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Rainha da paz, da luta e do sofrimento

Nossa Senhora, Rainha da Paz, procuremos analisar o significado mais profundo desse título que a devoção católica atribuiu à Santíssima Virgem.

N.Sra .Fatima Arautos1

Redação (25/02/2023 16:13, Gaudium Press) Nossa Senhora, Rainha da paz. A paz referida nessa invocação pode ser considerada sob dois aspectos. Em primeiro lugar, a do íntimo das almas; em segundo, a do exterior, isto é, da sociedade.

Conceito errôneo de paz interior

Para compreendermos a primeiro sentido, devemos antes tomar em conta que diversos conceitos e palavras atinentes a assuntos de piedade sofreram, ao longo dos últimos tempos, poderosas distorções no modo de defini-los.

Assim, costuma-se julgar que a paz interior de uma pessoa consta de dois elementos. Ela não é assaltada por nenhuma tentação, nem se vê, portanto, às voltas com lutas internas. Sua vida espiritual é tranquila, distendida, agradável, sem problemas. Essa pessoa se assemelharia a alguém que está sentado dentro de um helicóptero em ascensão, no qual, sem qualquer esforço, chega ao céu com toda a paz.

Em consequência, ela não tem nenhuma cruz ou sofrimento. Não passa por angústias a propósito de doenças, de carências materiais ou de dificuldades familiares. Para ela, tudo transcorre numa serena e perfeita ordem, sem atritos nem adversidades com os quais tenha de lutar. Tal é o conceito corrente de paz interior.

Falsa noção de paz externa

Vejamos agora a ideia comum que se tem de paz externa.

Na década de 1960, por exemplo, o movimento hippie ecoava seu mais conhecido lema: “peace and love”. Habilmente manipulado, tal slogan fazia crer que sua realização consistia na pura ausência de guerra e na plena satisfação dos prazeres carnais.

Segundo a noção hoje propalada, a paz não é a obra da justiça, da virtude, mas de uma certa prosperidade materialista. Importa, antes de tudo, a estabilidade econômica, as contas bancárias conservadas e nutridas, as aposentadorias asseguradas, as pessoas alimentadas, com o conforto e bem-estar diários garantidos. Não há brigas por questões pecuniárias, todos vivem alegres e tranquilos. Então a paz reina na nação.

Quando todos os povos se encontrassem nessa feliz situação, alguns imaginam que não haveria confrontos internacionais, nenhum país desejaria agredir outro e a população mundial levaria uma existência calma e pacífica.

Não teria a Rainha da Paz padecido angústias?

De acordo com esse equivocado conceito, a devoção a Nossa Senhora Rainha da Paz consistiria em cultuar a Mãe de Deus enquanto protetora desse róseo estado de coisas, pois é o modelo da pessoa que nunca teve provações, angústias, dores. Ela foi concebida sem pecado original e, portanto, sua vida inteira foi muito calma, sem dificuldades. Teve um Filho e um esposo muito bons, residiu numa pequena cidade chamada Nazaré, onde não havia atrito de nenhuma espécie, e Ela passava seus dias inteiramente desanuviada.

Verdade é que seu Filho, a certa altura, sofreu e Maria, durante a Paixão, experimentou algum desgosto, do qual logo Se recuperou, resignada. Pouco depois Ela O viu subir aos Céus, e Se alegrou ao perceber o Filho bem colocado. Acabaram-se os problemas, Ela passou o resto de sua vida na tranquilidade doméstica, sob os filiais cuidados do Apóstolo João.

Esse é o ideal de certas mentalidades, quando falam de Nossa Senhora da Paz.

Um predicado que não exclui lutas e sofrimentos

Ora, a procura de uma correta interpretação desse título mariano nos levaria a considerar que a primeira notícia de Nossa Senhora nas Sagradas Escrituras no-La mostra como adversária do demônio, e como Aquela que esmagaria a cabeça da Serpente: “Porei inimizade entre ti e a Mulher”, disse Deus à víbora, “entre tua descendência e a d’Ela” (Gn 3, 15). Ou seja, há uma atitude fundamental de repulsa e de combate ao mal naquela que é invocada como Rainha da Paz.

Além disso, como se infere das palavras divinas, todas as lutas travadas pela Igreja e pelos católicos contra os adversários da Fé têm na Mulher, isto é, em Nossa Senhora, o primeiro exemplo de coragem e de força para vencê-los. Então, se a paz fosse simplesmente ausência de luta, como a Virgem Maria seria a Rainha da Paz?

Mais ainda. Se a paz consiste em não ter sofrimento nem angústias, como explicar as palavras de Simeão dirigidas a Nossa Senhora, segundo as quais um gládio de dor transpassaria o Coração d’Ela?

Na verdade, Maria sofreu um dilúvio de dores na Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ela viu surgirem e crescerem as antipatias, as animosidades e o ódio em relação a seu Divino Filho; d’Ele ouviu a predição de que sofreria e morreria crucificado, e não O abandonou um só instante, acompanhando-O e partilhando de seu martírio até o consummatum est no alto do Calvário, até a deposição do Corpo sagrado na sepultura. E tudo Ela sofreu numa atitude de luta e de paz, para a redenção do gênero humano, para esmagar o demônio e vencer a morte.

Assim, a autêntica noção de paz não exclui a luta nem o sofrimento. E onde está a Rainha da Paz, está a inimizade contra a Serpente e contra o mal.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 242, fevereiro 2022.

 

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