Liberdade religiosa na China: Cardeal Chow minimiza, Cardeal Zen alerta
O Cardeal Joseph Zen, conhecido como o “leão de Hong Kong”, é uma figura proeminente na defesa dos direitos humanos e da liberdade religiosa, desafiando a repressão de Pequim e apoiando ativistas pró-democracia. Já o Cardeal Stephen Chow impôs-se como um pastor preocupado com a reconciliação e o diálogo; procura manter uma certa margem de manobra para a Igreja local, mas suas posições são consideradas excessivamente conciliatórias.
Redação (29/09/2025 09:11, Gaudium Press) As recentes declarações do Cardeal Stephen Chow Sau-yan, jesuíta e bispo de Hong Kong, suscitaram uma forte controvérsia no mundo católico. Ao afirmar que a China deseja manter intacta a liberdade religiosa no território, ele se opõe frontalmente à interpretação de seu predecessor, o cardeal Joseph Zen Ze-kiun, figura emblemática da resistência às pressões de Pequim.
Durante uma visita à Austrália, o Cardeal Chow convidou os fiéis a “virem constatar com os próprios olhos” que não há perseguição religiosa em Hong Kong. Segundo ele, o governo chinês busca respeitar a liberdade de culto na antiga colônia britânica, um fator essencial para sua projeção internacional. Embora reconheça não compartilhar da ideologia ateísta dos comunistas, o cardeal pediu que os membros do Partido sejam vistos como seres humanos “em busca de amor e respeito”. Chow chegou a minimizar a situação do cardeal Zen, de 93 anos, afirmando que seu julgamento e condenação em 2022 teriam sido exageradamente retratados pela mídia ocidental. “Nem um único dia de prisão, nem um único dia de prisão domiciliar”, declarou.
Essa interpretação contrasta radicalmente com a do cardeal Zen, impedido de se expressar livremente pelas autoridades de Hong Kong, mas reconhecido mundialmente por sua coragem. Embora não possa mais se expressar livremente, sua experiência pessoal testemunha as crescentes pressões exercidas sobre a Igreja. O Cardeal Zen teve seu passaporte confiscado, suas iniciativas reprimidas e foi silenciado pela lei de segurança nacional de 2020 e suas prorrogações de 2025.
O cardeal sempre se opôs à “sinização” forçada da fé católica, que se traduz na reescrita dos programas escolares religiosos, na integração de valores socialistas na catequese e em ameaças contra os padres que pregam homilias consideradas “sediciosas”. A seu ver, a detenção do magnata católico Jimmy Lai e a crescente censura são sinais claros de uma perseguição velada, mas real.
A divergência entre Chow e Zen ilustra duas abordagens opostas: uma voltada para o diálogo com Pequim, correndo o risco de parecer uma concessão ao regime, e outra fiel à verdade dos fatos e disposta a denunciar a injustiça, apesar das sanções. Observadores estimam que o Cardeal Chow fala com relativa liberdade, sabendo que que o Cardeal Zen não tem mais a possibilidade de contradizer publicamente suas declarações. No entanto, a realidade — prisões de ativistas, silenciamento de padres, pressões sobre escolas católicas — alimenta o temor de que a liberdade religiosa em Hong Kong seja agora apenas uma lembrança.
Diante dessa divisão interna, várias vozes pedem que a Santa Sé intervenha de forma mais clara. Alguns analistas, como George Weigel, criticam o Cardeal Chow por seu silêncio sobre o caso de Jimmy Lai e sua falta de apoio aos católicos perseguidos. Outros, como Nina Shea, pedem ao papa que se pronuncie com firmeza para proteger a Igreja de Hong Kong de uma colaboração forçada com o aparato de propaganda do Partido Comunista. O confronto entre os dois cardeais não se resume, portanto, a uma simples divergência de análise. Ele revela o dilema mais amplo da Igreja em relação à China: escolher entre o compromisso prudente ou a denúncia profética, correndo o risco de repressão.
A história recente de Hong Kong lança uma luz adicional sobre essa controvérsia. Quando o território voltou à soberania chinesa em 1997, Pequim prometeu manter o princípio “um país, dois sistemas” por cinquenta anos, em virtude da Declaração Conjunta Sino-Britânica. No entanto, ao longo da última década, este princípio foi progressivamente esvaziado do seu conteúdo. A lei sobre a segurança nacional imposta em 2020, e posteriormente reforçada em 2025, introduziu restrições severas à liberdade de expressão e de religião.
Os sacerdotes agora correm o risco de sofrer pesadas penas se se recusarem a revelar o segredo da confissão em casos qualificados como “traição”, e as escolas católicas devem integrar elementos de propaganda socialista em seu ensino religioso.
Nesse contexto, os perfis dos dois cardeais são completamente diferentes. O Cardeal Joseph Zen, ordenado bispo em 1996 e nomeado cardeal em 2006 por Bento XVI, é conhecido como o “leão de Hong Kong”. Defensor dos direitos humanos e da liberdade religiosa, ele assumiu posições firmes contra a repressão de Pequim, apoiando estudantes e ativistas pró-democracia. Sua autoridade moral ultrapassa amplamente as fronteiras da China.
Já o Cardeal Stephen Chow, jesuíta, formado em um ambiente acadêmico marcado pela psicologia e pela educação, impôs-se como um pastor preocupado com a reconciliação e o diálogo. Menos conflituoso que seu antecessor, ele procura manter uma certa margem de manobra para a Igreja local, mas suas posições são consideradas excessivamente conciliatórias.
O caso de Jimmy Lai ilustra essa divisão. Fundador do jornal Apple Daily, este católico fervoroso está detido desde 2020 por “conspiração com forças estrangeiras”. Seu longo julgamento durou mais de cinco meses e ainda se aguarda o veredicto. Símbolo da liberdade de imprensa e da resistência, ele encarna para muitos o preço pago pelos cristãos e democratas de Hong Kong.
Enquanto o cardeal Zen manifestou seu claro apoio a Jimmy Lai, o Cardeal Chow é criticado por seu silêncio.
A controvérsia também se insere no contexto mais amplo das relações entre Roma e Pequim. Desde 2018, um acordo provisório sobre a nomeação de bispos foi assinado entre a Santa Sé e a China, renovado apesar de sua opacidade e efeitos limitados. Pequim vê isso como uma vitória diplomática e uma forma de controlar mais a Igreja, enquanto muitos católicos consideram isso uma concessão arriscada.
O relativo silêncio do Vaticano sobre a situação em Hong Kong alimenta a preocupação dos fiéis, que temem que o diálogo diplomático seja feito em detrimento da verdade.
Por fim, o confronto entre Chow e Zen levanta uma questão mais espiritual. A Igreja deve se adaptar ao poder político para preservar sua presença ou falar profeticamente, correndo o risco de perseguição? A história oferece muitos precedentes, desde Santo Atanásio se opondo ao arianismo apesar dos exílios, até São João Paulo II resistindo pacificamente ao comunismo. Nessa perspectiva, o Cardeal Zen aparece como uma figura de coragem evangélica, enquanto as escolhas do Cardeal Chow se inscrevem em uma lógica de prudência diplomática.
Este debate não se limita, portanto, a Hong Kong. Ele reflete um desafio universal para a Igreja: como permanecer fiel à missão de anunciar Cristo sem concessões, ao mesmo tempo em que enfrenta os regimes que buscam silenciá-la.
Por Elisabeth Vimele
Artigo publicado originalmente em francês no site Tribune Chretienne, em 29 de setembro de 20225. Tradução Gaudium Press
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