Por que as pessoas se suicidam?
“Somos os administradores e não os proprietários da vida que Deus nos confiou e não podemos dispor dela”.
Redação (03/12/2022 09:26, Gaudium Press) Há muitas coisas difíceis de entender e o suicídio é uma delas. O instinto de sobrevivência é um dos instintos básicos do ser humano, é ele que nos leva a fugir ou agir em caso de perigo, nos leva a comer, a dormir, a tomar remédios e procurar ajuda quando estamos com dor, enfim, é esse instinto que nos mantém vivos; e o suicídio é a sua mais completa negação.
Na minha família, houve duas tentativas de suicídio, uma delas, infelizmente, bem-sucedida, e o que posso dizer é que é uma das dores mais avassaladoras que se pode experimentar. Além da dor do luto pela morte, fica também a sensação de fracasso, de impotência; a impressão de que alguma coisa poderia ter sido feita e não foi e, em muitos casos, fica até a revolta e a dolorosa pergunta: Por que Deus permitiu tal coisa?
A dor da família de uma pessoa que tira a própria vida ainda é exacerbada por uma dúvida: “Meu ente querido se condenou por toda a eternidade?” Esta é uma pergunta delicada e difícil de responder. Ninguém tem o direito de julgar o destino de outra pessoa, e é sempre um consolo lembrar-se de todas as qualidades de quem partiu para justificar que tenha merecido o Céu. No entanto, a situação é difícil de avaliar até para a própria Igreja, pois afirmar que todos os suicidas vão para o Céu pode resultar no temeroso risco de aumento da prática, principalmente entre os mais jovens. Mas, o inverso também é cruel e doloroso, pois afirmar que todos os suicidas se condenam, é ser desumano, sobretudo, com a família do morto.
Por que o suicídio era sinônimo de maldição?
Durante muito tempo, o suicídio foi sinônimo de maldição, sendo visto como a danação de quem o cometeu e também da família, que ficava marcada. No judaísmo, havia uma localização específica dentro dos cemitérios, afastada do centro, para o enterro dos corpos dos suicidas.
Embora, ao longo da história, o suicídio fosse um ato aceito por algumas culturas – incluindo o Império Romano, que chegou a considerar honroso o ato de tirar a própria vida, elencando diversas “razões legítimas” para isso – a Igreja nunca o aprovou e Santo Agostinho definiu o suicídio como essencialmente um pecado.
Vários concílios deliberaram sobre a prática do suicídio, resultando em ações como privação dos ritos fúnebres e proibição de serem enterrados em cemitérios sagrados, abençoados pela Igreja, e a lei medieval promovia o confisco dos bens do suicida, cujas propriedades eram interditadas aos próprios herdeiros, que só conseguiam reverter o quadro quando comprovassem a alegação de insanidade do falecido.
Pode-se pensar: “Mas, que coisa horrível! Por que tanto rigor?” Hoje, nós vemos o suicídio com outros olhos e sabemos que, na quase totalidade das vezes, ele é provocado por distúrbios psicológicos, frutos de diversas patologias mentais e emocionais, mas, antigamente, não se via assim.
No entanto, mesmo na época em que o ultraje à própria vida era visto com tanto rigor, Nosso Senhor Jesus Cristo olhava para cada um de seus filhos com um olhar amoroso, pois Ele é o mesmo, ontem, hoje e para sempre (Hb 13, 8).
O rigor era necessário para coibir a prática, criando um estigma que as pessoas não desejavam ter sobre si ou seus familiares. Em seu Breviário da Confiança, Monsenhor Ascânio Brandão trata do assunto de forma profundamente amorosa. Ele diz:
“Verdade é que a Igreja condena o suicídio como um crime hediondo. Ela quer ensinar-nos o respeito à vida que não nos pertence e a resignação à vontade de Deus, sem jamais ter dito ou ensinado que o suicida esteja condenado e perdido para sempre. Quem pode saber o que, em tão violento transe, passa-se entre Deus e a pobre alma?”
Os suicidas se salvam?
A esse repeito, há também o comovente relato sobre o que levou à salvação de um suicida, mostrando que não podemos nem devemos desesperar da salvação de quem quer que seja. Certa manhã, enquanto celebrava a Santa Missa, São João Maria Vianney notou, no fundo da igreja, uma mulher vestida de preto, que chorava continuamente. Seu marido havia se suicidado, saltara de uma ponte para morrer num rio. A esposa o julgava condenado por Deus, e por isso chorava copiosamente.
Ao terminar a Missa, o santo passou pela mulher e falou em seu ouvido: “Pare de chorar. Seu marido está salvo; está no Purgatório; reze por ele.” A mulher quis saber como Deus o tinha salvado, ao que o Cura D’Ars lhe respondeu: “Lembra-se daquele oratório que tinha no seu quarto, com a imagem de Nossa Senhora? Lembra-se de que, mesmo sem fé, ele rezou algumas vezes com a senhora? Por causa disto, Nossa Senhora conquistou para ele a graça do arrependimento. No último instante, entre a ponte e o rio, ele se arrependeu e Deus o perdoou.”
Essa história não apenas nos dá prova da imensidão da misericórdia divina como também nos mostra a importância de rezarmos o Rosário. Pode ser que na hora não sintamos nada e até fiquemos com dúvida se aquela oração foi ouvida ou não, mas a cada conta do Rosário, cada Ave-Maria, cada mistério meditado, graças imensas nos são alcançadas e reservadas para o momento em que delas mais precisarmos.
O que diz o Catecismo sobre o suicídio
O Catecismo da Igreja Católica, que reúne toda a moral que deve reger a vida do cristão, nos lembra, em seu artigo nº 2280, que “somos os administradores e não os proprietários da vida que Deus nos confiou e não podemos dispor dela” e explica ainda que “o suicídio contradiz a inclinação natural do ser humano em conservar e perpetuar a própria vida. É gravemente contrário ao justo amor de si mesmo. Ofende igualmente ao amor do próximo, porque rompe injustamente os vínculos de solidariedade com as sociedades familiar, nacional e humana, às quais nos ligam muitas obrigações” (2281).
Mesmo declarando que “o suicídio é contrário ao amor do Deus vivo”, admite que “perturbações psíquicas graves, a angústia ou o temor grave duma provação, dum sofrimento, da tortura, são circunstâncias que podem diminuir a responsabilidade do suicida.” (2282) E ensina ainda que “não se deve desesperar da salvação eterna das pessoas que se suicidaram. Deus pode, por caminhos que só Ele conhece, oferecer-lhes a ocasião de um arrependimento salutar. (2283) E esclarece ainda que “a Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a própria vida.”
Psicólogos, médicos e outros profissionais da saúde sabem da dificuldade enfrentada por muitas pessoas diante de desafios que parecem intransponíveis ou quando acometidas por certas patologias. E são unânimes em afirmar que as pessoas não querem matar a si mesmas, elas querem, na verdade, parar de sofrer, matando a dor que as domina.
E não podemos subestimar também a ação do pecado e do demônio sobre as almas mais sensíveis. O pecado leva ao desequilíbrio e o desequilíbrio abre as portas à tentação. Portanto, a fé, a confissão, a comunhão, a oração, são fatores muito importantes para resgatar das garras da morte aqueles que, sem perceber, se deixaram envolver por ela.
O que fazer para evitar a tentação do suicídio?
Se você sofre esse tipo de tentação, procure a ajuda de Deus, na Igreja, nos sacramentos, na oração e na acolhida de um bom sacerdote, que tem os meios para orientá-lo. E procure também ajuda médica especializada. Lembre-se: o dom da vida é o mais importante de todos. Uma pessoa que se suicida não perde apenas a sua vida, mas destrói a vida daqueles que a amam e que precisarão lidar com a sua cruel decisão.
E aqueles que perderam um ente querido dessa forma, sobretudo um filho, não se culpem, não tentem procurar as causas em suas próprias atitudes, no que fizeram ou deixaram de fazer, no que falaram ou deixaram de falar. Deus não atribui a ninguém tal responsabilidade. Tão menos se revoltem ou blasfemem contra Deus, dizendo que Ele poderia ter evitado o pior. Apenas confiem e rezem muito pela alma querida que provocou em vocês tão dilacerante dor. Não julguem, não culpem, não percam o seu equilíbrio.
Como está dito no Catecismo, a Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a própria vida, e nós devemos também orar, continuamente. Que pelo menos um terço de nosso Rosário possa ser dedicado às almas dos suicidas, nos lembremos delas durante a Sagrada Eucaristia e dediquemos a elas muitas Missas. Esse é um mal terrível, que ronda a todos e ninguém está imune. Momento pode chegar que você seja visitado por essa nefasta tentação ou que alguém do seu convívio mais estreito seja colhido por ela e não tenha forças para resistir.
E aos pais e mães que enfrentam esse drama, eu peço, encarecidamente, rezem pelos seus filhos, mas, também, ensine-os a rezar. Não tenha vergonha ou escrúpulos de levar seus filhos à Igreja e educá-los dentro da religião. Muitos jovens poderiam estar vivos ainda, se tivessem ouvido falar de Deus, feito uma boa catequese, frequentado os sacramentos. Há muitos pais que preferem ignorar esse assunto ou deixar essa escolha para quando os seus filhos crescerem. Peça que Deus lhe perdoe se foi esse o seu caso e, se ainda houver tempo para corrigir, olhe amorosamente para os seus filhos e ensine-os aquilo que um dia você aprendeu. Não ter vergonha de falar de Deus pode poupar muitas lágrimas e deixar este mundo um pouco melhor.
Por Afonso Pessoa
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