profetas de Baal” (I Rs 19, 1).
Os sitiados erguiam no alto das muralhas cruzes e as golpeavam com varas, cobriam de imundícies e quebravam em mil pedaços à vista dos sitiantes. E nas tendas dos cruzados onde havia capelas, Missas eram celebradas em reparação dessas abominações.
Após quase dois anos de intensas lutas – e de vergonhosas brigas entre os chefes dos Cruzados por questões de mando –, a cidade foi reconquistada. 120.000 católicos morreram, entre os quais seis arcebispos e doze bispos.
Logo depois, Felipe Augusto voltou para a França para tratar de seus negócios…E Jerusalém continuava oprimida pelos muçulmanos.
Ricardo, dirigindo-se para uma cidade da costa mediterrânea, foi atacado por Saladino, em Ausouf – atual Apolônia, em Israel. O Rei da Inglaterra, ajudado pelos cavaleiros hospitalários, batalhou com tanta audácia, destreza e força que derrotou os muçulmanos: 8.000 soldados e 32 emires maometanos morreram, enquanto entre os católicos houve 1.000 baixas. Depois dessa vitória, ele passou a ser chamado “Ricardo Coração de Leão”.
A vinte quilômetros de Jerusalém, deu meia volta…
Em várias outras batalhas, Ricardo Coração de Leão deu mostras de prodigiosa coragem face aos inimigos. Um emir chegou a declarar que seus feitos estavam “acima da natureza humana”.[6] Pode-se dizer que Anjos o dirigiam a fim de reconquistar o Santo Sepulcro, profanado pelos inimigos da Igreja. Entretanto, ele não quis ser dirigido pelos espíritos angélicos…
No Natal de 1191, Ricardo acompanhado de seu exército partiu rumo a Jerusalém. Mas, estando apenas a 20 km da Cidade Santa, deu meia volta, levou seus guerreiros às margens do Mediterrâneo e começou a fazer negociações com Saladino. Um ano depois, concluiu um tratado de paz com o chefe pagão.
“Depois de tantas prodigiosas estocadas [contra os maometanos], ele havia substituído a Guerra Santa pela aproximação franco-islâmica”.[7]
Castigos que sofreu na Europa
Regressando à Europa, em 1192, Ricardo foi duramente castigado. Ao chegar numa localidade próxima à Viena, embora trajado de peregrino, ele foi reconhecido e o Duque da Áustria Leopoldo V o enviou ao Imperador da Alemanha Henrique VI, chamado “o cruel”, filho de Frederico Barba Ruiva, que o jogou numa prisão onde se encontravam os condenados à morte.
Após quase dois anos de cativeiro, ele conseguiu pagar imenso resgate – até objetos e vasos sagrados das igrejas foram vendidos para esse fim – e voltou à Inglaterra, mas teve que lutar contra seu irmão João Sem-terra, que tentara se apossar do trono.
Em maio de 1194, ele desembarcou na Normandia – Norte da França –, fez guerras contra Felipe Augusto e morreu num combate, em 1199, aos 41 anos de idade.
E o que aconteceu ao Rei da França, que deixou a Terra Santa logo após a conquista de São João d’Acre? Ele se dirigiu a Roma a fim de pedir ao Papa autorização de abandonar a Cruzada, para cuja realização fizera um voto. Em seguida, regressou à França onde enfrentou terríveis dificuldades, inclusive problemas matrimonias, e foi excomungado pelo Papa Inocêncio III, em 1200.
Participou ainda de várias guerras e morreu em 1223, aos 57 anos de idade.
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] DARRAS, Joseph Epiphane. Histoire Génerale de l’Église. Paris: Louis Vivès. 1880, v. 27, p. 511.
[2] Idem, ibidem, p. 523.
[3] DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja das catedrais e das Cruzadas. São Paulo: Quadrante. 1993, v. III, p. 508.
[4] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. O Legionário. São Paulo, 4-6-1944.
[5] Idem. Idade Média: o Direito consuetudinário. In Dr. Plinio. São Paulo. Ano 23, n. 270 (setembro 2020), p. 9-10.
[6] MICHAUD, Joseph-François. História das Cruzadas. São Paulo: Editora das Américas. 1956, v. III, p. 168.
[7] GROUSSET, René. La epopeya de las Cruzadas. Madrid: Palabra. 2014, p. 167.
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