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Obra de Rupnik desaparece de site do Vaticano: sinal de mudança ética ou apenas estética?

Estará disposto Leão XIV de não apenas condenar um jesuíta caído, mas também ir mais adiante, e enfrentar todo o sistema que o ergueu, promoveu e blindou por décadas?

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Redação (10/06/2025 15:53, Gaudium Press) No último fim de semana, uma operação silenciosa apagou do site oficial do Vaticano a presença visual de um dos personagens mais controversos da Igreja recente: o ex-jesuíta Marko Ivan Rupnik. Sem aviso, sem comunicado, sem justificativa oficial, a arte do sacerdote esloveno — acusado de abuso sexual em série — foi simplesmente retirada do ar.

O movimento chamou atenção justamente por seu silêncio. Afinal, há anos sobreviventes de abuso e seus defensores denunciam o uso público e reiterado das obras de Rupnik como uma afronta direta à memória e à dor das vítimas. Como reportou Ed Condon para The Pillar, a insistência em manter seus mosaicos em destaque havia se tornado um “contra-sinal” dos esforços de reforma da era Francisco — um lembrete de que, em certos corredores, a estética ainda falava mais alto que a ética.

A súbita “limpeza” visual já vem sendo lida por analistas como um gesto inaugural do pontificado de Leão XIV. Sim, o novo Papa — canonista de formação e de reputação austera — parece disposto a corrigir o que se parecia anteriormente ignorar, esconder ou burocratizar até a exaustão. Mas a dúvida permanece: será este o início de uma real responsabilização ou apenas uma manobra cosmética para aliviar a pressão pública?

O portal de notícias do Vaticano removeu também as últimas imagens dos mosaicos do padre Rupnik. A medida teria sido adotada após uma reunião entre o papa Leão XIV e a Comissão para a Proteção de Menores. As imagens já haviam sido excluídas de quase todas as seções do Vatican News, restando apenas na aba “Nossa Fé”, onde ainda ilustravam a capa de uma catequese — mas foram posteriormente retiradas também dali. Trata-se de uma ação drástica, realizada sem qualquer explicação oficial. De acordo com o site católico norte-americano Crux, a remoção teria ocorrido logo após o encontro entre o papa, o cardeal Sean O’Malley e a Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores.

Por outra parte, advogada Laura Sgrò, que auxilia freiras que foram vítimas do padre Rupnik, declarou à imprensa: “O uso dessas imagens foi denunciado repetidamente pelas vítimas que assisto, considerando-o, no mínimo, inadequado, como uma fonte de maior dor para elas”. E arremata: “Elas têm muita confiança no pontífice”.

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Rupnik, além de acusado, já foi formalmente excomungado em 2020 por absolver uma cúmplice em pecado contra o sexto mandamento — o que, diga-se, configura crime canônico gravíssimo. Sua excomunhão só veio à tona dois anos depois. O padre artista foi expulso da Companhia de Jesus e, posteriormente, de forma inexplicada, soube-se que a excomunhão de Rupnik havia sido levantada, mas sem qualquer documento público por parte da Santa Sé. Enquanto isso, o processo canônico contra ele segue emperrado — supostamente por dificuldades em montar um tribunal fora do Vaticano, segundo o cardeal Fernández, prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé.

Misteriosamente, o ex-jesuíta, apesar do seu histórico de delitos, segue habilitado para exercer o sacerdócio e foi acolhido por uma diocese eslovena. Mesmo condenado, matinha seu prestígio e recebia encomendas de obras, protegido por uma rede de negligências e omissões por parte de autoridades vaticanas que conheciam o seu caso.

De acordo com informações oficiais do Anuário Pontifício de 2024, o padre Marko Rupnik ainda aparecia como consultor do Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Embora a consulta ao portal www.vatican.va não mencione o padre, a referência no anuário durante quatro anos após sua condenação é significativa.

Fontes independentes confirmam que, mesmo após as condenações, Rupnik manteve o título de consultor nesse dicastério e se manteve como figura influente em Roma.

Por outro lado, outros dicastérios aos quais estava vinculado — como o Pontifício Conselho para a Cultura e o da Nova Evangelização — não o incluem mais nas listas de consultores, o que sugere revisões posteriores a uma tomada de decisão por parte da Santa Sé. A exclusão de Mirko Rupnik destas listas é outro passo significativo é plausível que as vítimas se sintam aliviadas por esta medida.

Ed Condon observa que a remoção das imagens pode ser “uma mudança superficial” — embora visivelmente bem-vinda —, mas adverte que as decisões realmente importantes ainda aguardam a caneta papal. Entre elas, a substituição de figuras-chave como o cardeal O’Malley, da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, e possivelmente do próprio cardeal Fernández, cuja atuação seletiva em casos de abuso lança dúvidas sobre a coerência do sistema e sua continuidade no dicastério para a Doutrina da Fé.

A questão maior, no entanto, não é o sumiço das obras, mas o que isto sinaliza. Estará disposto Leão XIV de não apenas condenar um jesuíta caído, mas também ir mais adiante, e enfrentar todo o sistema que o ergueu, promoveu e blindou por décadas?

Porque, convenhamos: derrubar os mosaicos de Rupnik é fácil. Difícil mesmo é remover o cimento que o protegeu.

Por Rafael Tavares

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