Oitenta anos versus dez minutos
Oitenta ou cem anos de esforço constante e até heroico não valem os dez minutos eucarísticos.
Redação (03/11/2023 12:17, Gaudium Press) O culto de adoração a Deus deve ser perseverante e crescente. Porque adoramos a Deus não só durante a Missa, estando diante do sacrário ou junto ao Senhor exposto na custódia, mas também cumprindo o nosso dever, em qualquer hora, lugar e circunstância; e isso, sempre que tenhamos a intenção pontual ou habitual de adorá-lo, não é obrigatório que seja um exercício sempre explícito e renovado a cada momento.
Se essa motivação primordial foi obscurecida ou saiu do nosso horizonte, é hora retomá-la e nos exercitarmos nessa sagrada tarefa. Não esqueçamos que, de maneira contundente, Jesus nos ordena no Evangelho orar sem cessar: “É necessário rezar sempre, sem desfalecer” (Lc 18, 1). Trata-se de um estado habitual de desejo pela glória de Deus, não de uma súplica passageira e ocasional… que, aliás, será igualmente acolhida por Deus.
A comunhão e a divinização do nosso ser
Mas em matéria de oração há um momento culminante que supera qualquer outra circunstância, por mais valiosa que nos pareça: é quando comungamos.
Ao comungar com as disposições adequadas, se dá um fenômeno único, nem mais nem menos que a divinização de todo o nosso ser. Divinização? Como pode ser?
Acontece que quando comemos qualquer alimento, nós o incorporamos ao nosso corpo, e o que ingerimos se transforma no que somos; trata-se de um processo natural. Este não é o caso do Santíssimo Sacramento. Quando comungamos, é Deus quem nos assimila e nos transforma… Nele. Jesus diz no Evangelho: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo por causa do Pai, assim também quem me come viverá por minha causa”. (João, 6, 56-57).
É assim que o teólogo contemporâneo Frei Antonio Royo Marín OP expõe esta maravilhosa realidade: A Eucaristia é semelhante ao alimento que se assimila e se incorpora ao organismo; mas aqui é o contrário. Cristo nos assimila a Ele, nos torna “deiformes”, nos transforma em Deus. “Eu sou o alimento das grandes almas, acredite e coma-me; porque não me transformará em você como o alimento do seu corpo, mas você se transformará em mim”, diz Santo Agostinho em suas ‘Confissões’.
A Eucaristia, que é Cristo em estado glorioso, é infinitamente superior à nossa pobre natureza passível. Por outro lado, o alimento material inerte que alimenta o nosso corpo, é inferior à natureza viva da qual somos constituídos. Sim, quando comungamos nos transformamos Nele! O que não significa estritamente que percamos a nossa identidade… embora São Paulo pareça insinuar isso: “Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. O velho já passou, o novo começou” (2 Cor 5, 17).
Normalmente, quem comunga não sabe ou não aprecia plenamente o tamanho do dom que recebe e a formidável transformação que sofre.
Ora, esta deificação do nosso ser ocorre enquanto as espécies consagradas não se dissolvem no nosso organismo; sendo assim, esses momentos privilegiados duram alguns minutos. Mas, em todo caso, quando a Hóstia se dilui, permanece em nosso ser como um aroma divino, assim como o perfume de uma flor ou a fragrância de um incenso fica impregnado num ambiente; esta é uma realidade completamente espiritual.
Também sobre a comunhão sacramental, São Tomás de Aquino nos diz: “Todos os efeitos que o alimento material produz em nossos corpos, Cristo, alimento divino, produz em nossa vida espiritual: ele restaura, sustenta, preserva, aumenta e deleita”. Definitivamente, comungar não é um ato piedoso insignificante, apenas mais uma devoção…
Estas considerações deixam clara a riqueza que advém de uma comunhão que já é, de alguma forma, o paraíso na terra.
Nossas faltas não devem ser um impedimento para nos aproximarmos da Mesa Sagrada
É ainda importante sublinhar uma verdade muito consoladora: as nossas misérias e as nossas próprias faltas – se não forem graves ou se já tiverem sido perdoadas – não devem ser um impedimento para nos aproximarmos da Mesa Sagrada, muito pelo contrário. Justamente porque somos miseráveis precisamos do remédio restaurador. No Evangelho Jesus diz que não veio para salvar os justos, mas os pecadores, que não são os sãos que precisam de médico, mas sim os enfermos.
Portanto, ao recebermos Jesus em Comunhão, não devemos imaginá-lo entrando em nossa alma fazendo uma espécie de inspeção mal humorada e incomodado diante das limitações e defeitos que certamente encontrará. Pelo contrário, devemos imaginá-lo da mesma forma que entrava nas casas dos doentes que ia curar: cheio de afeto, gentil, sereno, disposto a nos ouvir e nos ajudar, como um pai, como uma mãe, como um amigo.
O valor da comunhão sacramental
Por fim, digamos algo enfaticamente verdadeiro que poderá surpreender os que só contam com suas próprias forças: se uma pessoa passasse a vida inteira em uma gruta rezando e fazendo penitência, não adquiriria tanto mérito quanto aquele adquirido em uma única comunhão.
Oitenta ou cem anos de esforço constante e até heroico não valem os dez minutos eucarísticos: isto é assim!
A santidade, que a nossa pobre natureza humana não pode alcançar sem a ajuda da graça de Deus, é oferecida pela omnipotência divina aos pobres, aos servos e aos humildes; “pauper, servus et humilis”, como diz o hino litúrgico Panis Angelicum tão belamente musicado por César Franck.
Uma catequese consistente sobre a Eucaristia não pode prescindir destas verdades, tão consoladoras… e demasiado ignoradas. Lembremos que uma das Obras de Misericórdia espirituais é, justamente, ensinar quem não sabe.
Aprendamos bem essas coisas e, se já as conhecemos, façamos delas vida.
Mairiporã, novembro de 2023
Por Padre Rafael Ibarguren EP – Conselheiro de Honra da Federação Mundial das Obras Eucarísticas da Igreja.
Traduzido por Emílio Portugal Coutinho
Deixe seu comentário