Polêmica acerca do novo Prefeito do Dicastério da Doutrina da Fé
O Papa Francisco nomeou neste sábado, 1º de julho, o arcebispo argentino Víctor Manuel Fernández para Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé.
Redação (02/07/2023 16:42, Gaudium Press) É com muita controvérsia que está sendo acolhida a nomeação do atual arcebispo de La Plata, o argentino Víctor Manuel Fernández, como novo Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, substituindo o Cardeal Ladaria Ferrer.
O novo prefeito – agora encarregado de guardar o Depósito da Fé – tem sido apontado como o ghostwriter da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, que para muitos rompe com a Tradição católica ao abrir na prática as portas da comunhão sacramental para pessoas que estão em união não abençoada pela Igreja.
Há algum tempo, também chamou a atenção uma de suas obras, Cura-me com a boca. A arte de beijar, publicada em 1995, na qual a pesquisa para esse surpreendente e curioso tema por parte de um sacerdote consistiu em entrevistas com pessoas “que têm abundante experiência no assunto”, e também com “muitos jovens que aprendem a beijar à sua maneira”, como explica o próprio autor.
Carta do Papa
Contudo, o centro do debate de hoje sobre a nomeação deste ex-reitor da Universidade Católica Argentina esteja nas linhas da carta endereçada ao bispo Fernández pelo Papa, por ocasião de sua nominação.
Nela, Francisco confia ao novo prefeito a “guarda do ensinamento que brota da fé”, e pede que ele evite “métodos imorais” usados por este Dicastério em “outros tempos”. Esta indicação de governo é feita pelo Papa depois de pedir a Dom Fernández que, em sua nova função, dê “razão à nossa esperança, mas não como inimigos que apontam e condenam”.
É claro, no entanto, que as “acusações” e “condenações” agora deploradas pelo Papa têm sido um dos principais recursos deste dicastério, usados constante e indefectivelmente pela sucessão de prefeitos e Papas que consideravam guardar assim a Fé legada por Jesus Cristo.
Além disso, desde o Adversus haereses de Santo Irineu de Lyon, não é apenas uma prática católica proclamar a verdade com caridade, mas também alertar onde está o erro. Isso agora parece proibido, e não está claro se também é considerado “imoral”.
O Pontífice também deseja impedir nas novas orientações do trabalho deste dicastério “qualquer mecanismo de controle”, ao indicar que deve ser privilegiado o crescimento das “diversas linhas de pensamento filosófico, teológico e pastoral”, que seriam harmonizadas pelo “Espírito no respeito e no amor”. Como essa “harmonização no Espírito” ocorreria concretamente não está definido.
Um novo paradigma de ruptura?
Muitos afirmam que essas concepções contradizem a prática bimilenar da Igreja, que, desde seus primórdios, considerava que o exercício da misericórdia de Cristo incluía também, em essência, a advertência e a condenação do erro quando este queria se apresentar em trajes católicos.
Nesse sentido, por exemplo, a Infocatolica fez uma rápida lista de notas emitidas pela Congregação para a Doutrina da Fé sob o longo governo do Cardeal Ratzinger, que, sem perder seu caráter misericordioso, afirmou a clara rejeição de doutrinas errôneas pregadas por membros da Igreja. Evidentemente, essas notas não tinham como objetivo principal a condenação dos autores de tais doutrinas heterodoxas, mas para o benefício do Povo de Deus que poderia ser desviado de Cristo por elas.
Nesse contexto, afirma-se também que a nomeação do amigo do Pontífice estabelece um novo paradigma de nomeações nesses campos; paradigma que é uma ruptura com o que se poderia chamar de ‘estilo Ratzinger’, que eram os ‘Guardiães da Fé’. Essa hipótese é reforçada pelo fato de que, das 11 citações da carta endereçada ao bispo Fernández por Francisco, 10 são autocitações de documentos emitidos pelo próprio Papa, e apenas uma anterior a ele.
Assim, alguns consideram a biblioteca de doutrina emanada deste Dicastério ao longo dos séculos – que em muitos casos tem a qualidade de Magistério Pontifício, uma vez que foi explicitamente aprovado pelos Papas – deveria, de acordo com este novo paradigma, ser jogada no lixo como um exemplo característico de uma metodologia errônea, e ser substituída agora por uma gasosa “inspiração harmônica no Espírito”, onde as correntes mais díspares e até o erro poderiam encontrar lugar, seguindo a mesma metodologia proposta para o Sínodo sobre a Sinodalidade.
No entanto, é difícil que a mera aparência de uma ruptura com o Magistério anterior não leve muitos a apontar uma ruptura com o próprio Cristo, tal como o Filho de Deus tem sido constantemente interpretado ao longo da história.
Alguns analistas também assinalam uma Excusatio non petita, uma “desculpa não solicitada” por parte do Pontífice, quando, na carta que dirige a Dom Fernández, faz uma lista de títulos que o qualificariam para um cargo tão alto, algo incomum e que iria de encontro com críticas, como as recentemente expressas pelo Cardeal Gerhard Müller, que teria incluído o arcebispo de La Plata entre os membros de um círculo mágico que cerca o Papa, sem muita formação teológica. No entanto, essa posição tão importante de cuidar da Fé legada por Jesus requer a sabedoria e a perícia de grandes expoentes do passado, como o próprio Bento XVI, o inesquecível cardeal Merry del Val ou o Cardeal Camillo Borghese, que a história conhece como Papa Paulo V.
Aqui estão alguns dos documentos emitidos pela Congregação para a Doutrina da Fé no mandato de Ratzinger, com nota de censura a doutrinas errôneas e esclarecimento da verdadeira doutrina:
Notificação sobre alguns escritos do Rev. P. Marciano Vidal, C.Ss.R.
Notificação a propósito do livro do Rev. P. Jacques Dupuis, S.J. “Para uma Teologia Cristã do Pluralismo Religioso”
Notificação sobre algumas publicações do Prof. Dr. Reinhard Meßner,
Notificação sobre os escritos e atividades da Irmã Jeannine Gramick, S.N.D. e do Pe Robert Nugent, S.D.S.
Notificação sobre os escritos do Padre António de Mello, S.J.
Notificação sobre a obra “Maria e a libertação humana” do Pe. Tissa Balasuriya, O.M.I.
Carta referente à suspensão do Prof. Charles Curran do ensino de Teologia
Notificação sobre o volume “Igreja: Carisma e poder. Ensaio de Eclesiologia militante” del Pe. Leonardo Boff, O.F.M.,
Carta ao Padre Edward Schillebeeckx referente ao seu livro “Kerkelijk Ambt” (“Ministério na Igreja”, 1980)
Instrução sobre certos aspectos da “Teologia da Libertação” — Libertatis Nuntius
(SCM)
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