Reginald Pole: o homem que poderia salvar a Inglaterra
Reginald Pole, último representante da dinastia Plantagenet, foi retirado inexplicavelmente de suas funções eclesiásticas após reconquistar a “Ilha dos Santos” ao Papado. Que terá sucedido?
Redação (15/07/2021 21:05, Gaudium Press) O triste reinado de Henrique VIII na Inglaterra (1509-1547) representou uma grande virada de página na história do país, da Europa e do próprio Catolicismo. Após séculos de prosperidade da religião católica na ilha britânica, o monarca desatou uma violenta perseguição aos ingleses fiéis ao Papa, dentre os quais figuram de modo especial o bispo São João Fisher e São Tomás Morus, antigo chanceler do reino, modelos de integridade em meio aos reveses e à perseguição.
Entrementes tanto sangue inocente era derramado sem piedade alguma, homens com verdadeiro ideal tentavam refrear o grande turbilhão provocado pelo cisma anglicano. Reginald Pole (1500-1558) é sem dúvida um dos maiores expoentes desta resistência, o único que pôde dar à nação inglesa alguns anos de anistia das condenações de Roma.
Nobreza de sangue e de alma
No ano de 1500, nasceu, em Straffordshire, Reginald, filho dos condes de Salisbury e pertencente, portanto, à nobre estirpe Plantagenet, o ramo mais próximo da casa real reinante. Desde a juventude deu mostras de grande inteligência e erudição, bem como de virtudes e exemplar religiosidade, enveredando logo pelo caminho da Igreja.
Quando Henrique VIII solicitou-lhe que apoiasse seu divórcio e suas heréticas ideias, retirou-se para a Itália, iniciando uma incansável campanha para salvar a religião em sua pátria, que culminou com a publicação da obra Pro Ecclesiasticae unitatis defensione. Nela instava o rebelde soberano a retratar-se de seus erros e voltar à unidade com Roma. Com efeito, este golpe foi sentido por Henrique que incontinenti mandou prender sua mãe — a bem-aventurada Margaret Pole, martirizada posteriormente — na prisão de Londres e colocou sua cabeça a elevado preço em ouro.[1]
Pole, agora revestido da púrpura eclesiástica e constituído legado papal a latere, não recuou diante das dificuldades que se lhe apresentaram.
Era “um católico zeloso e austero”,[2] que reunia em si “a finura de um prelado à timidez altiva de um grande senhor inglês”,[3] de caráter profundo e sério, coerente em seu pensamento e sua ação, predicados indispensáveis para um bom pastor da Igreja. Entretanto, em meio à emaranhada política europeia, não conseguiu alguém que secundasse seus planos. Foi para ele um período duro, no qual sua voz não fazia eco nem mesmo dentro da Igreja, relegado a esconder-se e esperar tempos melhores… Ainda assim, pôde atuar intensivamente no Concílio de Trento (1545-1563), para o qual fora nomeado presidente pelo Papa.
“Deus perdeu, mas voltou a encontrar!”
Por fim, após inúmeras controvérsias nos reinados protestantes de Henrique VIII e de seu filho Eduardo VI, subiu ao trono inglês a princesa Maria Tudor, católica fervorosa, prima do Cardeal Pole e fiel a Roma; era uma porta que se abria ao povo britânico para que abraçasse novamente, por meio da intervenção do Cardeal legado, a religião verdadeira. Uma bula pontifícia concedeu a Pole plenos poderes, e ele logo embarcou para reconquistar sua terra; são memoráveis as palavras dirigidas pelo prelado ao embarcar em Calais rumo à Inglaterra: “Deus perdeu, mas voltou a encontrar!”, manifestando a alegria sobrenatural por finalmente poder cumprir sua grande missão.[4]
Ao desembarcar, foi recebido com toda a pompa e alegria, que só aumentou ao chegar à capital. O rei, a rainha e os nobres reunidos no parlamento após ouvirem a célebre apologia do Catolicismo feita pelo Cardeal, prostrados ante a purpúrea figura, receberam a solene absolvição geral. Levantou-se a excomunhão, o culto voltou às igrejas, e a Inglaterra estava renovada; todos os lordes mostravam-se profundamente contritos, e o regozijo do povo parecia não ter limites, e “rutilaram todas as glórias católicas do passado. No dia seguinte, vinte e cinco mil fiéis, amontoados em Saint Paul e nas imediações, receberam de joelhos a bênção apostólica. Em 3 de janeiro de 1555, foi revogado tudo o que Henrique VIII e Eduardo VI tinham promulgado contra a Igreja”.[5]
O Cardeal Pole, entretanto, estava ciente de que sua missão não estava inteiramente cumprida; era mister difundir entre o povo inglês os sãos costumes da Igreja, tão denegridos nos anos anteriores. Convocou um grande concílio sob o título de Reformatio Angliae, para o qual preparou uma exposição geral da fé católica para prover as necessidades mais prementes da religião.[6] Esta reforma parecia criar uma Igreja rejuvenescida, como antes nunca havia sido a bela Ilha dos Santos.
Perdida a última chance…
Infelizmente, este estado de arrependimento pela volta à unidade eclesial não durou muito tempo, e o anglicanismo voltou à tona com uma sanha ainda mais intensa.
Desde o casamento da rainha Maria Tudor com Felipe II (1527-1598), rei da Espanha, houve um paulatino afastamento da política da Santa Sé em relação ao assunto inglês; e isto se acentuou consideravelmente pela pretensão que os Estados Pontifícios possuíam sobre o reino de Nápoles, então de domínio espanhol.
Foi então que Paulo IV, papa napolitano, julgando que Inglaterra e Espanha representavam uma ameaça aos interesses italianos do Papado, aliou-se aos franceses — que não poucas vezes vemos unirem-se a protestantes ou infiéis — em guerra contra as duas potências e removeu inexplicavelmente o Cardeal Pole de suas funções de jurisdição religiosa na Inglaterra, quando esta justamente mais precisava dele. Sentindo-se impotente e sem meios, Reginald não teve outro remédio senão deixar seu posto e apresentar-se em Roma. “Temos de confessar que era dar um estranho tratamento a um prelado que tinha restituído um reino ao Papado!”[7] Para cúmulo de infortúnio, os franceses acabavam de arrasar os últimos redutos ingleses no continente.
Dentro da psicologia britânica forjou-se então um axioma terrível: “catolicismo e fidelidade a Roma tornaram-se sinônimos de derrota; foi para passar por estas humilhações que a Inglaterra rogou o perdão do Pontífice?”[8]
O resto veio por consequência. Com a ausência do Cardeal, o partido protestante voltou a conquistar as simpatias do povo e, com o falecimento da rainha Maria, o Catolicismo também quase desceu à sepultura nas terras inglesas. Curiosamente, Reginald Pole deixaria esta terra apenas algumas horas após a última rainha católica da Inglaterra; não havia mais motivo para viver sem poder cumprir sua missão. Pela ação dos inimigos da Igreja — e talvez também pela de seus supostos amigos — a atuação do Cardeal Pole passou despercebida na história dos homens, e a Inglaterra imersa nas sombras do cisma.
Por André Luiz Kleina
[1] Cf. BETES, José Luis Repetto. Mil años de santidad seglar: Santos y beatos del segundo milenio. Madrid: BAC, 2002, p. 125-126.
[2] CHURCHILL, Winston. História dos povos de língua inglesa. Trad. Enéas Camargo. São Paulo: IBRASA, 1960, v. 2, p. 82.
[3] MAUROIS, André. Histoire d’Anglaterre. Paris: Fayard & Cie,1937, p. 329.
[4] Cf. MAUROIS, André. Histoire d’Anglaterre. Paris: Fayard & Cie,1937, p. 329.
[5] ROPS, Daniel. A Igreja da Renascença e da Reforma: a Reforma Protestante. Trad. Emérico da Gama. São Paulo: Quadrante, 1996, p.494.
[6] Cf. Ibid., p.495.
[7] Ibid., p.496.
[8] Cf. Ibid., p.496.
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