Rei Charles e Camila visitarão Papa Leão em meio a reavivamento do Catolicismo no Reino Unido
Este encontro do Rei Charles com o Papa transmite ao mundo uma mensagem de respeito e de reconhecimento da importância universal da Igreja Católica.
Foto: King Charles III/ Facebook
Redação (01/10/2025 15:45, Gaudium Press) A visita de Estado do rei Charles III e da rainha Camila ao Vaticano, agendada para o final de outubro, insere-se em um contexto histórico e espiritual que vai muito além das formalidades diplomáticas. Trata-se de um encontro entre a monarquia britânica, cuja identidade se consolidou em ruptura com Roma desde o século XVI, e a Sé Apostólica, guardiã de uma tradição que, durante séculos, foi rejeitada oficialmente pelas instituições inglesas. A viagem, adiada meses atrás por causa da saúde do Papa Francisco, ganha agora novo peso por coincidir com o Jubileu de 2025 e por acontecer em meio a um inesperado renascimento do catolicismo entre os jovens britânicos. Não se trata apenas de cortesia real, mas de um gesto carregado de símbolos, com ecos históricos profundos e projeções futuras significativas.
Edward Pentin, jornalista britânico e analista do National Catholic Register, destacou que o caráter de “visita de Estado” coloca o evento em um patamar diferenciado. Charles III, que já esteve diversas vezes em Roma e, mesmo antes da ascensão ao trono, sempre cultivou relações cordiais com a Igreja Católica. Mas desta vez, não é um príncipe curioso ou um herdeiro com interesses culturais que visita o Vaticano: é o soberano britânico, chefe da Igreja Anglicana, que se encontra oficialmente com o Papa Leão XIV. Esta dimensão sublinha a delicadeza do gesto. A monarquia britânica, vinculada institucionalmente ao anglicanismo, sempre teve sua proximidade com o catolicismo observada com atenção. Contudo, a recepção calorosa esperada em Roma sinaliza o desejo da Santa Sé de explorar o potencial de diálogo e de cooperação em um momento em que as divisões cristãs, embora persistentes, perdem intensidade diante dos desafios comuns do secularismo.
Visita ganha contornos especiais no contexto britânico
Pesquisas recentes apontam um reavivamento do catolicismo no Reino Unido, fenômeno que surpreende especialistas, desafiando a narrativa predominante de declínio religioso no Ocidente. Segundo um artigo publicado em The Week, o catolicismo apresenta crescimento relativo entre jovens adultos britânicos, superando inclusive o anglicanismo em termos de frequência regular à igreja. Os dados revelam que, em 2018, apenas 4% dos jovens de 18 a 24 anos participavam de alguma celebração religiosa, número que saltou para 16% em 2024. Mais significativo ainda: entre aqueles que frequentam igrejas, 41% se identificam como católicos, enquanto apenas 20% se declaram membros da Igreja da Inglaterra. Essa inversão notável no panorama religioso juvenil marca a retomada de uma tradição historicamente marginalizada.
Este fenômeno contrasta fortemente com a trajetória histórica da religião no Reino Unido. Desde a cisão promovida por Henrique VIII no século XVI, o católico foi visto como estrangeiro, associado à deslealdade e até mesmo à suspeita política. As leis penais contra católicos perduraram por séculos, e só no século XIX foi concedida plena emancipação civil aos fiéis de Roma. Mesmo assim, a Igreja Anglicana permaneceu como expressão oficial da religiosidade nacional, enquanto o catolicismo era visto como uma presença minoritária. Contudo, a Inglaterra contemporânea vive mudanças culturais intensas: a secularização reduziu a prática religiosa em geral, mas abriu espaço para redescobertas pessoais que buscam identidade, tradição e sentido em meio ao vazio pós-moderno. Muitos jovens encontram no catolicismo a solidez doutrinal, a continuidade histórica e a riqueza espiritual que não encontram em outras comunidades religiosas ou na mera descrença.
É nesse cenário que a visita de Charles III e Camila assume contornos simbólicos. Como governador supremo da Igreja Anglicana, o rei não pode alterar sua identidade institucional, mas, ao visitar o Papa, transmite ao mundo uma mensagem de respeito e de reconhecimento da importância universal da Igreja Católica. Para os católicos britânicos, especialmente para os jovens convertidos ou que retornaram à fé, o gesto representa uma espécie de legitimação: demonstra que o próprio monarca não ignora Roma, não teme o diálogo e reconhece a autoridade espiritual do Sucessor de Pedro. Para o Vaticano, por sua vez, a visita é uma oportunidade de afirmar que a Igreja não guarda rancor histórico, mas olha para frente com espírito de reconciliação e abertura. O Jubileu, que exorta ao perdão e à renovação, fornece o pano de fundo interessante para esse reencontro.
Outro elemento que aumenta a relevância dessa visita é o anúncio de que, em novembro, São John Henry Newman será proclamado Doutor da Igreja. Newman, convertido do anglicanismo ao catolicismo no século XIX, simboliza a busca intelectual e espiritual pela verdade, marcada por uma sensibilidade profundamente britânica e, ao mesmo tempo, católica universal. Sua elevação a Doutor da Igreja Universal não apenas reconhece sua obra teológica e pastoral, mas consagra sua trajetória como uma ponte entre as duas tradições. Para os católicos britânicos, especialmente os que veem em Newman um modelo de coragem e de fidelidade à consciência, esse gesto é motivo de orgulho e de confirmação de identidade. A Inglaterra, outrora marcada por desconfianças em relação ao catolicismo, oferece agora à Igreja universal um dos seus grandes mestres espirituais, reconhecido em nível global.
Reavivamento do Catolicismo
Nas terras do Rei Charles, há uma sensação inegável de que o catolicismo, longe de ser apenas uma herança do passado, ressurge com vigor em meio à sociedade britânica contemporânea. Essa vitalidade manifesta-se tanto na vida acadêmica quanto na pastoral paroquial, no testemunho dos jovens e na visibilidade dos grandes eventos. Em contraste, o anglicanismo enfrenta um declínio acentuado de adesão, o que reforça a percepção de que a Igreja Católica pode oferecer uma alternativa robusta em tempos de fragmentação cultural.
Vale recordar que, historicamente, o catolicismo britânico floresceu em momentos de adversidade. Do período das perseguições pós-reforma, quando a missa era celebrada secretamente em casas de famílias fiéis, até os tempos vitorianos, quando Newman e outros intelectuais restauraram o prestígio cultural do catolicismo, sempre houve resiliência. O atual renascimento, protagonizado por jovens convertidos, encaixa-se nessa narrativa de renovações inesperadas. A visita de Charles III ao Papa funciona quase como um selo simbólico desse movimento; ainda que sem intenção explícita, o monarca dá visibilidade internacional a uma tradição que retorna ao coração da vida britânica.
O impacto diplomático da visita também merece atenção. As relações entre o Reino Unido e a Santa Sé, historicamente tensas, hoje se dão em clima de colaboração. O Vaticano busca dialogar com todas as grandes nações, e Londres reconhece no Papa uma figura moral capaz de inspirar respeito global. Temas como paz, ecologia, justiça social e liberdade religiosa são campos promissores para cooperação. Nesse sentido, o encontro entre Charles III e Leão XIV não se limita a gestos protocolares, mas insere-se também em estratégias mais amplas de diplomacia cultural e espiritual.
A proclamação de São John Henry Newman como Doutor da Igreja, prevista para novembro, intensificará essa narrativa. O Papa reconhecerá oficialmente que a Inglaterra produziu um dos grandes mestres da teologia moderna, alguém que buscou a verdade com rigor intelectual e fidelidade à fé. Para os jovens católicos britânicos, esse ato será motivo de celebração; para a Igreja universal, será o reconhecimento da contribuição inglesa no pensamento cristão; para a monarquia, paradoxalmente, será também uma lembrança: a Igreja Católica não apenas sobreviveu no Reino Unido, mas deu à Igreja um santo escolhido para o seleto número dos seus Doutores. O catolicismo inglês reafirma-se como parte viva da sociedade, e os católicos poderão daqui para frente ganhar mais “voz e vez”.
Não se pode ignorar a ironia desse cenário. A Inglaterra que expulsou Roma de sua vida oficial, que perseguiu católicos por séculos, que viu na monarquia o símbolo de ruptura, agora se encontra em uma conjuntura peculiar: um rei visita solenemente o Papa, a juventude redescobre a fé católica e um santo inglês é elevado a Doutor da Igreja. Diante de tal quadro, resta apenas perguntar, com um sorriso cético mas esperançoso: será que viveremos para ver um retorno da monarquia ao catolicismo?
Por Rafael Tavares
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