Nossa Senhora de Guadalupe: evangelização das Américas
Convido o leitor a contemplar o primeiro grande sinal dado por Deus para o continente americano quando começava a se abrir à ação evangelizadora da Igreja: as aparições de Nossa Senhora de Guadalupe, cuja festa é celebrada hoje, dia 12 de dezembro.
Redação (12/12/2023 07:52, Gaudium Press) A Fé, a História e a própria ciência nos ajudarão a penetrar nos ricos significados deste sinal dos tempos, através do qual Maria Santíssima nos revela aspectos maravilhosos e até então incógnitos de sua maternal misericórdia.
Chegada dos espanhóis ao México
No Novo Continente, além-mar, a idolatria reinava entre os ameríndios, e não uma qualquer! A exacerbação do ódio, da vingança e da rivalidade disseminava-se nas mentes e externava-se em totens e divindades famintas de sacrifícios humanos. Somava-se a isso a devassidão moral, o roubo, a guerra ininterrupta e outras tantas tendências.
Um quadro pintado com tais tonalidades foi o que encontraram os espanhóis que, no dia 22 de abril de 1519, desembarcaram no território do Império Mexica ou Império Asteca, cuja capital era a imponente cidade de Mexihco-Tenochtitlán, na época com “cerca de duzentos e cinquenta mil habitantes”.
O desembarque dos homens brancos no litoral mexicano – trajados de negro naquela ocasião por ser Sexta-Feira Santa – foi associado imediatamente ao cumprimento de certas profecias legadas pelos ancestrais dos nativos, as quais anunciavam o retorno de Quetzalcóatl – um deus que se vestia de negro e não aceitava servir-se de carne humana – que, em tempos remotos, partira mar afora, prometendo voltar para assumir o reino.
Por isso, os desbravadores foram recebidos como verdadeiros embaixadores daquela divindade, mais por medo que por reverência.
Abre-se uma nova etapa da História
Passado algum tempo, porém, circunstâncias imprevistas reverteram a situação… Da noite para o dia os astecas tornaram-se hostis, obrigando os espanhóis a recuarem para as cidades indígenas aliadas.
Naquela conjuntura, uma epidemia de varíola dizimou sem piedade a população, poupando apenas certa minoria que ficou mais morta do que viva. Os espanhóis aproveitaram a ocasião para cercar a imensa capital, ajudados pelas tribos amigas, e conseguiram tomar a cidade, encerrando a história do império e consolidar a nova etapa que se abria: a união do europeu com o nativo americano.
Contudo eles não estavam sozinhos… a própria Mãe de Deus assumira para Si esta tarefa! E a primeira intervenção visível d’Ela, reconhecida pela Igreja, foi precisamente a aparição de Guadalupe.
Uma resplandecente Donzela
Cuauhtlatoatzin – Águia que fala, em língua náhuatl – era o nome de um indígena nascido em 1474, na cidade de Cuauhtitlán, aliada dos espanhóis na luta contra os astecas e localizada a vinte quilômetros da capital.
Casara-se ele com uma nativa de nome Malintzin e, em 1524, com o Santo Batismo recebera o nome cristão de João Diego, e ela, o de Maria Lúcia. Contava cinquenta e sete anos, e era já viúvo, quando se deu o grande acontecimento de sua vida, na aurora de um sábado, dia 9 de dezembro de 1531.
Caminhava pressuroso rumo à Cidade do México para instruir-se na doutrina católica e assistir à Santa Missa, quando, ao passar pelo cerro Tepeyac, ouviu belos cantos de pássaros, como prelúdio de uma voz arrebatadora que o chamava com ternura: “Juanito, Juan Dieguito!” Longe de ter medo e procurar esconder-se, sentiu seu inocente coração transbordar de alegria e subiu ao alto do outeiro à procura da origem daquela voz.
Relata o Nican Mopohua que ele se deparou com uma Donzela resplandecente como o sol, em pé sobre rochedos reluzentes quais joias preciosas. A terra apresentava as cores do arco-íris e na vegetação brilhavam as tonalidades do jade, do ouro e da turquesa. Era a Virgem Mãe de Deus que chamava para junto de Si seu humilde servo, a fim de incumbi-lo da missão de comunicar ao Bispo do México seu desejo de que naquele local fosse construída uma “casinha sagrada”, pois ali desejava erigir um pedestal para glorificar seu diletíssimo Filho.
Frei Zumárraga exige um sinal
João Diego compareceu diante de Frei João de Zumárraga, ao qual expôs tudo quanto Nossa Senhora lhe revelara. O prelado nem lhe deu atenção naquele dia…
Desolado, retornou ao Tepeyac, para manifestar à Mãe Celestial sua incapacidade de desempenhar a missão que Ela lhe confiara. Não obstante, a Santíssima Virgem o encorajou a voltar à presença do Bispo e apresentar-lhe novamente o pedido do Céu.
No dia seguinte, domingo, João Diego transmitiu mais uma vez a Frei Zumárraga a mensagem. Este ficou impressionado com a insistência, a coerência e os detalhes do relato das aparições, mas não se deixou convencer: exigiu um sinal para lhe confirmar a autenticidade. O enviado de Maria assentiu sem dificuldade e lhe perguntou o que desejava. Um tanto inseguro diante da tranquilidade do indígena, Frei Zumárraga o despediu sumariamente.
João Diego regressou ao Tepeyac e comunicou à Senhora a exigência da autoridade eclesiástica. Ela lhe respondeu:
— Muito bem, meu filhinho. Retornarás amanhã à cidade para levar ao Bispo o sinal solicitado. Estarei aqui à tua espera.
Duas missões que se complementam
Ao entrar em casa, João Diego encontrou seu tio João Bernardino mal à morte, atacado de súbita doença. Todos os esforços para levá-lo a recuperar a saúde mostravam-se inúteis. Na madrugada de terça-feira partia em busca de um sacerdote que lhe administrasse os últimos Sacramentos.
Duas missões bastante diferentes marcavam a viagem: colher o sinal celeste de uma história que se iniciava e socorrer em seus derradeiros momentos um homem que agonizava. Por este prisma, João Bernardino bem poderia personificar um continente que fenecia nas trevas do pecado, sem meios humanos de salvação, mas ao qual estava sendo dado, com o luminoso auxílio da Virgem Santíssima, um sinal para salvar-se, com vistas a um futuro marcado pela fé!
A caminho da cidade, João Diego evitou passar pelo local onde três vezes encontrara Nossa Senhora, receoso de não ter tempo suficiente para executar as duas tarefas. Tomou um atalho, decidido a subir ao Tepeyac somente à tarde. Perturbado pela dor e pelo drama, nem pensou na ideia de pedir-Lhe um milagre…
Ela, todavia, conhecendo os desvios da vida humana, apareceu-lhe no trajeto, perguntando aonde se dirigia. João Diego caiu de joelhos, cumprimentou-A carinhosamente e expôs-Lhe a amarga situação que o estava impedindo de cumprir o celestial desígnio, ao que replicou a bondosa Dama:
— Ouve e grava em teu coração, ó menor de meus filhos: que nada te assuste nem te aflija; não se perturbe o teu coração; não temas esta nem qualquer outra enfermidade ou angústia. Não estou Eu aqui, tua Mãe? Não estás sob minha proteção? Não sou Eu a fonte de tua alegria? Não repousas feliz em meus braços? Tens acaso necessidade de alguma coisa mais? Não te aflijas pela doença de teu tio, ele não morrerá. Não duvides de que ele já está curado.
Milagres ricos em significado
Naquele instante – como depois se soube –, Ela apareceu também a seu tio e o curou. Mandou então João Diego ir colher no alto do cerro várias flores que ali encontraria e trazê-las à sua presença. Lá chegando, viu estupefato grande variedade de perfumadas rosas de Castela, fora de tempo; apressou-se a colhê-las, as envolveu em sua rústica tilma e as levou a Nossa Senhora. Esta as recolocou ordenadamente no manto do bom índio, que logo partiu para entregá-las ao Bispo.
Após longa espera, foi enfim recebido por Frei Zumárraga. Pôde então relatar todo o sucedido e dar-lhe o sinal enviado por Maria. Abriu a tilma, da qual caíram rosas em profusão e floresceu um milagre mais estupendo: mãos invisíveis haviam estampado nela a imagem da Santíssima Virgem, tal como Se apresentou naquele dia no Tepeyac e pode ser hoje venerada na Basílica de Guadalupe.
Produziam-se, assim, dois milagres complementares e muito ricos em significado. Naquele contexto histórico, o restabelecimento da saúde do venerável ancião representava a cura da humanidade e uma radical mudança na história do continente. A imagem miraculosamente estampada na tilma indicava que Maria entrava de corpo inteiro, de forma mística, na evangelização das Américas, merecendo ser proclamada pelos Papas, já em pleno século XX, Imperatriz e Padroeira deste Novo Continente.
Quais terão sido os seus pensamentos de João Diego durante os últimos anos de sua vida, ao se recolher numa ermida no alto do Tepeyac? Talvez ele passasse contemplando as maravilhas da graça que Maria prometera derramar sobre nosso continente, que então nascia para a Fé, vislumbrando o futuro esplendoroso e mariano que viria, e para o qual nunca deixou de olhar!
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 177. fevereiro 2018. Por Diác. Sebastián Correa Velásquez, EP.
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