Numa noite mística… nasce o Salvador da humanidade!
Na noite de Natal, ao se iniciar a Missa do Galo, o Menino Jesus nasce mística e liturgicamente – assim como há mais de dois mil anos em Belém –, e virá a nós sacramentalmente, no Mistério Eucarístico. Eis uma excelente ocasião para meditarmos sobre a atmosfera de graças que pairava no Presépio quando “Maria deu à luz o seu Filho primogênito”.
Redação (23/12/2024 18:43, Gaudium Press) Em relação ao nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, a mais bela cena que possamos imaginar sempre será inferior ao que de fato se passou, porque nossa mente jamais atingirá a plenitude infinita da inteligência divina que planejou tudo da maneira mais perfeita. Seria uma blasfêmia pensar que Deus Pai, tendo arquitetado desde toda a eternidade a vinda de seu Filho ao mundo, tenha sido displicente!
Caberia aqui uma pergunta: então, por que escolheu Ele uma gruta? Para benefício da humanidade e glória de seu Unigênito, Deus quis deixar bem acentuado o contraste entre os aspectos humanos e os divinos do Natal, a fim de evitar que prestássemos maior atenção naqueles do que nestes. Depois do pecado original, nossa natureza tornou-se tão rude, que se o Menino Jesus nascesse num palácio suntuoso, muita gente se deteria para admirar o edifício e relegaria o Salvador a um segundo plano. A gruta, o boi e o burro, e até mesmo a ausência de testemunhas, além de Maria e José, foram elementos providenciais para fazer brilhar de modo especial a divindade de Cristo.
Não havendo uma descrição mais detalhada da cena, nos é permitido compô-la valendo-nos de nossa imaginação. Meditemos sobre São José, varão assistido por graças especialíssimas, inerentes à sua elevada missão, e talvez também pelo discernimento dos espíritos. Em certo momento ele percebe que Nossa Senhora está entrando em contemplação e, aos poucos, Se desprende da sensibilidade terrena.
Neste extraordinário recolhimento, Ela Se abstrai de todas as coisas ao seu redor: tanto podia ser uma gruta quanto um palácio, um berço de ouro ou uma manjedoura. O importante, isto sim, é a divindade do Menino que está em seu seio puríssimo e em contato com Ela, a Lhe dizer, quase Se lamentando, que em breve abandonará tão amado tabernáculo para repousar nos seus braços virginais. Claro está, Ele nunca cessará de favorecê-La e de ter um altíssimo relacionamento com Ela.
Assim, cada vez mais envolta no mistério da Encarnação e nascimento do Verbo Eterno – um dos principais mistérios de nossa Fé –, a Santíssima Virgem está ansiosa por ver a fisionomia de Deus feito Homem, sendo Ela a única criatura na face da terra que poderá chamá-Lo Filho e, ao mesmo tempo, adorá-Lo com todas as forças de sua alma. É Ela a única Mãe que pôde fazê-lo em relação ao seu próprio Filho sem cair em idolatria, e até, pelo contrário, como ato de perfeição.
Em vista disso, a adoração tributada por Nossa Senhora ao Menino Jesus, no primeiro instante em que seu olhar pousou sobre Ele, foi maior do que a soma de todos os atos de adoração prestados pelo conjunto dos Anjos e dos Bem-Aventurados e pelos homens no curso da História, até o fim dos tempos.
É de se conjecturar que tudo isso tenha criado um clima tão elevado dentro da gruta, que as lâmpadas materiais dispostas para alumiar o ambiente se tenham tornado inúteis… Uma luz indescritível devia emanar da Virgem Santíssima!
São José contempla, cheio de júbilo, aquela luz que, tênue no início, vai aumentando de intensidade. E ele entende perfeitamente, em virtude de sua incomparável fé, que o Criador do Sol e das estrelas não poderia nascer nas trevas. Cristo é a Luz que vem ao mundo e, ainda no claustro materno de Maria, ilumina a gruta como se ali brilhasse o Sol do meio-dia. Aliás, talvez seja esta uma das razões pelas quais a gruta tenha sido um elemento indispensável… Para conter um pouco este fulgor, pois, do contrário, causaria assombro em todo o orbe terrestre!
E São José fica tão encantado e entusiasmado, tão tomado por graças eficazes, que, à semelhança de sua Esposa santíssima, já não se importa mais com as circunstâncias precárias que o circundam.
Ora, se os Anjos cantaram para os pastores, por que não o teriam feito também para São José quando nasceu o Menino Jesus? É evidente! E se a Natanael Nosso Senhor prometeu: “Vereis o Céu aberto e os Anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (Jo 1, 51), por que São José não veria os coros angélicos unindo a gruta ao Céu?
Ele nos trouxe a salvação!
Se, por um lado, é difícil formarmos uma ideia acertada da situação da humanidade antes da Encarnação do Verbo, por outro, basta ter experiência da ação da graça para conceber que, pelo simples fato de nascer, Nosso Senhor Jesus Cristo outorgou ao mundo um benefício incalculável. Ao analisarmos a História, comprovamos quão eficaz é a influência de um santo na sociedade. Ora, o que terá significado o nascimento do Santo, com “S” maiúsculo, Santo por essência, Deus, Criador e Redentor nosso! Se Jesus oferecesse ao Pai um sorriso, um movimento de braço, um pestanejar ou um ato de vontade, em reparação pelos nossos pecados, seria suficiente para operar a Redenção. Por isso, a chegada do Salvador, de si, rasgou a obra de satanás que dominava a Antiguidade e reprimiu a projeção que o mal tinha sobre a terra até então.
Jesus nos fortalece para mudarmos de vida
O ensinamento dado pela graça penetra com vigor no mais fundo da alma e, fazendo-nos amar o que entendemos, nos torna aptos a praticá-lo. A mudança que Nosso Senhor Jesus Cristo introduziu na face da terra é, pois, impossível de ser abarcada por nossa inteligência! Precisaríamos ter olhos divinos para contemplar todo o processo histórico depois do pecado original, desde Adão e Eva até o nascimento do Redentor, e, a partir daí, a irradiação da graça ensinando e incutindo fortaleza às pessoas para mudarem de mentalidade.
Neste século XXI, em que o mal se estadeia nos galarins do mundo e prolifera com dinamismo e delírio avassalador, Jesus continua a realizar sua missão, pois à sua obra não se aplicam as leis da botânica, pelas quais, plantada a semente, o vegetal cresce, dá frutos e, completado seu desenvolvimento, começa a definhar. Na árvore divina semeada pelo Salvador, isto é, a Igreja, sempre desabrocharão novas maravilhas, e cada vez mais potentes. A terrível decadência que hoje constatamos na humanidade é para nós sinal de que haverá em nossos dias uma grande manifestação do poder de Deus, sem precedentes na História. A Redenção operada no Calvário produzirá frutos mais excelentes e numerosos agora do que no tempo em que foi consumada.
Esta é a impostação de alma com que devemos considerar o Natal: muita esperança – e, por que não dizer, certeza! – de que o Menino Jesus nos quer conceder, a cada um de nós, a força para abraçar o bem. Portanto, não nos preocupemos com a nossa fraqueza, porque quanto maior ela for, maior será a ação d’Ele sobre nós. Somos um campo onde Nosso Senhor Jesus Cristo vai demonstrar seu poder! Quando olhamos para o Divino Infante representado nos Presépios, vemos de um lado a debilidade da natureza humana e, de outro, sua onipotência. Assim também nós: somos receptáculo do poder de Deus, que Se manifesta, sobretudo, em nossa miséria e nosso nada. Enchamo-nos, pois, de júbilo e confiemos na voz do Anjo que proclama: “Eu vos anuncio uma grande alegria”!
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 240, dezembro 2021. Por Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP.
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