Morre o bispo D. Casaldáliga, homem de muitos epítetos
O prelado, um dos expoentes da teologia da libertação, disse que estava além do comunismo. Seus defensores ainda lhe atribuem muitos outros títulos.
Redação (10/08/2020 12:12, Gaudium Press) “Profeta”, o “poeta da opção pelos pobres”, homem de “testemunho profético”, “poeta da libertação”. Os mais variados epítetos se sucedem para fazer elogios ao difunto. Não, não se trata de elogiar o Poverello de Assis, pela pobreza; ou o panegírico de Elias, pela profecia. Ou o louvor de São Pedro, ou Moisés, pela libertação.
São elementos de elogio que os admiradores de Mons. Pedro Casaldáliga, CMF, fizeram nos últimos dias do polêmico bispo espanhol, um dos maiores expoentes da teologia da libertação, falecido sábado passado, 8 de agosto, em Santa Casa de Batatais, no estado de São Paulo, Brasil.
“Morrerei de pé como as árvores”. Aos 92 anos, a saúde deste claretiano espanhol estava sendo minada pela doença de Parkinson e, por fim, complicada por uma pneumonia. Desde o dia 4 de agosto, ele estava internado em uma unidade de terapia intensiva, sendo transferido do estado de Mato Grosso para São Paulo de helicóptero. A missa de exéquias do prelado espanhol foi em São Felix do Araguaia, sua antiga diocese, neste domingo, dia 9 de agosto. No testamento, pediu, em forma de poema, para ser “enterrado em um rio”.
Missão no Brasil e doutrinas
É claro que Dom Casaldáliga não tinha posições discutidas apenas no campo econômico ou no da doutrina social da Igreja (ele declarava que estava mais além do comunismo), mas que este âmbito abrangia também outros no da teologia sacramentaria, como sua defesa da ordenação de casados, ou do centro da eclesiologia, que queria que os bispos fossem eleitos democraticamente, no melhor estilo da Constituição Civil do Clero da Revolução Francesa. Possuía, segundo suas palavras, uma “fé guerrilheira” e um “ amor à revolução”, além das saudades de Che Guevara.
Casaldáliga foi também o grande impulsionador do “anel de tucum”, um anel preto feito de uma palmeira amazônica a fim de perpetuar os anéis usados pelos escravos do Brasil, que não podiam usar o anel de ouro dos senhores. Atualmente é utilizado por promotores da denominada “teologia indígena”, em sua maioria adeptos de um “pacto amazônico”, que inclusive na época do Concílio, teriam aderido a um “pacto das catacumbas”, com o objetivo de fazer que sua visão da Igreja prevalecesse. Foi também aclamado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) por proclamar “malditas todas as propriedades privadas” em um de seus poemas. (Terra nossa, Liberdade).
“Pedra da esperança”, “profeta da irmã-mãe Terra”, “profeta da Amazônia” e “bispo do povo”, continuam os epítetos de seus seguidores, sem deixar de lado que, embora aparentemente gozasse da confiança de Paulo VI, não foi tão assim compreendido por São João Paulo II, que o obrigou a ir a Roma em visita ad limina em 1988, após enviar duas cartas um tanto ameaçadoras. Antes de falar com o santo polonês, ele teve um longo encontro com o cardeal Ratzinger e o cardeal Gantin, então prefeito da doutrina da fé e prefeito dos bispos, que lhe fizeram um “exame de rebeldia”, segundo a expressão utilizada pelo próprio D. Casaldáliga.
Sobre sua audiência com São João Paulo II, o então prelado de São Félix de Araguaia disse: “Ele realmente me ouviu e não me deu uma severa reprimenda. Ele poderia tê-lo feito, como nós podemos lançá-la sobre ele, porque, não se escandalizem, se Pedro tem o dever de confirmar os bispos na fé, nós também podemos confirmá-lo fraternalmente na fé ”[1]. Vê-se que ele tinha muito claro o primus inter pares (primeiro entre iguais) em relação à cátedra de Pedro.
Diversas condolências
“A Venezuela lamenta profundamente o falecimento do bispo dos pobres, Dom Pedro Casaldáliga, que pregou o Evangelho da justiça, paz e libertação”, declarou o ministro das relações exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza, endossado por Nicolás Maduro nas redes sociais.
João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, disse que, com a morte de Dom Casaldáliga, “o mundo está tão ferido, como aquele mês de março que perdemos [Hugo] Chávez ou […] quando tive que ir ao funeral de Fidel [Castro] …”
O ditador nicaraguense Daniel Ortega emitiu uma nota sobre “a partida a outro plano de vida de Mons. Pedro Casaldáliga”. Ele lembrou a visita do bispo durante a Revolução Sandinista na década de 80 e sua íntima amizade com a família do presidente. Ele também enviou suas condolências pelo falecimento deste “herói dos humildes” e representante do “Cristianismo de amor e paz”.
Dom Casaldáliga foi e é considerado profeta, herói e muitos outros epítetos por tantos, inclusive por aqueles que, na realidade, não compartilham muito da doutrina da Igreja. Condolências de regimes que espionam igrejas, intimidam padres, filmam as placas dos carros que vão à missa, ameaçam os bispos e perseguem a Igreja de todos os modos possíveis. Entretanto, se os governos da Venezuela e da Nicarágua mostram tão grande estima, é porque a teologia da libertação não é pouca coisa para eles. O bispo deixou admiradores, mas, ao que parece, não deixou nenhum Eliseu.
Diante de Deus, na vida eterna, os títulos já não importam, como proclamava o prelado. Rezemos, pois, por ele. Que descanse em paz.
Por Carlos Castro
1 El País, 21/06/1988
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