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Papa nomeia curial italiano como Prefeito para os Bispos e o que isso significa?

Não se trata de um simples ato administrativo, é um gesto cheio de simbolismo, que indica o estilo de governo de Leão XIV.

Mons. Iannone – Foto: Conferencia Episcopal Italiana

Mons. Iannone – Foto: Conferência Episcopal Italiana

Redação (30/09/2025 19:36, Gaudium Press) A decisão do Papa Leão XIV de nomear o arcebispo italiano Filippo Iannone como novo prefeito do Dicastério para os Bispos e confirmar o arcebispo brasileiro Ilson de Jesus Montanari como secretário do mesmo organismo por mais cinco anos surpreendeu observadores atentos ao rumo do novo pontificado.

Não se trata de um simples ato administrativo, é um gesto cheio de simbolismo, que indica o estilo de governo de Leão XIV e oferece pistas sobre como ele desenhará a arquitetura de poder na Santa Sé ao longo dos próximos anos.

Vale lembrar que o Dicastério para os Bispos é um dos mais influentes da Santa Sé. É ele que avalia os candidatos ao episcopado para as dioceses de rito latino em todo o mundo, e também que aconselha o Papa em visitas apostólicas e em situações em que um bispo enfrenta dificuldades graves, inclusive naquelas em que há suspeitas de má conduta ou encobrimento de abusos. Trata-se, portanto, de uma instância que impacta diretamente a vida de milhões de fiéis, pois os bispos são os pastores imediatos das comunidades eclesiais. A escolha de quem ocupa esse posto é, em última análise, uma decisão que molda o futuro da Igreja.

O veterano jornalista Gerard O’Connell, em reportagem para a revista America, observou que o nome de Iannone não figurava entre os cotados para assumir a liderança desse dicastério vital. “Antes do anúncio de hoje, o nome do arcebispo Iannone não havia sido mencionado entre os possíveis candidatos para esse posto”, escreveu O’Connell, revelando a perplexidade de diversas fontes internas do Vaticano. Uma delas, que lhe pediu anonimato, chegou a classificar a decisão como “um enigma” e que “é difícil de decifrar”. Outra fonte, que conhece bem o novo prefeito, destacou que “ele é totalmente como Leão: alguém que escuta, pensa, reflete e só então age”. Estas reações revelam que não se trata de um nome escolhido para agradar correntes ou facções, mas de alguém que, como o próprio pontífice, encarna um perfil de prudência, reflexão e solidez intelectual.

Filippo Iannone, de 67 anos, é carmelita e tem um percurso notável tanto na vida religiosa quanto no serviço à Igreja universal. Natural de Nápoles, ingressou na Ordem do Carmo aos 18 anos, professando os votos definitivos em 1980 e ordenado sacerdote em 1982. Sua formação inclui doutorado em Direito Civil e Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense, e uma carreira acadêmica dedicada ao ensino do direito canônico, além de adquirir experiências administrativas e pastorais em diferentes dioceses italianas. Foi vigário geral de Nápoles, bispo auxiliar e depois diocesano de Sora-Cassino-Aquino-Pontecorvo, vice-regente da diocese de Roma e arcebispo, tendo sido um dos bispos mais jovens da Itália a receber a ordenação episcopal. Em 2015, Francisco o nomeou para o Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica e, em 2017, foi designado para a Pontifícia Comissão para os Textos Legislativos, assumindo sua presidência em 2018. À frente desse dicastério, liderou a revisão do Livro VI do Código de Direito Canônico, reformulando as normas penais da Igreja, sobretudo no tocante a delitos de abuso sexual e pornografia infantil, e conduziu a atualização do motu proprio Vos Estis Lux Mundi em 2023, que estabelece procedimentos para investigação de abusos e eventuais encobrimentos por parte de bispos ou superiores religiosos.

A nomeação de Iannone projeta uma consequência quase automática: é muito provável que, no primeiro consistório convocado por Leão XIV, o novo prefeito seja elevado ao cardinalato, seguindo a tradição romana segundo a qual o titular deste Dicastério para os Bispos “veste o vermelho” quase por definição, e não há indícios de que agora seja uma exceção.

Paralelamente, a confirmação do Arcebispo Ilson de Jesus Montanari como secretário do Dicastério, função que ocupa desde 2013, acrescenta uma outra dimensão à decisão. Montanari, brasileiro e figura respeitada na Cúria, foi colaborador próximo de Leão XIV quando este esteve à frente do mesmo dicastério entre 2023 e 2025. Sua permanência no cargo assegura ao novo prefeito um colaborador experiente, conhecedor das engrenagens internas e capaz de garantir a continuidade dos processos em andamento durante a gestão de Prevost. Tal escolha reforça a mensagem de que, embora haja mudança na cúpula, não há ruptura, mas sim um equilíbrio entre renovação e continuidade. Iannone não chega sozinho, mas acompanhado por uma equipe que garante a estabilidade, e que as nomeações episcopais continuem a seguir os padrões estabelecidos pelo então Cardeal Prevost.

Assim, o enigma apontado por O’Connell parece menos opaco quando se considera o contexto mais amplo. Leão XIV, em seus primeiros meses de pontificado, busca imprimir um estilo próprio de governo, em continuidade com o de Francisco no que diz respeito à reforma da Cúria, mas também com sinais de identidade própria. Ao optar por um canonista carmelita de perfil discreto e reflexivo, ele mostra que deseja ao seu lado colaboradores capazes de unir competência técnica e profundidade espiritual, evitando personalismos ou espetacularizações. Em outras palavras, quer gente que governe com o mesmo método que ele: auscultando antes de agir, e promovendo iniciativas dentro das “quatro linhas” do Direito Canônico

Essa escolha também reforça uma visão de Cúria como corpo técnico de alta especialização, onde os principais dicastérios são conduzidos por homens de sólida formação intelectual e não de figuras midiáticas, ou escolhidas a dedo por outros atributos sem necessariamente incluir a competência para o cargo. O perfil de Iannone — canonista, professor, religioso — encarna esse ideal.

Portanto, será essencial que o novo prefeito demonstre capacidade de escuta para além do universo curial, para que os pastores escolhidos não pareçam “importados” de Roma, mas verdadeiros guias de suas comunidades. E será igualmente delicado equilibrar a prerrogativa pontifícia com a necessária colegialidade. As conferências episcopais e os núncios apostólicos desempenham papel decisivo no processo de indicação de bispos, e a coordenação com esses organismos requer habilidade diplomática e pastoral. Se o dicastério pender para o centralismo excessivo, poderá gerar tensões; se for demasiadamente leniente, poderá diluir a autoridade do Papa. Isto ganha particular relevo no contexto da implementação do projeto da Sinodalidade.

Outro campo onde a experiência de Iannone será posta à prova é a gestão de crises envolvendo bispos: investigações de abuso, denúncias de encobrimento, dioceses em dificuldades. O histórico do novo prefeito na reforma do direito penal canônico e em documentos como Vos Estis Lux Mundi sugere que ele tem o instrumental jurídico e a prudência necessários para lidar com essas questões. Mas a expectativa será alta: o modo como ele conduz casos concretos poderá consolidar ou abalar a confiança no novo pontificado por inteiro.

Por tudo isso, a nomeação de Filippo Iannone como prefeito do Dicastério para os Bispos é mais que uma simples substituição administrativa. É um ato que revela, de modo quase programático, o que Leão XIV espera de seus principais colaboradores: gabarito intelectual, serenidade, capacidade de reflexão e uma espiritualidade que permita discernir antes de agir.

A provável criação cardinalícia de Iannone, que reforçará o peso italiano no Colégio Cardinalício, não é um detalhe menor: ela insere a Itália, mais uma vez, no núcleo estratégico de um pontificado que, embora global, não despreza a tradição e o peso histórico da península no governo da Igreja. Até agora, Leão XIV parece observar a romanidade da Cúria e parece mais preocupado em manter que romper tradições.

Em vez de gestos de ruptura ou de nomeações de aliados, Leão XIV parece optar por uma Cúria composta de homens de confiança, com perfil intelectual, capazes de dialogar com as complexidades do mundo contemporâneo sem perder a solidez da tradição canônica. O futuro mostrará, na prática, se essa aposta se confirmará como um passo decisivo para garantir à Igreja uma liderança episcopal de qualidade e uma Cúria romana à altura dos desafios do nosso tempo.

Por Rafael Tavares 

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