Nós éramos como Deus!
A comunhão nos eleva, nos diviniza, nos deifica, tornando-nos partícipes da natureza do próprio Deus.
Redação (06/07/2020 10:00, Gaudium Press) À medida que a humanidade se afunda gradualmente na incerteza e não se vislumbra como e quando as coisas vão seguir seu caminho, os direitos das pessoas são enfraquecidos e a barbárie ganha as ruas -nos Estados Unidos e em outros lugares-, voltemos nossa atenção para verdades transcendentes e oxigenemos a alma.
O relato da queda dos nossos primeiros pais após a tentação da serpente, afeta profundamente os fiéis, embora não a certos tipos de “católicos” que pensam, como os incrédulos, que se trata de uma fábula ou de uma história simbólica. Nós que acreditamos na veracidade do Gênesis damos crédito ao texto sagrado e o assunto nos interessa sobretudo por estar na origem de nossa história, condicionando assim o curso de nossas vidas.
O pecado original
Sobre o pecado original, à primeira vista e sem maior aprofundamento, a coisa nos parece clara, fatalmente clara. No entanto, podemos equivocar-nos no juízo…
Deus criou Adão a partir do barro desta terra e depois o colocou no Paraíso, um lugar maravilhoso que estava acima da nossa natureza. E ali, de sua costela, formou a mulher, Eva. A misericórdia de Deus fica patente ao nos criar por pura liberalidade, fazendo-se depois ainda mais luminosa sua bondade ao nos colocar em um lugar de delícias. Deus criou o homem, diz Santo Irineu de Lyon, não porque precisava, mas para ter em quem depositar seus benefícios!
Entre parênteses, uma concepção errada de nossas origens faz com que muitos antropólogos, cientistas e outros “sábios” decretem que viemos das cavernas. Na verdade, viemos das excelências do Paraíso, só que, por causa do pecado, houve posteriormente terríveis declínios nos indivíduos e nos povos que os levaram a tristes estados de barbárie.
Ao falar da desobediência original, as pessoas geralmente se arrependem do que aconteceu – há razões para isso – mas sem matizes, deixando de considerar algo tão essencial quanto os benefícios que isso nos trouxe … o pecado. Sim, o pecado nos trouxe benefícios! Basta pensar na Encarnação e na fundação da Igreja!
Este tema é apaixonante, embora não seja muito apropriado para um pequeno artigo do tipo que publicamos todos os meses. No entanto, uma breve reflexão pode ser esboçada para “abrir o apetite”, pois a matéria está intimamente relacionada com a Eucaristia.
Deus se faz homem e se entrega na Eucaristia
Um antigo livro editado em Paris em 1876 pela Librairie Ch. Puissielgue “Les Trésors de Cornelius a Lapide”, escrito pelo Abbé Barbier, recolhe preciosos comentários sobre as Sagradas Escrituras, extraídos do famoso teólogo jesuíta flamenco dos primeiros tempos da Companhia, Cornélio a Lápide. Em um trecho diz:
“O primeiro homem queria se tornar Deus; não podia, e cometeu um crime. O que Deus fez em sua sabedoria e misericórdia? Disse a si mesmo: O homem queria ser Deus e não podia. Foi um pecado para ele o ter pretendido. Vou encontrar uma maneira de satisfazer o desejo do homem, sem que ele tenha culpa. Eu me tornarei homem e me entregarei a ele na Eucaristia; e, fazendo-me homem, o homem se fará Deus; me comendo, viverá de Deus, será Deus. De fato, o que disse a serpente se tornou realidade. Inconscientemente, ela profetizou, sem querer, a futura elevação do homem à divindade. “Sereis como deuses se comerem desse fruto”, disse ela aos nossos primeiros pais (Gn 3, 5). Satanás, acreditou enganar o homem, mas na realidade enganou a si mesmo! Sim, o homem será Deus, não comendo o fruto do paraíso terrestre, mas comendo na Santa Mesa, no jardim da Igreja, o fruto divino do paraíso celestial”.
Com límpida e encantadora lógica, explica-nos como Deus depois do pecado nos obteve um bem muito maior para a vida, já tão excelente, do Paraíso. Claro! Como o homem poderia definitivamente arruinar o plano divino? Deus, que sempre tem a última palavra, encontrou uma maneira de, por assim dizer, se superar. E se por uma mordida -o fruto proibido- nos veio a ruína, por outra mordida -o Pão da Vida- nos foi devolvida a graça e a salvação nos foi dada.
A Eucaristia diviniza o homem
A comunhão nos eleva, nos diviniza, nos deifica, tornando-nos partícipes da natureza do próprio Deus. É tão íntima a união que propicia a Eucaristia entre a criatura e o Criador que, se os Anjos pudessem sentir inveja, eles nos invejariam pela Sagrada Comunhão. Eles tão cheios de dons e confirmados na graça!
Porque ao receber o alimento eucarístico, é o Senhor que nos transforma, e não nós ao alimento como acontece quando se ingere qualquer comida. Cristo não transmuta em nossa substância, mas nos transforma na sua, é algo maravilhoso!
No Paraíso, nos relata o Gênesis, Deus “andou pelo jardim na hora da brisa” (Gn 3, 8), Maravilha! Mas aqui, na terra, aconteceu algo muito melhor e muito superior: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Uma coisa é vir de visita, passear e depois ir embora. Outra é acampar, estabelecer-se, encarnar-se em nossa natureza e – como se isso não bastasse – dar-se em alimento! Então, o que é melhor? O Éden com suas delícias – entre as quais as visitas de Deus – ou esta terra de exílio com um Deus tão próximo e tão íntimo?
Certa vez, Monsenhor João Clá, fundador dos Arautos do Evangelho, apresentou esta ideia em uma homilia. Depois do pecado, dizia, Deus colocou um Anjo na porta do Paraíso para impedir a entrada; mas, como conseqüência da Redenção, deu a um homem, a Pedro, as chaves das portas do Reino dos Céus e o poder de atar e desatar. Oh feliz culpa que nos mereceu tantos bens!
“Que bem ao mundo não deu / a encarnação amorosa / se ainda a culpa foi ditosa / por tê-la ocasionado!” canta um hino da Liturgia das Horas. E sim, a serpente maldita, o pai da mentira, teve razão: nós éramos como Deus!
Mairiporã, Julho de 2020.
Por Padre Rafael Ibarguren EP – Assistente Eclesiástico das Obras Eucarísticas da Igreja.
Traduzido por Emílio Portugal Coutinho.
Deixe seu comentário