Por que fazer a vontade de Deus?
Santos são os que levam a renúncia de sua própria vontade até o heroísmo. Estão eles sempre dispostos a receber o que Deus lhes prepara a cada momento.
Redação (24/01/2023 17:41, Gaudium Press) A submissão à vontade divina não deve ser uma sujeição fatalista, como a do antigo escravo que era obrigado a dominar sua rebeldia para evitar a morte. “Deus ama quem dá com alegria” (II Cor 9, 7) e quer que sua vontade seja feita com prazer, como canta o salmista: “Fazer vossa vontade, meu Deus, é o que me agrada” (Sl 39, 9).
Com efeito, na oração perfeita composta por Nosso Senhor Jesus Cristo, a qual contém os pedidos mais conformes à sua Pessoa, não se roga ao Pai que atenda e satisfaça as solicitações e anseios pessoais do orante, senão que seja feita a vontade d’Ele, “assim na terra como no Céu” (Mt 6, 10).
Todavia, concebido no pecado original e quantas vezes dominado por suas más inclinações, o homem quer conduzir seu “leme” sozinho e fazer seu capricho, o qual nem sempre – para não dizer nunca! – coincide com o querer divino.
São Francisco de Sales resume bem nosso peregrinar neste vale de lágrimas. Assegura ele que a existência mortal do homem “é como uma árvore plantada pela mão do Criador, cultivada por sua sabedoria e regada pelo Sangue de Jesus Cristo, a fim de produzir os frutos próprios a gosto do Mestre, que deseja ser servido sobretudo nisto: que voluntariamente nós nos deixemos governar por sua Providência”.
Papel do sofrimento e da dor
Para entender e pôr em prática tal renúncia, precisamos nos colocar na perspectiva da Fé, que nos diz ser esta vida um passageiro tempo de prova, no qual a incerteza e a amargura marcam de alguma forma todas as ações humanas, para purificar a alma das imperfeições e fazê-la progredir na virtude.
Das contrariedades devemos nos aproveitar para tornar nosso espírito mais conforme aos desígnios de Deus e concorrer para a glória d’Ele. E assim como o Redentor carregou sua Cruz por nossos pecados e desatinos, abraçando-a com amor e aceitando a vontade do Pai, é a dor que nos conduzirá ao abandono à vontade divina, descortinando-nos um panorama de eternidade.
“O sofrimento é um educador, um manancial de merecimentos. É um educador, isto é, uma fonte de luz e de força: lembra-nos que na terra somos degredados, a caminho para a Pátria, e que não devemos divertir-nos a colher as flores das consolações, já que a verdadeira felicidade não se encontra mais do que no Céu”, afirma o Pe. Tanquerey.
Ele prossegue explicando que as adversidades, diferentemente do que se pensa e diz, são uma força, não em si, mas pela reação que provocam, pois retesam a alma e a obrigam a fazer esforço para manter-se firme, o que a fortifica e torna capaz das virtudes mais varonis.
Bem o oposto do hábito do gozo das paixões desordenadas, que “afrouxa a atividade, amolece as energias e prepara vergonhosas capitulações”. Por tudo isso não se pode imaginar que a renúncia a si mesmo seja feita sem dificuldade e esforço.
Recordamos o exemplo do Homem-Deus, que quis ser modelo para todos os que em sua vida espiritual começassem a desfalecer sob o peso dos desígnios divinos. No Horto das Oliveiras, vendo os tormentos que Lhe estavam reservados, sentiu sua Alma “triste até a morte” (Mt 26, 38) e rezou: “Meu Pai, se não é possível que este cálice passe sem que Eu o beba, faça-se a tua vontade!” (Mt 26, 42).
Em suas pregações o Divino Mestre já havia indicado o rumo: “Se alguém Me quer seguir, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me” (Mc 8, 34). “Tome a sua cruz” significa aceitar e amar o que Deus quer para cada um. Nosso Senhor Jesus Cristo diz sua, alertando contra a recalcitrância daqueles que, ao lhes ser exigida alguma mortificação, alegam que se fosse um outro sacrifício o fariam de boa vontade…
A uns Ele pedirá que ofereçam sofrimentos físicos aceitos com paciência; a outros, dedicar-se a atividades corriqueiras e sem relevância; a uns, pedirá notáveis renúncias; a outros, que na obscuridade deem com alegria e despretensão o sacrifício da aparente inutilidade.
Exemplo dos Santos
Acerca desta aceitação, aconselha o mesmo São Francisco de Sales: “Tende vosso coração forte e grande para receber toda sorte de cruzes e de resignações ou abnegações por amor d’Aquele que tanto as recebeu por vós”.
E continua, lembrando o caminho do abandono aos desígnios da Divina Providência: “Se nós queremos levar nossa cruz seguindo Nosso Senhor, devemos, à sua imitação, receber indistintamente todas aquelas que nos chegarem, sem escolha nem exceção de nenhuma”. Esta é a via da santidade.
Santos são os que levam a renúncia de sua própria vontade até o heroísmo. Estão eles sempre dispostos a receber o que Deus lhes prepara a cada momento, sem preferência entre dor ou alegria, consolação ou aridez, como dá testemunho São Paulo: “Sei viver na penúria, e sei também viver na abundância. Estou acostumado a todas as vicissitudes: a ter fartura e a passar fome, a ter abundância e a passar necessidade. Tudo posso n’Aquele que me conforta” (Fl 4, 12-13).
A grande Santa Teresa de Ávila dizia estar tão convencida da eficácia da via do abandono à vontade de Deus para alcançarmos à santidade, que não recearia avançar apenas por ela, deixando inteiramente de lado os êxtases e raptos místicos com que era favorecida. E não duvidava em afirmar que no conformar-se à vontade divina “consiste a maior perfeição a que se pode chegar no caminho espiritual. Quem mais se amoldar à vontade do Senhor mais receberá d’Ele e mais adiantado estará nesse caminho”.
Com a candura e caridade ardente que lhe são características, Santa Teresinha do Menino Jesus considerava-se um brinquedinho nas mãos do Divino Infante: “Sou a bolinha do Menino Jesus; se Ele quiser quebrar seu brinquedo, é totalmente livre. Sim, quero muito tudo o que Ele quiser”.
Em meio à aridez de seus últimos meses no desterro deste mundo, quando a assaltavam tentações duríssimas contra a fé, a temperança, a paciência e todas as virtudes das quais fora modelo durante sua curta vida e sentia-se desfalecer, a Santa de Lisieux seguiu seu Divino Esposo no Horto das Oliveiras ao proclamar sua fidelidade: “Também não desejo o sofrimento ou a morte, e, contudo, amo os dois. Mas é só o amor que me atrai… Ambicionei-os por muito tempo; possuí o sofrimento e acreditei aportar às praias do Céu; pensei que a florzinha seria colhida em sua primavera… Agora, porém, é só o abandono que me guia; não tenho outra bússola!…”
Fonte de paz nesta terra e felicidade no Céu
Como prêmio por terem deixado tudo e, muito mais que os bens materiais, entregado a própria vontade, da qual as coisas concretas podem ser mero símbolo, Nosso Senhor Jesus Cristo prometeu a seus Apóstolos “já neste século, cem vezes mais […], com perseguições, e no século vindouro a vida eterna” (Mc 10, 30).
Nada se procura tanto atualmente como a paz e, entretanto, nada está tão longe dos homens! No abandono à vontade divina encontra-se a fonte deste almejado bem e, sem dúvida, ele é o cêntuplo que já nesta vida recompensa aqueles que renunciaram a si mesmos. De fato, tudo o que se passa debaixo do sol é querido ou permitido por Deus. Por isso, quem a Ele se confia não teme nem se sobressalta.
Alcançar a paz nesta terra e a felicidade no Céu já seriam razões suficientes para abraçar as vias do abandono nas mãos de Deus. “É por isso que Nosso Senhor dá os doces nomes de irmão, de irmã e de mãe àqueles que fazem a vontade de seu Pai: ‘Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe’ (Mt 12, 50)”.
Seguindo o caminho aberto pelo Salvador e com o auxílio da Mãe da Divina Graça, ainda que sem consolação ou sensibilidade, mas com firmeza e fidelidade, a aceitação da vontade divina será sempre apresentada diante do trono de Deus cunhada de valor especial, pois “este gênero de abandono é a virtude das virtudes, o requinte da caridade, o perfume da humildade. Ele é, ao que parece, mérito da paciência e fruto da perseverança”.
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 203, novembro 2018.
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