Revolução e tipos humanos
A Renascença deu origem à Revolução gnóstica e igualitária que, em suas diversas etapas, investiu contra a ordem religiosa, social, econômica. E também atingiu o próprio homem, produzindo tipos humanos cada vez mais decadentes.

Foto: Wikipedia
Redação (10/07/2024 09:48, Gaudium Press) Na Idade Média, havia a mentalidade católica, ou seja, a visão de conjunto do universo, das belezas das sociedades espiritual e temporal, dos Anjos, dos Santos, conforme a Doutrina Católica. Tal mentalidade é um fruto da Fé, da adesão da inteligência à verdade revelada e, portanto, ao Magistério da Igreja.
Tudo na Idade Média visava o maravilhoso, o sublime, o angélico, o celeste, com horror ao vulgar. As pessoas, mesmo as do povinho, manifestavam, continuamente, uma tendência para o mais santo e mais belo, convictas de que, acima dos seres visíveis, há seres invisíveis mais nobres e perfeitos.
E no alto da pirâmide dos seres espirituais está Deus, a suma Perfeição. Então, existiam movimentos ascensionais para melhorar as coisas terrenas e, através delas, progredir na caminhada até o Criador.[1]
O porte de um homem, seu modo de se trajar, andar, gesticular, falar, a espécie de vocabulário que emprega são expressões autênticas de muitos aspectos de sua alma e caracterizam um tipo humano.
Idade Média, Renascença e Ancien Régime

O fidalgo do auge da Idade Média era uma espécie quase sublime de cavaleiro, embebido por uma visão sobrenatural da Cavalaria e de sua missão. O da Renascença se apresentava como um super-homem heroico, olímpico. Formoso, inteligente, culto, dançava de modo admirável, combatia como ninguém. Era, sobretudo, artista e apreciava a beleza em todas as suas formas. Amava o esplendor da vida e queria fruí-la por inteiro. Tinha riso largo e olhar dominador, que se estendia sobre os outros como uma montanha a dominar toda a paisagem ao seu redor.
No Ancien Régime (Antigo Regime) – período da História da França iniciado em princípios do século XVII e extinto em 1789, com a Revolução Francesa –, produziu-se um deslocamento.
Do guerreiro-bailarino passou-se ao simples bailarino. Por mais surpreendente que pareça, este derrotou aquele. Se com Luís XIV o combatente era bailarino e o bailarino era combatente, com Luís XVI os nobres eram apenas bailarinos. Frágeis, usavam grandes saltos vermelhos, lencinho na mão, perfumes, anéis, rendas e berloques. Em batalhas raramente se pensava: não havia espírito de combatividade. Era risonho, gentil e gostava das músicas muito delicadas.
Em tudo isto, a sensibilidade solta começava a rugir num amor livre desbragado. Essa situação prolongou-se até estourar a grande catástrofe: a Revolução Francesa.
O romântico e o dandy

As peças de um Victor Hugo são repletas de rugidos, paixões desenfreadas e crimes. É toda uma explosão da sensualidade humana sem véus que vai crescendo e aflorando nos palcos e na literatura. O adultério, o concubinato, o incesto e outras desordens morais são apresentados com colorido, indispensável para dar vivo interesse às representações. Pior: tornam-se realidade na vida.
A partir de meados do século XIX, apareceram diversos tipos humanos que foram se modificando até nossos dias.
O primeiro deles, o dandy, é descrito de modo eloquente pelo célebre escritor francês Chateaubriand, que o compara com o elegante do romantismo. Este era cuidadosamente mal vestido, de roupa muito boa e bem cortada, em tristonho desalinho, cabelo solto ao vento e um ar infeliz. Conferia-lhe certo prestígio ser ligeiramente tuberculoso ou, em todo caso, um pouco doente.
O dandy é o homem oposto ao romântico. Goza de esplêndida saúde, sempre bem penteado, bem vestido, rico, e não querendo saber de tristezas. A alegria é que lhe embeleza a vida, e ela se obtém com o dinheiro. Logo, o importante são as posses monetárias e os negócios. Assim, boa saúde, vida cômoda, gargalhadas, dança e ouro é o que caracteriza o dandy.
Burguês, bilontra, almofadinha, grã-fino

Luís Felipe é o burguês característico: saudável em excesso, bem instalado na vida, sólido, com roupas resistentes. Não se ocupa de literatura, nem de política, e muito menos de ideias. Só se interessa pelo dinheiro. Sua casa é grande e confortável, tudo é sólido e estável, possui grandes propriedades no interior, explora estradas de ferro. Começa a fazer negócios na Ásia e na África, que lhe rendem consideráveis somas.
Surgiu depois o bilontra, sucessor do dandy em estilo francês: cabelo cheio de pomada, bigode, monóculo preso com uma fita de veludo, polainas com feltro, bengala e cintura bem apertada. Conhecia todas as artes de salão, superava seu antecessor em matéria de negócios, porém sem igualá-lo em riqueza, porque a vida de sociedade tornara-se cada vez mais ruinosa.
O bilontra deu no almofadinha de 1920, o qual, por sua vez, produziu o grã-fino bem aprumado. Este não estava longe do extravagante das décadas posteriores, como o playboy.[2]
“Com a Revolução de Maio de 1968 – também chamada Revolução da Sorbonne – consolidou-se um tipo humano contestatário, que pretendia a abolição de toda lei moral, de toda regra, a liberação completa dos instintos do homem, passando a sensibilidade a imperar sobre a razão e a vontade. Foi a revolução no interior do próprio homem, o triunfo da desordem nas potências da alma; portanto, a mais radical inversão de valores possível. (…)”
“Como símbolo de contestação, o jovem passou a se apresentar de modo cada vez mais extravagante: os cabelos ficaram desgrenhados, o blue jeans surrado e rasgado passou a ser de uso universal. Aboliram-se as formas de cortesia no trato social, o vocabulário tornou-se vulgar, as modas tenderam rapidamente ao nudismo e os costumes ao amor livre.”
E a difusão universal dos “aparelhos eletrônicos de todo tipo, que favorecem unicamente a sede de novidade, de novas impressões, sem o concurso do pensamento. A sucessão veloz das imagens e dos fatos nem permite a devida análise da razão. O homem contemporâneo vive, assim, de sensações.”[3]
Em nossos dias, o tipo vai deixando de ser humano para se tornar cada vez mais animalesco, sujo, adepto do feio e até do hediondo, chegando inclusive, em muitos casos, a cultuar o demônio.
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A civilização da admiração. In Dr. Plinio. São Paulo. Ano 15, n. 168 (março 2012), p. 33.
[2] Cf. Idem. Da Idade Média ao século XX, as transformações dos tipos humanos. In Dr. Plinio. Ano II, n. 17 (agosto 1999), p.14-17.
[3] CLÁ DIAS, João Scognamiglio, EP. Por ocasião do Ano Sacerdotal, sugestões dos Arautos do Evangelho à Congregação para o Clero. 24-6-2009.





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