Não retire a cruz dos ombros do seu filho
O que seria da humanidade se Maria tivesse retirado a cruz dos ombros de Nosso Senhor? Com a sua atitude firme, humilde e desprendida, Ela deu o seu sim pela segunda vez. A primeira, quando o Arcanjo Gabriel lhe anunciou que seria a Mãe do Filho de Deus, a segunda, quando permitiu que o seu Divino Filho fosse crucificado.
Redação (24/09/2023 09:37, Gaudium Press) Na semana passada, vivi uma situação inusitada, que me levou a uma profunda reflexão. Voltando da comemoração de um aniversário, dei carona para uma pessoa da minha família. O transcurso se dava normalmente até que perguntei para a minha parente como estava o seu filho. Ela começou a falar sobre o rapaz e, de repente, começou a chorar convulsivamente, reclamando de uma forte dor no estômago, seguida de formigamento no braço e mal-estar generalizado.
Foi algo que aconteceu muito rápido, como uma explosão e, do choro, a mulher passou aos gritos, deixando-me numa situação difícil. A outra pessoa que nos acompanhava – e que estava indo para um compromisso de trabalho – rapidamente conseguiu o endereço de um pronto-socorro na região em que estávamos e que atendia o convênio desta nossa familiar.
Como estávamos perto do local de sua reunião de trabalho, eu a deixei e segui o trajeto até o hospital, com a mulher gritando no banco de trás. Minha preocupação era de que ela estivesse tendo um infarto ou um AVC, mas logo notei não se tratar disso, pois a cada sinal fechado ela esbravejava e também se mostrou muito irritada com a distância e com o trânsito ruim (era o horário do rush).
O filho sabia do que se tratava
Comecei a rezar em voz alta e pedi-lhe que me acompanhasse, o que ela não fez, apenas continuou esbravejando. Embora fazendo o possível para dirigir mais rápido e tentar chegar logo ao hospital, consegui avaliar que, se ela realmente estivesse tendo um AVC ou um infarto, não estaria sequer prestando atenção ao trânsito e presumi, mesmo sem ser da área médica, que, certamente, se tratava de um ataque de pânico ou ansiedade.
No pronto-socorro, acompanhei-a no atendimento e, em menos de cinco minutos, a médica confirmou a minha impressão diagnóstica: tratava-se de uma crise de ansiedade. O filho, já avisado pela pessoa que ficou na reunião de trabalho, vindo no contrafluxo, não demorou a chegar ao hospital, onde a mãe já tinha sido medicada e estava tranquila.
Depois de conversarmos um pouco, sozinhos, o rapaz me disse que sabia do que se tratava:
– Estou com problemas pessoais e minha mãe assume isso para ela, tenta me superproteger e se irrita se eu não ajo do jeito que ela quer. Eu só queria que ela me deixasse livre para resolver os meus problemas e que entendesse que, agindo assim, além de não me ajudar, ela ainda deixa a situação pior e a minha vida mais pesada e difícil do que já está.
Ninguém me entende!
Dois dias depois, recebi um telefonema dessa parente, supus que ela estivesse ligando para agradecer o socorro prestado e já me preparei para lhe dizer que isso era desnecessário, pois eu socorreria qualquer pessoa naquelas condições, quanto mais não o faria para uma familiar próxima. Ledo engano, a intenção dela não era agradecer, mas solicitar o meu apoio.
Despejou-me seus problemas: disse que seu filho era um ingrato, que ela estava fazendo tudo para ajudá-lo, dando bons conselhos, rezando, e que ele tinha sido duro com ela, que tinha pedido para que ela parasse de tentar ajudá-lo e que parasse até de rezar por ele. Indignada, disse que o filho lhe pediu para “deixar Deus em paz”. Quando ela começou a sugerir que eu me envolvesse no assunto e desse conselhos para o seu filho, que é um homem de 45 anos de idade, embora ela o trate como um menino, eu consegui ter presença de espírito para elogiar a atitude dele.
– Seu filho é muito maduro. Ele está correto nas coisas que lhe disse. Esse é um problema dele. A senhora viu em que situação ficou? Siga os conselhos da médica, se desligue dos problemas que não são seus.
– Ninguém me entende! Vocês estão todos contra mim! Ele me proibiu até de rezar por ele! Eu só quero o bem dele!
– Minha querida, a senhora sabe a estima que lhe tenho. A senhora é mãe e deve continuar rezando por ele, mas apenas peça a Deus que faça o que for melhor para ele e não o que a senhora acha que Deus deve fazer. Reze em silêncio e deixe Deus agir. O seu filho é adulto, esse problema é dele, não é seu.
Ela já começou a chorar e elevar o tom de voz:
– Mas você não entende, eu sou mãe…
A caminho do Calvário
Pedi desculpas e lhe disse em tom gentil, mas firme, que não ia me envolver nesse assunto, que estava aliviado por saber que a saúde dela estava bem e que o que acontecera dois dias antes não era nada grave. E encerrei a conversa.
Na manhã seguinte, ofereci o meu rosário a ambos, e, enquanto recitava os mistérios dolorosos, tive um momento de iluminação espiritual muito precioso. Veio-me à mente a incomparável dor de Nossa Senhora ao acompanhar, junto da multidão, o seu filho carregando a cruz a caminho do Calvário. Sendo Ela Mãe e, sobretudo, Mãe de Deus, imaginei o desejo que possa ter tido de se colocar no lugar do Filho e carregar a cruz para Ele.
No entanto, Ela se limitou a acompanhá-lO, com o coração sangrando a cada uma de suas três quedas, com o pranto lhe banhando o rosto ao ouvir os impropérios da turba que assistia àquele terrível acontecimento como quem assiste a um espetáculo circense. Todavia Ela se manteve em silêncio, ocupando o seu lugar, cumprindo o seu papel. Viu-O ser escarnecido, crucificado, receber vinagre ao pedir água, e não saiu dos pés da cruz até receber o Filho morto em seus braços.
Os dois “sins” de Maria
Não há notícias de que Ela tenha gritado, esbravejado, se revoltado ou sequer erguido os olhos ao Céu e perguntado: “Por quê?” Ela sabia que havia um propósito em tudo aquilo e, mesmo que não compreendesse todas as nuances do que estava acontecendo e do que ainda estaria por acontecer, sabia que estava se cumprindo o plano de Deus, por isso se limitou a sofrer em silêncio, deixando claro para o seu amado Filho que estava ali, inteiramente ao lado dEle, como esteve desde o momento da Anunciação.
O que seria da humanidade se Maria tivesse intervindo, se ela tivesse retirado a cruz dos ombros de Nosso Senhor? Com a sua atitude firme, humilde e desprendida, Ela deu o seu sim pela segunda vez. A primeira, quando o Arcanjo Gabriel lhe anunciou que seria a Mãe do Filho de Deus, e a segunda, quando permitiu que o seu Divino Filho fosse crucificado. Nossa Senhora permitiu a manjedoura e permitiu a cruz. Permitiu o nascimento e permitiu a morte. Desse modo, houve a ressurreição e cumpriu-se, inalterado, o plano divino de redenção do gênero humano.
Não adianta falar a quem não quer ouvir
Tive vontade de ligar para minha parente e dizer isso tudo a ela, mas, conhecendo-a e considerando o estado de teimosia e desequilíbrio em que se encontra, limitei-me a recomendá-la às mãos preciosas de Maria. Não adianta falar quando a pessoa não quer ouvir. Eu compreendo que o filho dela está sofrendo, mas é uma experiência pela qual ele necessita passar para sair mais forte do outro lado, para crescer como ser humano e se fortalecer na fé. Se ela continuar tentando impedir isso, vai acabar adoecendo de fato e tirará do filho aquela que pode ser a maior oportunidade de redenção que ele está recebendo na vida.
Gostaria que esta fosse uma história fictícia, mas, infelizmente, é uma história real, na qual, por excesso de zelo, uma pessoa que estava com a sua vida organizada, deixou que o caos entrasse em seu coração e está vivendo um calvário que não é o seu e, com isso, aumentando o peso da cruz que seu filho precisa carregar, o que seria bem menos sofrido se a mãe não interferisse tanto, tentando ajudar em um assunto que não lhe diz respeito e no qual ela não tem como ajudar.
Isso não é um ato de amor
Nossos filhos, por mais que os amemos, têm suas próprias vidas, fazem as suas escolhas, semeiam o que querem e não podemos colher por eles ou desejar que eles colham flores onde semearam ervas daninhas. É dolorido, mas é a realidade. Podemos ouvir, aconselhar com sabedoria quando solicitados, mas sem querer dar soluções de acordo com aquilo que achamos que é o certo.
Devemos mostrar-lhes que estamos ao seu lado, estamos na retaguarda, porque este deve ser o nosso papel de pais. E rezar por eles com desprendimento, porque a oração nascida do amor-próprio, muitas vezes nos coloca na condição de querer subornar a Deus para que Ele faça do nosso jeito e nos leva a uma grande frustração quando as coisas não saem como desejamos, abalando nossa própria fé.
Na vida, todos sofrem, inclusive nossos filhos. Querer tirar a dor deles ou sofrer no lugar deles não é um ato de amor, mas um impedimento que colocamos sobre eles. Ao tentar impedir que eles sofram, acabamos impedindo que eles cresçam, que eles se libertem e, muitas vezes, que eles se convertam.
Um pai ou uma mãe que tudo fazem para tirar a cruz dos ombros de seus filhos estão lhes proporcionando o pior, tornando-os fraco e pusilânimes. Não raro, querendo lhes dar o Céu na Terra, lhes tiram a oportunidade da salvação e os empurram diretamente para os abismos infernais.
Admitir que nossos filhos erram, que são humanos e que, portanto, precisam passar pela dor para crescer é a maior riqueza que podemos lhes dar. Se os pais e mães de todos os criminosos fossem para as cadeias cumprir pena no lugar de seus filhos, a Terra seria um lugar impossível de se viver. Amem os seus filhos, mas deixem que eles paguem pelos erros que cometeram.
Há coisas que só Deus pode fazer
O ideal é educarmos bem os nossos filhos, principalmente, educá-los na fé, dar-lhes ensinamentos morais, saber dizer “não” e não os poupar das reprimendas quando necessário. Feito isso, está cumprida a nossa missão, e só o que poderemos e deveremos fazer por eles é rezar e respeitar a vontade e a justiça de Deus em suas vidas.
Tirar a cruz dos ombros dos filhos é perdê-los e, em muitos casos, comprometer a nossa própria salvação.
Se não apresentamos Deus aos nossos filhos quando deveríamos, querer impor isso quando eles não estão mais sob as nossas asas é a maneira mais fácil de afastá-los da fé e da religião. Devemos confiar em Deus e demonstrar isso aos nossos filhos com nossas atitudes, com a retidão de nossas vidas e com nossos joelhos dobrados em oração.
Nunca devemos duvidar que Deus não desampara nenhuma de suas ovelhas, mas precisamos entender que as desgarradas, às vezes, precisam se machucar e gemer para que Deus possa ir ao seu socorro e as resgatar.
Há coisas que só Deus pode fazer e, por mais que amemos os nossos filhos, interferir nos caminhos de Deus só vai atrapalhar, porque os problemas deles são deles e, se não fazemos parte da solução, nos tornarmos parte do problema só os fará sofrer ainda mais.
Por Afonso Pessoa
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