Mártires Escolápias de Valência
Ainda em nossos dias, os cristãos são perseguidos e assassinados, e a Igreja calcada aos pés. Terá sido em vão o sangue de tantas vítimas inocentes derramado ao longo dos tempos?
Redação (31/08/2024 12:21, Gaudium Press) Espanha, ano de 1936. A guerra civil se alastrara por todo o país e em terras valencianas provocou a dispersão de religiosos e sacerdotes, pelos riscos que ali corriam.
Os levantes civis eram fruto de movimentos revolucionários emergidos durante a Segunda República, proclamada em abril de 1931, os quais nasceram carregados de anticlericalismo, apesar de a Igreja ter acatado o novo governo com propósitos de colaboração, por amor à pátria. Ao longo dos anos, porém, muitos templos foram incendiados em Madri, Málaga e na própria Valência, sem nenhuma sanção governamental.
No primeiro semestre de 1936, com a vitória da Frente Popular, composta por socialistas, comunistas e outros grupos radicais, a tensão tornou-se mais forte e os atentados mais graves, tendo sido provocadas novas conflagrações em igrejas e conventos, expulsos muitos párocos de suas matrizes, derrubadas inúmeras cruzes, proibidas as cerimônias religiosas, até mesmo as fúnebres, com ameaças de violência maior caso não fossem aceitas as deliberações políticas, sempre executadas de forma ilegal por esbirros da pior espécie. Configurou-se uma verdadeira perseguição religiosa.
Covarde fuzilamento
As congregações femininas converteram-se em alvo de especial ódio por parte dos revolucionários. Embora em muitos casos se dedicassem angelicamente a sacrificados e insubstituíveis labores sociais, eram tratadas como inimigas do povo, protetoras das classes superiores, “mulheres ociosas, mães frustradas e, até mesmo, como pecadoras encobertas”. Viam-se obrigadas a deixar suas vivendas e tinham seus imóveis ocupados ou destruídos, depois de saqueados.
Entre as religiosas de Valência encontrava-se a comunidade da Congregação das Filhas de Maria, das Escolas Pias. Tendo em vista o perigo que se avizinhava, no dia 22 de julho saíram as oito escolápias do colégio da congregação, onde viviam e trabalhavam, e se refugiaram num pequeno apartamento de propriedade do chofer do colégio, na mesma rua do educandário.
Os dias subsequentes foram difíceis e calamitosos. Ali abrigadas, elas se abandonaram nas mãos da Divina Providência, com inteira confiança de haver um desígnio divino mais alto naquele terrível sofrimento que lhes viera visitar. No dia 8 de agosto, um grupo de milicianos assaltou o esconderijo às cinco horas da manhã, informando ter recebido uma denúncia contra elas e intimando-as a apresentar-se no governo civil para prestar declarações. Um automóvel as esperava na porta para sair imediatamente.
Todavia, no carro não cabiam todas elas. Os revolucionários exigiram que subissem apenas cinco e as outras aguardassem o próximo veículo. Com determinação e coragem, quais virgens vigilantes com suas lâmpadas acesas, parecendo pressentir não se tardar seu encontro com o Divino Esposo, apresentaram-se Madre Maria Baldillou do Menino Jesus, Madre Maria Luisa de Jesus, Madre Carmen de São Filipe Néri e Madre Clemência de São João Batista, enfrentando o furor vermelho. Ante certa indecisão das demais, adiantou-se também Madre Apresentação da Sagrada Família.
Uma vez na viatura, os milicianos não as conduziram para nenhum tribunal governamental ou julgamento, senão que foram covardemente levadas para a Praia El Saler e ali mesmo fuziladas. No dia seguinte correu a notícia do cruel assassinato, mas só passados vários dias ela se tornou oficial, pela exposição das fotografias das vítimas no tribunal do governo, quando já haviam sido enterradas.
Desígnio divino: permanência da congregação
Enquanto isso, ficaram no apartamento as outras três religiosas: Madre Loreto Turull, Madre Dolores Vidal e Madre Dolores Mateo. Não tardou muito e chegou o automóvel que, supostamente, as levaria até o governo civil. Ao subirem no carro, se depararam com um sacerdote, Pe. Manuel Escorihuela Simeon, que ali se encontrava. No caminho, perceberam ter sido feito um desvio e o automóvel pegou também a estrada para El Saler…
Entretanto, Deus tinha outros desígnios sobre aqueles religiosos. O carro se deteve na rodovia, por uma avaria ou falta de combustível, não se sabe bem ao certo, e não pôde continuar. Transladados a outro veículo menor, onde havia alguns milicianos de hierarquia superior, estes mudaram completamente o destino dos detidos.
Levados, de fato, ao comitê, situado no cemitério, foram depois conduzidos ao governo civil. Prestados os depoimentos exigidos e postas em liberdade, as três religiosas receberam um salvo-conduto que lhes permitiu fugir para Barcelona.
Madre Loreto Turull declarou, na causa geral de beatificação de suas irmãs mártires, que um dos milicianos, Amador Sauquillo, a voz de comando que lhes salvou a vida, pediu a elas que o ajudassem, “se as coisas mudassem”. Contudo, com a fuga de Valência, nunca mais souberam dele. Queria o Divino Salvador poupar a vida daquelas suas esposas virginais, para serem testemunhas de todos esses fatos e darem continuidade à congregação. Madre Loreto, mais tarde, foi escolhida como superiora provincial e, passada a tormenta, aquelas escolápias retomaram sua evangelização e recuperaram o colégio de Valência, em pleno funcionamento até os nossos dias.
Do século XX ao século XXI
Hoje, olhando para os primeiros anos do século XX, os fatos revelam que na Espanha “se desencadeou a maior perseguição religiosa conhecida na História desde os tempos do Império Romano, superior inclusive à Revolução Francesa”. Ao fim da guerra, o número de mártires chegava a quase dez mil.
Naquele então, comentou o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: “O que na Espanha se discute é se o mundo deve ser governado por Jesus Cristo ou por Karl Marx. Toda a civilização católica, todos os princípios de moral, todas as tradições, todas as instituições de que se orgulham os ocidentais desaparecerão irremediavelmente, se vencer o comunismo. A luta da Igreja contra os soviets é a luta de Deus contra o demônio, de tudo quanto há de nobre contra tudo quanto há de ignóbil, de tudo quanto há de bom contra tudo quanto há de mau. À vista disto, pergunta-se: não é muito e muito bem empregado o sangue que se está derramando na Espanha, se da efusão desse sangue de mártires resultar a vitória da civilização contra a barbárie?”
Decorridas mais de duas décadas do século XXI, não seguimos vendo, ainda em nossos dias, cristãos serem perseguidos e assassinados, e a Igreja sendo calcada aos pés? Terá sido em vão o sangue de tantas vítimas inocentes derramado ao longo de todo esse tempo? Ele clama aos Céus pelo fim da barbárie, que só aumentou depois de quase um século desses acontecimentos. E os Céus não ficarão surdos a tamanho clamor! O momento da vitória de Cristo já não pode tardar, fecundada como foi por tanto sangue, e a promessa do Divino Salvador é eterna: “As portas do inferno não prevalecerão” (Mt 16, 18)!
Por Ir. Juliane Vasconcelos Almeida Campos, EP
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 272, agosto 2024.
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