O Santo padroeiro do espírito polêmico
São Jerônimo o Santo que pode nos obter a virtude da fortaleza para batalharmos com denodo contra os nossos defeitos e os inimigos, velados ou declarados, da Igreja Católica.
Redação (07/05/2021, 17:45, Gaudium Press) Em seu mosteiro situado nos arredores do Presépio, em Belém, São Jerônimo dirigia os monges e também dava orientação espiritual às religiosas de um convento cuja superiora era Santa Paula.
“Suas sentenças pareciam raios”
Mas ele não se limitava a cuidar disso. Era um varão de grandes horizontes e, face às heresias que se propagavam pelo Império Romano, entrou rijamente na luta em defesa da Igreja e para a condenação dos fautores do mal.
Além de seus árduos trabalhos de tradução da Bíblia, São Jerônimo refutava vigorosamente os erros e as heresias que se propagavam naquela época.
Afirma Dr. Plinio Corrêa de Oliveira:
“Os seus escritos são de uma energia, para não dizer de uma violência, que pareceria desabotoada se não fosse ele um santo. E para as menores questões ele dava respostas de fogo tremendas, e deixava todo mundo tremendo diante dele. […] São Jerônimo pode ser considerado o padroeiro do espírito polêmico.”
E São João Bosco acrescenta que ele “escrevia com tal veemência contra os hereges, que suas sentenças pareciam raios”.
O Patriarca de Jerusalém, João, defendeu Orígenes, o qual sustentava graves erros. São Jerônimo escreveu uma obra intitulada Tratado contra João de Jerusalém, em que refuta os desvios doutrinários desse bispo. Humilhado, o Patriarca proibiu que o Santo e seus monges entrassem na Basílica da Natividade, em Belém, e na Gruta onde Jesus nascera. Fez inclusive manobras visando que o Imperador Romano do Oriente, Arcádio, exilasse São Jerônimo, mas não o conseguiu.
Eis uma estrofe do hino que a Igreja canta no dia da memória desse grande Santo:
“Relegando os autores profanos,
O mistério divino abraçaste,
Qual leão, derrubando os hereges,
As mensagens da fé preservaste. ”
Luta contra o pelagianismo
Certo dia chegou a Jerusalém o heresiarca Pelágio, um monge nascido na atual Inglaterra o qual negava o pecado original e dizia que o homem consegue a própria salvação unicamente com suas forças, sem necessidade da graça de Deus.
São Jerônimo escreveu um texto chamando-o de caluniador ignorante, e afirmando que a sua doutrina era ímpia e celerada. E redigiu uma obra contra o pelagianismo, fazendo grandes elogios aos livros de Santo Agostinho, que refutam vigorosamente essa heresia.
Reuniu-se, então, um sínodo de Jerusalém para tratar da questão, e Pelágio conseguiu escapar de ser condenado devido a sua hábil dissimulação e à proteção do Patriarca João.
Numa noite de 416 – São Jerônimo estava com 69 anos de idade –, os pelagianos invadiram Belém, foco da resistência contra eles, maltrataram os monges e religiosas, mataram um diácono e atearam fogo nos mosteiros. Refugiando-se numa torre, o Santo conseguiu escapar.
Pouco tempo depois, o Papa Santo Inocêncio I escreveu uma carta ao Patriarca João, na qual perguntava: “Que fizestes para defender os inocentes de Belém?” Quando esse documento chegou ao conhecimento de São Jerônimo, João já havia morrido… O novo Bispo de Jerusalém ordenou a Pelágio que saísse da Palestina.
Posteriormente o Papa São Zózimo excomungou Pelágio e condenou sua doutrina. E Honório, Imperador do Ocidente, decretou que todos os pelagianos fossem exilados.
Correspondência com Santo Agostinho
São Jerônimo manteve correspondência com Santo Agostinho, na qual muitas vezes utilizava uma linguagem dura. Mas ambos se estimavam profundamente, como demonstra uma carta dirigida ao Bispo de Hipona, em 418.
“Coragem – dizia São Jerônimo –, coragem! Teu nome é célebre em todo o universo; os católicos veneram e admiram em ti o restaurador da antiga fé, e, o que é mais glorioso ainda, todos os hereges te detestam; eles têm votado a ti o mesmo ódio que a mim, e porque não podem derramar nosso sangue eles desejam nossa morte.”
Dr. Plinio comenta:
“São Jerônimo tinha o gênio, o fogo da descompostura. Para arrasar alguém com palavras candentes e merecidas, para dizer-lhe verdades ao pé da letra, não havia como São Jerônimo. Até a Santo Agostinho ele escreveu uma carta dizendo coisas duras, a tal ponto que Santo Agostinho escreveu-lhe depois uma carta, gracejando, brincando, afirmando que afinal não precisava tanto furor, que ele se convenceria com menos zanga, etc. Não era uma intemperança de São Jerônimo, era o feitio do seu espírito, a apreciabilíssima forma de santidade dele.”
Nessa época ele ditava as cartas, pois não conseguia redigi-las devido à dificuldade de movimentar os dedos. Mas em 419 escreveu de próprio punho ao Papa São Bonifácio I – eleito em dezembro de 418 e que se mostrara um tanto indulgente com os hereges –, incitando-o à vigilância e energia a respeito dos pelagianos.
Uma milícia de Anjos acorreu junto a seu corpo
Chegou o dia em que Deus veio colher a alma desse grande batalhador da Igreja. Tomado por uma febre ardente, ele percebeu que a morte se aproximava. Quis que seu corpo magérrimo devido aos jejuns e outras penitências fosse colocado no chão. Aos monges que derramavam lágrimas ele pediu que fosse sepultado ao lado do Presépio.
Trouxeram o Santíssimo Sacramento e ele, com enorme esforço, pôs-se de joelhos. Após comungar, estendeu-se no solo e, com as mãos cruzadas sobre o peito, disse: “Nunc dimittis servum tuum, Domine, secundum verbum tuum in pace – Deixai, agora, vosso servo ir em paz, conforme prometestes, ó Senhor.” E à hora de Completas – nove da noite – afirmou: “Senhor Jesus, recebei uma alma que resgatastes por vosso Sangue”, e expirou. Era o dia 30 de setembro de 420. Contava 73 anos de idade.
Alguns dos presentes viram uma milícia de Anjos que acorriam e disseram: “Vinde, bem-amado, receber a recompensa de tantos trabalhos varonilmente suportados!” E a cela se encheu de um perfume celeste. Durante o trajeto de seu corpo ao Presépio, junto ao qual foi sepultado, um cego tocou-lhe e ficou curado. Posteriormente, seus restos mortais foram levados à Basílica de Santa Maria Maior, em Roma.
Peçamos a São Jerônimo que nos obtenha a virtude da fortaleza para batalharmos com denodo contra os nossos defeitos e os inimigos, velados ou declarados, da Igreja Católica.
Por Paulo Francisco Martos
(In “Noções de História da Igreja’ – 50)
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1- CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. São Jerônimo. In revista Dr. Plinio, São Paulo. Ano XV, n. 174 (setembro 2012), p. 30-31; Gládio vivo de Deus. Op. cit., ano XX, n. 234 (setembro 2017), p. 2.
2- SÃO JOÃO BOSCO. História Eclesiástica. 6 ed. São Paulo: Salesiana, 1960, p.104.
3- LITURGIA DAS HORAS segundo o rito romano, São Paulo: Paulus. 1999, vol. IV, p. 1330.
4- Epístola 96, apud DICTIONNAIRE DE THÉOLOGIE CATHOLIQUE. Paris: Letouzey et Ané. 1924, v. VIII-I, coluna 904.
5- CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Santa Melânia: invencível e heroica. In revista Dr. Plinio, São Paulo. Ano XVII, n. 201 (dezembro 2014), p. 30.
6- Cf. DARRAS, Joseph Epiphane. Histoire Génerale de l’Église. Paris: Louis Vivès. 1889, v. XII, p. 351-468 ; INSUELAS, João Baptista Lourenço. Curso de Patrologia. Braga: Oficinas de São José. 1943, p. 522.
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