Odiar meu pai!?
O Divino Mestre apresenta quais as atitudes distintivas de um verdadeiro discípulo seu.
Redação (07/09/2025 10:36, Gaudium Press) O Céu é dos violentos![1] Com essa frase pode-se resumir a ideia contida no Evangelho deste 23º Domingo do Tempo Comum: quem não estiver disposto a abandonar tudo, até mesmo a própria vida, não é digno de seguir a Cristo.
A hierarquia dos amores
“Se alguém vem a mim e não me ama mais que seu pai, sua mãe, […] seus filhos, seus irmãos […] e até a sua própria vida não pode ser meu discípulo” (Lc 14,26).
Em um primeiro momento, as palavras do Salvador podem causar desconforto diante de um preceito que, em nossos dias, seria inexoravelmente tachado de “radical”.
Se ainda não bastasse, São Jerônimo, ao traduzir as Sagradas Escrituras para o latim, emprega sem receio o verbo odiar nesta passagem: “Se alguém vem a Mim e não odeia seu pai […] não pode ser meu discípulo” (Lc 14,26).
No mundo hodierno, em que a família se tornou alvo de tantos ataques, qual é o ensinamento que Nosso Senhor Jesus Cristo nos traz?
De maneira sintética, o Salvador enfatiza a necessidade de o homem fazer violência contra si,[2] porque, para ser discípulo seu, a prática dos mandamentos é indispensável, o que exige um esforço contra as más inclinações que cada um leva em seu interior. Isto se explica, pois o primeiro mandamento exige amar a Deus acima de todas as coisas, de forma que os demais são um desdobramento do primeiro, estando a ele subordinados.
Portanto, se existe um preceito que ordena honrar pai e mãe, é porque os pais devem ser um reflexo de Deus para os filhos. Mas, do contrário, se eles constituem um obstáculo para a prática dos mandamentos, quem abandona a lei de Deus julgando obedecer aos pais, incorre naquilo que Santo Agostinho descreve como aversão a Deus e o conversão às criaturas,[3] algo que o Bispo de Hipona define como pecado, porque a obediência a Deus é mais importante que a obediência aos homens.
Desta forma, Nosso Senhor Jesus Cristo estabelece a ordem perfeita do amor: em primeiro lugar, ao Pai Celeste, Criador, e, em segundo lugar, àqueles que nos são mais próximos e que devem, sobretudo, ser um caminho mais fácil para subir até Deus.
Além disso, a liturgia deste 23° Domingo do Tempo Comum ressalta também o cuidado que se deve ter com o “voltar-se para as criaturas”, que não diz respeito somente à família, mas a qualquer criatura material. Por isso, o Autor Sagrado adverte que “o corpo corruptível torna pesada a alma”. Não só o corpo humano, mas qualquer coisa terrena, “oprime o espírito carregado de cuidados” (Sb 9,15), quando lhe atribuímos um valor maior do que é devido.
Quando isso ocorre, a alma transtorna-se, o espírito fica irrequieto e o homem perde a paz necessária para ouvir a voz de Deus, que está constantemente em comunicação conosco, mas que não percebemos porque nosso espírito fica impedido de voltar-se para o sobrenatural, pelo afeto desordenado que temos em relação aos bens desta terra.
O verdadeiro amor é o que tem Deus no centro
Portanto, o único modo de proceder digno de um discípulo de Cristo é viver em função do amor a Deus. No convívio familiar, cada um esteja preocupado com o bem dos outros, tanto físico quanto espiritual. Já em relação ao uso dos bens deste mundo, vale recordar o alerta do Apóstolo: “como se dele não usassem” (1Cor 7,31), para que tenhamos a alma livre de qualquer apego terreno.
“Assim, pois” — diz nosso Senhor — “qualquer um de vós que não renuncia a tudo o que possui não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33). Essa é a radicalidade exigida pelo Divino Mestre, que não aceita uma terceira opção: ou consagramos inteiramente nosso coração, de modo que nossa vida esteja de acordo com a lei de Deus, ou não há amor sincero.
Por Vinícius Mendes
[1] Cf. Mt 11,12
[2] Cf. CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2014, v. 6, p. 334.
[3] Cf. AGOSTINHO DE HIPONA. De libero arbitrio. In: Idem. Obras de San Agustin: Obras filosóficas. Trad. Victorino Capanaga et al. Madrid: BAC, 1963, v. 3, p. 316.
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