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O que será tratado no primeiro consistório de Leão XIV?

Ao convocar os cardeais que o elegeram, o Papa Leão XIV restaura-lhes o papel que sempre tiveram.

Foto: Vatican News

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Redação (19/11/2025 10:06, Gaudium Press) O Vaticano aguarda com atenção o primeiro consistório do pontificado de Leão XIV, marcado para 7 e 8 de janeiro. Não é apenas a primeira convocação oficial dos cardeais desde sua eleição, mas o gesto inaugural de um método. Ao contrário do que se poderia imaginar, o elemento central do evento não é um tema específico ou uma pauta programática fechada, mas o próprio fato de os cardeais serem chamados a participar.

Luis Badilla — jornalista chileno e observador atento da dinâmica eclesial mesmo após o encerramento do seu blog Il Sismografo e agora com intervenções esporádicas em Messa in Latino — tentou desvendar o significado desse ato e concluiu que não se trata de um detalhe, mas de um sinal decisivo do estilo que o novo Papa pretende imprimir ao governo da Igreja.

Segundo Badilla, a chave para entender esse consistório é perceber que Leão XIV não está apenas abrindo as portas do palácio apostólico, mas reativando uma instituição que, ao longo dos últimos anos, havia sido relegada a segundo plano.

O Código de Direito Canônico prevê expressamente que os consistórios sejam um espaço de consulta. Contudo, durante anos, essa função ficou eclipsada. No pontificado anterior, os encontros foram raros, formais e muitas vezes desprovidos de substância. Francisco preferiu reunir um pequeno círculo, o famoso Conselho de Cardeais, que funcionou por mais de uma década como órgão decisório e consultivo privilegiado.

Para Badilla, tal grupo restrito acabou substituindo os consistórios extraordinários que nunca chegaram a ser convocados, reduzindo o colégio cardinalício a um papel secundário em assuntos que, pela própria lógica da Igreja, deveriam tê-lo como protagonista.

A morte de Francisco, no entanto, abriu um momento de análise interna que Badilla não hesita em descrever como franco. Durante a sede vacante, falou-se abertamente sobre a necessidade de restituir aos consistórios seu papel e sua regularidade. Muitos cardeais, entre os quais o Cardeal Prevost, discutiram essa situação antes do conclave. Era evidente que uma parte significativa da hierarquia percebia que a colegialidade episcopal havia sido, durante doze anos, mais retórica do que concreta. Badilla observa que o Papa argentino usou o termo, mas não investiu na prática, e que sua preferência por estruturas paralelas afastou o colégio cardinalício do centro da vida governativa da Igreja.

É nesse contexto que Leão XIV toma uma decisão que Badilla classifica como mais simbólica do que administrativa: o restabelecimento da normalidade. O novo Pontífice não inventa nada nem cria novas estruturas, apenas aplica o que o Código de Direito Canônico prevê. E é justamente tal simplicidade que dá força ao gesto; uma retomada de rumo sem necessariamente se tratar de uma ruptura. Ao convocar os cardeais que o elegeram, o Papa confere a eles o papel que sempre tiveram, mas o qual estavam impedidos de exercer plenamente. E, nessa restauração silenciosa, Badilla vê uma mudança profunda: o Papa quer governar com o Colégio, não apenas diante dele ou acima dele.

Outro elemento importante é a expectativa quanto ao conteúdo do encontro. Para Badilla, o mais relevante não será o tema anunciado, mas o tema possível. O Papa terá a oportunidade de apresentar aos cardeais uma visão panorâmica do estado da Igreja, vista do ápice supremo, sem mediações. Eles, por sua vez, poderão expor suas impressões não mais como opositores silenciosos, mas como conselheiros legítimos. Entre os assuntos que naturalmente virão à tona, Badilla destaca a Constituição Apostólica Praedicate Evangelium, não como teoria, mas como prática. O texto está em vigor há anos e, apesar da retórica de reforma, ainda suscita dúvidas e críticas sobre sua eficácia, sua arquitetura real e seus resultados concretos.

Outro assunto inevitável, segundo Badilla, será a preparação para a Assembleia Eclesial Mundial de 2028. Muitos bispos e cardeais veem o projeto como excessivamente vago, marcado por verborragia que tende mais ao obscurecimento das ideias do que o seu esclarecimento. Fala-se muito em sinodalidade, mas falta clareza sobre o seu próprio conceito, seus objetivos e a sua metodologia. O risco, para alguns, é de uma espécie de sínodo interminável que se estenda por documentos sucessivos, sempre mais longos, cada vez menos objetivos. Badilla não esconde que há inquietação na base episcopal, e que o consistório poderá ser a primeira ocasião para discutir isso frontalmente.

Entretanto, não é apenas o futuro que estará em discussão. Haverá também a necessidade de ler criticamente o passado recente. A estrutura de governo montada nos últimos anos exigirá um balanço sereno. Badilla descarta a hipótese de que Leão XIV pretenda reverter tudo, mas é inevitável que o Colégio Crdinalício tenha a liberdade de questionar práticas que, por muito tempo, não puderam ser debatidas abertamente. A restauração dos consistórios abre um espaço institucional no qual as questões podem ser colocadas, sem receio de parecer afronta ao Papa, justamente porque é ele mesmo que as pede.

Em última análise, segundo Badilla, o cerne do encontro reside no próprio método. O consistório é o recado; a forma que revela a intenção. É a volta a uma colegialidade real e não retórica, uma maneira de dizer que o Papa não quer governar sozinho nem tampouco mediante um grupo paralelo de conselheiros permanentes. O primeiro consistório de Leão XIV é, assim, simultaneamente diagnóstico e remédio; o ponto de partida de um estilo que prefere a normalidade ao experimentalismo, o direito previsto à criatividade institucional.

E quem aguardava anúncios espetaculares ou reformas coreografadas quiçá escolheu o pontificado errado para apostar. Como já apontou o vaticanista Gagliarducci: “talvez estejamos nos aproximando muito lentamente do início de um pontificado”. Leão XIV parece seguir uma lógica que Badilla chama de simples, mas nunca simplista. Ele começa pelo básico porque o básico estava faltando. E quem sabe, no fim do encontro, ao despedir-se dos cardeais, o Papa lhes diga “até breve” em vez de “adeus”. Sob a égide de Leão XIV o Colégio Cardinalício parece encontrar os rumos de uma colegialidade mais autêntica, radicada na corresponsabilidade e no arcabouço jurídico da Igreja.

 Por Rafael Tavares

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