O órgão: penumbra sonora feita de som e silêncio
A igreja em estilo gótico, com suas ogivas e vitrais, é o ambiente propício para se ouvir os toques do órgão, que elevam as almas para Deus.
Redação (25/02/2024 10:28, Gaudium Press) O órgão “é uma ‘penumbra sonora’, feita de som e silêncio. Porque, ainda que soe com todos os registros, o órgão tem dentro de si qualquer coisa de aveludado e silencioso, que é um dos seus melhores charmes, e que mais casam com a penumbra visível da Igreja. Assim é o misto de silêncio e som que há no órgão. […] A pessoa que, a partir de um instrumento rudimentar, deu ao órgão as características que conhecemos hoje, poderia ser chamada de ‘profeta’ em matéria de música”, afirmou Dr. Plinio Corrêa de Oliveira.
Como explica Monsenhor João Clá, “a função fundamental do profeta não é a de prever o futuro, mas sim a de ser guia do povo e apontar-lhe o rumo de sua trajetória”.[1]
“Toda alma tem, com variantes, um ‘órgão metafísico’ para tocar em função do universo, e a descoberta desse ‘órgão’ é o fim da nossa vida. Quando descobrirmos isso, estaremos prontos para o Céu.
“A Santa Igreja tem algo por onde ela relaciona os homens à maneira dos tubos de um órgão. Por isso, a Igreja Católica, bem constituída e vista na sua inteira normalidade, pode ser comparada a um imenso órgão ou a um imenso vitral, porque o vitral faz com as cores o que o órgão realiza com os sons; é o mesmo princípio aplicado em matéria cromática.
“Trata-se, portanto, de formar uma visão da ordem temporal sacral, dentro da ordem do universo na qual o homem se encaixa, iluminado por este lumen uno da Igreja, que ela soube exprimir através do órgão e do vitral. […]
Tapeçaria da Catedral Nossa Senhora de Bayeux
“Em Pentecostes uma chama baixou e depois se dividiu em várias línguas de fogo. Assim também, o unum dessa graça estaria nessa chama originária, que depois se transformou nos vários tubos de um órgão ou nas várias cores de um vitral. […]
“Este é o unum do órgão, que é o mesmo do vitral: são representações sensíveis de Deus, motor imóvel. O órgão tem uma forma de beleza própria à polifonia, diversa da beleza austera do cantochão. Entretanto, o canto gregoriano e o órgão não se contradizem, ambos são sublimes.
“Por outro lado, vejo no órgão o mesmo que na ogiva e em outras coisas da Idade Média: uma ordem magnífica.
“Nem tudo o que é humano, nesta Terra, é sublime, mas o órgão seleciona, dentre os sons humanos e terrenos, os sublimes, procurando elevá-los a um estado paradisíaco. O estilo gótico, por sua vez, busca o mesmo em matéria de arquitetura”. [2]
Além dos vitrais, do órgão e das imagens, as igrejas possuíam outros ornamentos: coro, estalas – trabalhados em madeira –, retábulos, missais, saltérios com lindas caligrafias e miniaturas.
Algumas tinham tapeçarias colocadas ao longo das paredes das naves. Exemplo característico é a existente na Catedral Nossa Senhora de Bayeux, Norte da França, bordada no século XI, que descreve fatos da Inglaterra ocorridos desde o final do reinado de Santo Eduardo, Confessor, até o domínio dessa nação por Guilherme, o Conquistador.
Com 70 metros de comprimento, essa tapeçaria representa 623 personagens e grande número de animais, fortalezas, navios.
“Todo o ornamento de estátuas, baixos-relevos e vitrais, com suas inúmeras figuras, era concebido e regulamentado pelo clero, como um ‘ensino pela imagem’, uma suma (ou resumo) da Teologia e até mesmo da ciência humana, onde o povo vinha se instruir”.[3]
Manifestações de alegria nas praças públicas
O senso do maravilhoso que havia nessa época era fruto da graça divina. Além das catedrais, muitas obras eram feitas com espírito sobrenatural para o serviço de Deus.
Um castelo é a residência de uma família feudal e, ao mesmo tempo, a defesa dessa família e da população, do burgo vizinho, contra possíveis agressões de maometanos, de bárbaros. Essa era sua finalidade natural.
Mas as torres, ameias, barbacãs, o fosso e a ponte levadiça dão uma impressão sobrenatural, proporcionada pela graça, devido ao fato de que o castelo simboliza extraordinariamente bem a virtude da fortaleza, enquanto praticada por amor de Deus.[4]
Alguém poderia pensar que, no ambiente de seriedade criado pelas catedrais e castelos, não cabia um sorriso, uma alegria, uma manifestação de contentamento.
“Nada é mais falso do que isso. Quem conhece o bê-á-bá a respeito da Idade Média sabe dos grandes festins que a caracterizaram. Não só os festins aristocráticos nos castelos e nas residências reais, mas também as grandes festas populares, em que, por exemplo, nas praças públicas da cidade, algumas fontes jorravam vinho horas seguidas, por conta do rei ou do senhor feudal; ou, mais modestamente, jorravam leite; em que se levavam bois inteiros para a praça pública, onde eram organizados churrascos, em torno dos quais a população dançava.
“E, para terminar a festa, o senhor do lugar jogava peças de ouro a mancheias para o povo, que as apanhava para fazer compras no pequeno comércio dos arredores, sobretudo de comes e bebes.
“Entretanto, havia mais do que essa alegria magnífica das festas. Existia um sorriso da vida de todos os dias, uma beleza inocente e cândida do contato das almas nas ocasiões normais da vida, que podemos apreciar bem nas iluminuras medievais” e nos vitrais.
Cerimônias magníficas nas catedrais
Naquele tempo, a Igreja Católica “realizava cerimônias magníficas e com pompa extraordinária, sobretudo nas grandes catedrais, em cujos vitrais penetrava a luz do Sol enquanto a Missa se desenrolava na capela-mor da igreja,
com belos paramentos, o órgão tocando, o povo ajoelhado, o incenso
perfumando todo o templo.
“Dir-se-ia que nessa pompa não caberia intimidade. Mas é o contrário. Se houve época em que os homens sentiram a sua intimidade com Deus, a misericórdia, a bondade, a afabilidade, essa época foi a Idade Média. E mil contos dessa época histórica, alguns talvez fantasiados, mas muitos deles, no total, verdadeiros, celebram, por essa forma, a extraordinária amenidade de Deus, de seus Anjos e Santos, sobretudo de Nossa Senhora, Rainha de todas as virtudes, e, portanto, Rainha também da materna e régia amenidade para com seus fiéis”.[5]
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] CLÁ DIAS, João Scognamiglio. EP. O inédito sobre os Evangelhos. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana; São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae. 2012, v. VI, p. 147.
[2] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. O órgão, o vitral, a ogiva. In Dr. Plinio. São Paulo. Ano XVIII, n. 206 (maio 2015), p. 32-34.
[3] AIMOND, Charles. Le Moyen Âge. Paris: J. de Gigord. 1939, p. 238.
[4] Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Ó Igreja Católica! In Dr. Plinio. Ano XXI, n. 239 (fevereiro 2018), p. 32.
[5] Idem. Régia amenidade. In Dr. Plinio. Ano XIV, n. 164 (novembro 2011), p. 32-34.
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