O Menino Jesus nasceu mesmo no dia 25 de dezembro?

Há muitos séculos se comemora no dia 25 de dezembro uma das mais insignes solenidades do Cristianismo. Contudo, terá sido de fato neste dia o Nascimento do Menino Deus?

Redação (24/12/2022 15:02, Gaudium Press) Mesmo sendo celebrada no dia 25 de dezembro em quase todo Orbe – exceção feita de algumas comunidades orientais[1] – a festa do Natal e sua data envolveram grandes discussões e controvérsias na História da Igreja.

Começaram a surgir hipóteses…

Entre os primeiros cristãos não havia o costume de comemorar o dia do nascimento para esta vida – nosso conhecido “aniversário” – mas apenas o “dies natalis”, isto é, o dia em que se entrava na pátria definitiva, recordando a vitória de Jesus Cristo sobre a morte e o pecado. Talvez seja este um dos motivos pelos quais a origem das festas natalinas nos seja desconhecida. Sabemos apenas que sua difusão se deu em meados do século IV.

A primeira celebração oficial do Natal no dia 25 de dezembro deu-se em 354 pelo Papa Libério, influenciado por São João Crisóstomo e São Gregório Nazianzeno. Contudo, a fixação definitiva desta data só ocorreu em 529, quando o Imperador Justiniano a declarou como dia festivo. Pela falta de informações precisas sobre o dia em que de fato se deu o Natal de Cristo, começaram a surgir hipóteses…

O dia do “Sol Invicto”

Uma das teorias largamente difundida foi a do dia do “Sol Invicto”. Em 274, o imperador Aureliano havia levantado em Roma um templo ao Sol Invicto – Mitra, o vencedor das trevas – cuja inauguração ocorreu no dia 25 de dezembro.[2] A Igreja, como fez em diversas ocasiões, teria indicado aos pagãos que neste dia deviam celebrar o nascimento de um outro sol: o “Sol iustitiae”, profetizado por Malaquias (cf. Mal 14,2), que vinha ao mundo para iluminar os dias de trevas em que a humanidade vivia.

Há, contudo, objeções a esta hipótese. Em primeiro lugar, a falta de relatos dos eclesiásticos da época, que certamente comentariam esta grande novidade na Igreja, põe em dúvida a teoria. Ademais, a psicologia dos primeiros cristãos não nos leva a deduzir que transformariam o dia de uma festa pagã em um dia que marcaria a solenidade de um mistério central no Cristianismo. Por estes e outros motivos, diversos autores, entre os quais Joseph Ratzinger, afirmam que nos dias atuais estas teorias são insustentáveis[3] e defendem outra mais simbólica.

Da Criação à Redenção

Na Antiguidade, os simbolismos que cercavam mistérios da História humana eram tomados com grande atenção pelos povos.[4] Entre os primeiros cristãos, a tradição permaneceu. Acreditavam que a Criação do Universo teria se dado no dia 25 de março; por conseguinte, a nova Criação, consumada no Calvário pela Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo, também deveria se dar em um 25 de março. Na perfeição de sua natureza, Ele só poderia ter vivido neste mundo um número perfeito de anos e, portanto, ter se encarnado também em 25 de março. Tomando em consideração que sua gestação se dera em um número de meses perfeitos, conclui-se que seu nascimento ocorreu no dia 25 de dezembro.

Muito mais bela é esta teoria sustentada por Bento XVI. Porém, a carência de dados que comprovem historicamente estas datas podem levá-la à incerteza. Assim, dados mais precisos seriam encontrados e comprovados em estudos do século XX.

Uma data verdadeiramente histórica

Tomando como base das investigações os quatro Evangelhos, os exegetas procuraram alguma data que indicasse o nascimento do Messias, informação que carece em todos eles. A única menção que possuímos são as palavras do Arcanjo na Anunciação: “Também Isabel, tua parenta, até ela concebeu um filho na sua velhice; e já está no sexto mês aquela que é tida por estéril” (Lc 1,36). E foi a partir deste dado que começaram os cálculos.

Somando aos seis meses da gestação de Santa Isabel os nove meses desde a Anunciação do Anjo, conclui-se que Jesus veio ao mundo quinze meses após a concepção de São João Batista. Assim, descobrindo quando se deu esta concepção, encontraríamos a data do nascimento do Salvador. Ora, pela Escritura podemos intuir esta data.

Estando Zacarias em função no templo “Apareceu-lhe então um Anjo do Senhor, em pé, à direita do altar do perfume. […] Mas o anjo disse-lhe: ‘Não temas, Zacarias, porque foi ouvida a tua oração: Isabel, tua mulher, dar-te-á um filho, e chamá-lo-ás João” (Lc 1,11.13). Os sacerdotes serviam ao templo duas vezes ao ano por uma semana, e Zacarias pertencia ao turno de Abias, isto é, ao oitavo turno.[5] Seu serviço se dava, portanto, nos fins de setembro, época em que também ocorriam as festividades do Yom Kippur – o “dia da expiação” – e cuja tradição diz ser a festa durante a qual Zacarias ajudava no Templo.

Assim, somando-se a este fato seis meses, obtemos a época da Anunciação a Nossa Senhora (provavelmente, 25 de março); nove meses, o Nascimento de São João Batista (24 de junho) e quinze meses, o Nascimento de Jesus nos fins de dezembro.

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Mesmo diante de diversas teses e hipóteses, comprovamos que longos dois mil anos não conseguiram apagar a memória do único fato que dividiu a História. A cada Natal nos é dado não somente recordar, mas de fato reviver aquela sublime noite em que uma “luz brilhou para o mundo” (cf. Jo 1,9).

Roguemos ao Divino Infante que, por intermédio de sua Santíssima Mãe, faça esta Luz vencer todas as trevas que dominam nosso mundo de incertezas e apreensões.

Por Henrique Soares

[1] Onde o Natal é celebrado no dia 6 de Janeiro – solenidade da Epifania – por uma antiga tradição oriental. Cf. BRADSHAW, Paul. La liturgie chrétienne en ses origines: sources e méthodes. Trad. Jean Laporte. Paris: Du Cerf, 1995, p. 227.

[2] Cf. RIGHETTI, Mario. Historia de la liturgia. 2. ed. Madrid: BAC, 1955, v. 1, p. 689.

[3] Cf. RATZINGER, Joseph. El espíritu de la liturgia: Una introducción. Trad. Raquel Canas. Madrid: Cristiandad, 2001, p. 130.

[4] Ibid., p. 131.

[5] Cf. LEAL, Juan. PARAMO, Severiano del. ALONSO, José. La Sagrada Escritura. Madrid: BAC, 1964, v. 1, p. 536.