O que aconteceu com Jesus na Quinta-feira Santa?
Gesto simbólico de um amor levado ao extremo, prenúncio da Sagrada Eucaristia, exemplo de vassalagem mútua.
Redação (28/03/2024 08:13, Gaudium Press) Pelo amor infinito que devotava à sua Santíssima Mãe, Nosso Senhor não quis privá-La da participação naqueles momentos memoráveis, e A convidou para passar a Páscoa com Ele em Jerusalém.
Como estava escura aquela noite! Quando todos os Apóstolos se reuniram no Cenáculo para a ceia, embora fosse tempo de lua cheia não se podia enxergar sua luz, nem contemplar as estrelas a iluminar a abóbada celeste, pois um pesado manto de nuvens negras cobria o firmamento.
O Evangelho acentua que “era noite” (Jo 13, 30), sugerindo o imponderável trágico do ambiente, fato que impressionou até os espíritos mais céticos entre os discípulos.
Com efeito, a criação parecia já guardar luto pelo que estava para suceder. Rapidamente haviam se desvanecido as fúteis alegrias do Domingo de Ramos, que nem mesmo as últimas e brilhantes polêmicas sustentadas pelo Mestre contra fariseus, saduceus e herodianos puderam prolongar.
A Santa Ceia
O clima no início da ceia era pouco festivo. Para quebrar as desconfianças o Filho de Maria utilizou um divino estratagema, antecipando, com um gesto simbólico, o amor levado até o extremo que demonstraria em breve ao deixar-lhes o Santíssimo Sacramento: o lava-pés dos Apóstolos.
Duas notas se destacam neste ato praticado pelo Salvador: disciplina e sacralidade. Todos aguardavam sentados, com a atenção voltada para Ele, mas sem entenderem bem o que acontecia. Jesus desejava propiciar um estado de espírito oposto ao que permeava seus corações, criando condições para que uma graça de união pervadisse o Colégio Apostólico. Isso impediria satanás de obstaculizar as outras graças que Ele desejava derramar-lhes durante a Santa Ceia.
Ao lavar-lhes os pés – tarefa reservada, na época, aos servos – Nosso Senhor revelava simbolicamente como deveria ser o relacionamento entre eles quando lhes faltasse sua presença física. Era, a seu modo, um ato de vassalagem prestado pelo Homem-Deus a seus próprios discípulos, a fim de mostrar-lhes a altíssima consideração que cabia a cada um ter pela vocação dos demais!
Os presentes sentiam que algo grave e grandioso se passaria com Nosso Senhor e, por consequência, percebiam ser seu dever entrar em consonância com Ele.
Entretanto, tomados por mesquinhos egoísmos, não compreenderam a fundo o significado da humilde atitude do Mestre nem as sublimes palavras que a seguiram.
Dessa maneira, as graças imprescindíveis para afrontar com perfeição a hora da Paixão não penetraram inteiramente em suas almas. O relativismo no qual estavam imersos, vício inseparável da má tristeza, foi a porta encontrada pelo demônio para infundir o desânimo nos Apóstolos, levando-os a abandonar o Redentor durante a prova. Só São João, por sua profunda união com Nossa Senhora, escaparia a esta regra!
“É chegada a hora”
A certa altura da ceia, Judas levantou-se para consumar a traição entregando o Divino Filho de Maria ao Sinédrio. Jesus o acompanhou com o olhar até o infame sair do recinto, e então a tristeza se fez notar em seu semblante, antecipando de alguma forma a angústia do Getsêmani.
Nossa Senhora rezou para que aquele infeliz se arrependesse do mal que estava para praticar, mas ele não correspondeu à voz da graça e submergiu nas trevas que dominavam Jerusalém.
Tendo Judas se retirado, Nosso Senhor proferiu o sublime discurso de despedida dos Apóstolos recolhido pelo Discípulo Amado em seu Evangelho (cf. Jo 14–17), ao término do qual todos se levantaram a fim de tomar o caminho rumo ao Horto das Oliveiras.
O Divino Mestre dirigiu-Se até Nossa Senhora e, fitando-A com extrema doçura, disse-Lhe parafraseando as palavras que pronunciara ante seus prediletos: “Mãe, é chegada a hora” (cf. Jo 17, 1), hora temida de Ele sofrer sua dolorosa Paixão.
Jesus olhou para Ela com extremos de amor e bondade, e saiu em companhia dos discípulos pelas ruas desertas, entoando com voz solene o alegre cântico do Hallel. Havia muito Ele desejava ardentemente a chegada dessa Páscoa…
A Virgem Puríssima preferiu permanecer no Cenáculo, para refletir sozinha sobre o que em breve ocorreria. Aquele ambiente, antes tomado pela grandeza de seu Divino Filho, ficara num vazio misterioso, um tanto pesado e de gravidade indescritível.
Em uma das dependências do prédio, Nossa Senhora começou a acompanhar misticamente o Salvador, pois tudo o que Lhe sucedia repercutia n’Ela de maneira inefável, em função da Presença Eucarística que palpitava no seu sagrado peito.
Soara o momento marcado pelo Pai para que Ela iniciasse sua participação efetiva na Redenção.
O mais “doloroso” ministério angélico
Os Anjos haviam recebido a revelação sobre a Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, acontecimentos em que cada um teria determinado papel, embora ainda não o conhecessem.
Eles ignoravam, igualmente, as circunstâncias nas quais se dariam esses mistérios, tais como o caráter de ignomínia que os cercaria ou a violenta carga preternatural de que seriam acompanhados.
De fato, logo que Judas abandonou o Cenáculo, consumando seu pecado de traição, Deus concedeu licença às forças do mal para desencadearem os episódios de que seriam os algozes.
Era “a hora do poder das trevas” (Lc 22, 53). As comportas do inferno se abriram como nunca, facultando a atuação de miríades de demônios. No meio da instalação desse caos satânico, cujos efeitos apenas começavam a se fazer sentir, o Anjo da Guarda da Santíssima Virgem, São Gabriel, permaneceu junto a Ela detendo a ação de alguns espíritos das trevas mais atrevidos, que pretendiam atormentá-La.
No Horto das Oliveiras
O Divino Redentor chegou com seus discípulos ao Horto das Oliveiras, em meio às trevas daquela noite e ao cântico de Salmos. Ali convidou São Pedro, São João e São Tiago a acompanhá-Lo e Se afastou para rezar, tomado por “uma tristeza mortal” (Mc 14, 34).
Prosternado com o rosto em terra, implorava ao Pai forças para suportar a Paixão que se aproximava. Nessa agonia teve conhecimento experimental dos sofrimentos pelos quais deveria passar, padecendo por antecipação na Alma as dores que se dariam em sua carne santíssima.
A isso se acrescentou a visão da ingratidão dos homens ao longo da História. Eles pisariam com desprezo o Preciosíssimo Sangue prestes a ser derramado com loucura de amor, cometendo pecados maiores que os anteriores à Redenção.
Jesus media a aparente inutilidade desse sacrifício e sua angústia aumentava, agravada pelo desinteresse daqueles três prediletos que, não conseguindo velar com Ele, haviam caído num pesado sono, fruto do egoísmo ainda inviscerado em suas almas.
No momento em que, na iminência de transpirar sangue por todo o seu Corpo sagrado (cf. Lc 22, 44), o Mestre buscava um apoio, uma palavra de alento, dormiam afundados na modorra os que mais particularmente tinham experimentado, por três longos anos, sua dedicação e afeto.
O cálice
Amargurado em extremo, ao Lhe serem mostrados a envergadura e o sucesso que os planos do mal atingiriam no decorrer dos séculos, Nosso Senhor suplicou: “Pai, se é de teu agrado, afasta de Mim este cálice! Não se faça, todavia, a minha vontade, mas sim a tua” (Lc 22, 42).
Vendo Maria os sofrimentos que seu Filho padeceria, associou-Se a esse pedido. E seu clamor foi atendido: um Anjo entregou a Jesus um cálice, cujo misterioso líquido deu-Lhe forças para continuar.
Bem podemos afirmar que nele estavam contidos os méritos do sangue derramado por todos aqueles que, arrebatados pelo exemplo do Mártir do Gólgota, se uniriam às suas dores para conquistar a vitória do bem.
Reconfortado, Nosso Senhor Se levantou decidido e com a fisionomia luminosa, dir-se-ia ávido por dar início à Paixão, cujos executores se aproximavam. “Levantai-vos, vamos! Aquele que Me trai está perto daqui” (Mt 26, 46), exclamou aos três escolhidos submersos num sono de torpor e tristeza.
Jesus se entregou para ser preso
Ao aviso do Mestre eles acordaram sobressaltados, pois já se escutava o forte rumor da multidão que se acercava para prendê-Lo. A compostura, gravidade e seriedade do Redentor manifestavam como nunca sua divindade e transmitiam certa serenidade a São Pedro, São João e São Tiago, por indicarem que, contra as aparências, tudo estava em suas mãos.
Os demais discípulos, pelo contrário, vendo os guardas guiados por Judas e ignorando o que poderia acontecer, esconderam-se ou fugiram com receio de serem presos.
Como um cavaleiro que pede para si a honra do primeiro golpe, Nosso Senhor tomou a iniciativa, perguntando aos esbirros do Templo por quem procuravam.
“A Jesus Nazareno” (Jo 18, 5a), responderam-Lhe. O Salvador deixou então um testemunho irrefutável de sua onipotência divina. Adiantando-Se, exclamou com voz grave: “Sou Eu” (Jo 18, 5b).
O nome do Deus de Israel fez cair por terra os soldados, patenteando que Ele entrava na Paixão por livre vontade, a fim de resgatar os homens. Só depois do infame ósculo do traidor Ele Se entregou para ser preso, reprimindo inclusive o ímpeto de São Pedro, que havia cortado a orelha de Malco na confusão (cf. Jo 18, 10-11).
O Salvador quis antes deixar um testemunho irrefutável de sua onipotência divina, para depois do infame ósculo de Judas entregar-Se em resgate pelos homens.
Texto extraído, com pequenas adaptações, do livro Maria Santíssima! O Paraíso de Deus revelado aos homens, por Mons. Scognamiglio Clá Dias, EP.
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