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Leão XIV: movendo as peças

Leão não empreenderá novas reformas. Ele fará ajustes e absorverá o que considerar supérfluo.

Foto: Vatican news/ Vatican media

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Redação (01/12/2025 10:27, Gaudium Press) A semana em que Leão XIV partiu para sua primeira viagem internacional foi também aquela em que o Papa tomou várias decisões, e começou, de fato, a imprimir uma direção ao seu pontificado.

As decisões que tomou revelaram algumas das características de Leão XIV: ele é capaz de revogar as decisões do Papa Francisco, especialmente em questões administrativas; em matéria doutrinal, ele absorve os temas em vez de alimentar o debate; ele não é, sem dúvida, um Papa que implementa um sistema de nomeações feroz e, portanto, não se podem esperar saídas exemplares significativas.

Mas antes de analisar estas características, vale a pena examinar os fatos.

Esta semana, foram promulgados os novos Regulamentos Gerais da Cúria Romana; o Dicastério para a Doutrina da Fé publicou sua nota sobre a monogamia; o orçamento da Santa Sé foi publicado; o bispo Marco Mellino foi nomeado secretário adjunto do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos; e Leão XIV restabeleceu o setor central para a diocese de Roma.

Cada um desses cinco eventos tem seu peso específico.

A publicação do novo regulamento geral da Cúria Romana conclui o trabalho iniciado pelo Papa Francisco com a reforma da Cúria. O novo regulamento apresenta-se, antes de mais nada, como uma adaptação às estruturas traçadas na Constituição Apostólica Praedicate Evangelium. Por exemplo, cabe à Secretaria para a Economia a elaboração de contratos e a verificação de sua adequação. A Secretaria de Estado deixa de propor a nomeação dos chefes dos escritórios dos dicastérios, que passam a ser nomeados pelo pontífice. As competências dos dicastérios foram alteradas.

Enfatizou-se que os novos regulamentos determinam expressamente que cada dicastério deve registrar as solicitações que recebe e fornecer respostas adequadas – e devidamente fundamentadas. Essa burocratização serve para evitar abusos, embora seja igualmente verdade que todos os pedidos recebidos pelos dicastérios já são, por rotina, registrados, nem que seja por motivos de arquivamento. Ressaltou-se ainda que o latim continua sendo a língua oficial da Igreja, o que, objetivamente, não poderia ser diferente. Isso já valia inclusive para o Papa Francisco, que redigia seus textos em espanhol ou aceitava uma editio typica em italiano.

O que chama a atenção, porém, é que a Secretaria de Estado mantém seu papel de coordenar todos os dicastérios; um fato significativo, considerando que o Papa Francisco havia desmantelado, uma a uma, as prerrogativas da Secretaria de Estado, chegando até mesmo a retirar sua autonomia financeira. A reforma de Francisco, ao que parece, não é intocável. Leão XIV demonstrou isso ao restabelecer a possibilidade de cada Dicastério investir e captar fundos fora do Instituto para as Obras de Religião, o chamado “banco do Vaticano”. O Papa Francisco, ao contrário, havia obrigado todos a investir apenas através do IOR. A mudança de perspectiva é evidente.

Outro ponto, é a reversão, por Leão XIV, da decisão do Papa Francisco de abolir o setor central da Diocese de Roma, historicamente dividida em cinco setores geográficos pastorais-administrativos: Norte, Sul, Leste, Oeste e Centro Histórico. O setor ou distrito central sempre teve um auxiliar dedicado, e um perfil particular devido ao seu rico patrimônio histórico e cultural e ao seu peculiar perfil pastoral, envolvendo um rebanho de peregrinos, turistas e transeuntes.

O Papa Francisco aboliu o setor central, acreditando que não deveria haver áreas “privilegiadas” e desejando colocar os subúrbios no centro da vila. Leão XIV restabeleceu o setor com um motu proprio que não nega as razões da decisão de Francisco nem afirma uma necessidade administrativa.

Leão XIV agiu, portanto, de uma forma que não tornou explícita a descontinuidade com o Papa Francisco, mas tomou uma direção muito oposta. Disso resulta uma dupla lição importante: sabemos que Leão não tratará a reforma de Francisco como um grande negócio inacabado; sabemos também que ele não terá medo de mudar de direção.

Outro sinal evidente da atitude de Leão está na forma como foi apresentado o orçamento da Santa Sé.

As diversas instituições da Santa Sé registraram um modesto superávit orçamentário de € 1,6 milhão, enquanto o déficit operacional estrutural da Santa Sé como um todo foi reduzido pela metade em 2024, passando de € 83,5 milhões em 2023 para € 44,4 milhões. Os resultados de 2024, no entanto, foram significativamente afetados pela gestão dos hospitais que, desde 2022, foram incluídos nas contas de débito e crédito do Vaticano. O que mudou foi a narrativa.

Nos últimos anos, tem-se falado de um déficit. Pela primeira vez em muito tempo, parece plausível falar de um caminho virtuoso a ser consolidado. Não se enganem: a Santa Sé ainda não está fora de perigo, nem de longe. O sistema financeiro passou por grandes turbulências nos últimos anos e ainda precisa urgentemente de consolidação. Sob Leão XIV, que é um papa muito institucional, a instituição será preservada.

A nomeação do bispo Marco Mellino como secretário adjunto do Dicastério para os Textos Legislativos é mais um sinal.

Mellino era secretário do Conselho de Cardeais e atualmente é secretário do Comitê para a Revisão do Regulamento Geral da Cúria. De qualquer modo, ele agora assume, no Vaticano, a função como “segundo número 2” em um dicastério atualmente sem prefeito — Leão XIV promoveu Iannone ao cargo de prefeito do Dicastério para os Bispos. Mellino não foi nomeado prefeito, mas secretário adjunto, e sua nomeação é um sinal não apenas de que o Conselho de Cardeais cumpriu suas funções, mas também de que a revisão dos regulamentos da Cúria não será mais confiada a Mellino. Mellino, no entanto, não foi promovido. Em vez disso, ele foi alocado como adjunto em um dicastério.

Em outras palavras, Mellino não saiu de Roma, mas assumiu outro cargo no Vaticano.

O mesmo aconteceu com o secretário de longa data do Dicastério para os Bispos, Dom Ilson de Jesus Montanari, que era extraordinariamente poderoso e influente em sua função durante o pontificado de Francisco. Observadores esperavam que ele deixasse o cargo se não conseguisse o comando do dicastério (que era anteriormente chefiado pelo homem que agora chamamos de Leão XIV). Porém, Montanari permaneceu no cargo.

O único demitido foi um funcionário do Dicastério para o Clero, Andrés Gabriel Ferrada Moreira, enviado como bispo para a Diocese de San Bartolomé de Chillán, no Chile. Leão XIV não puniu nem exilou, ou seja, não criou cargos ad hoc nem deixou sem atribuições aqueles que considerava não estarem alinhados, como fazia o Papa Francisco.

Com essas decisões, algumas das experiências do pontificado do Papa Francisco parecem chegar ao fim, a começar pelo Conselho de Cardeais, uma espécie de “gabinete informal” que foi uma peculiaridade da era Francisco. Leão XIV prefere convocar consistórios para discussão — o de 7 e 8 de janeiro será o primeiro, mas provavelmente não será o último — e se concentrar em reuniões interdepartamentais, em vez de multiplicar o número de instituições. Leão, portanto, não empreenderá novas reformas. Ele fará ajustes e absorverá o que considerar supérfluo.

Pode-se quase dizer que a reforma de Leão será uma reforma por absorção.

Os documentos que o Papa Francisco deixou inacabados também estão sendo absorvidos. Na semana passada, foi publicado um documento sobre a monogamia: 40 páginas de citações, com um convite no início do texto para pular diretamente para a conclusão, caso o leitor não quisesse se aprofundar. Não se trata de um documento heterodoxo ou controverso, apesar dos esforços de alguns comentaristas para descobrir uma abertura crescente ao sexo não procriativo no casamento, mas, fundamentalmente, isso não existe no texto. Na verdade, é um documento que se encaixa em uma sólida tradição teológica, mesmo que não trate do problema específico da poliginia africana, que supostamente teria sido o motivo de sua elaboração.

Ainda assim, é um documento herdado do pontificado anterior. Há mais dois em fase de publicação; depois disso, o mandato confiado pelo Papa Francisco ao Dicastério para a Doutrina da Fé terá expirado. O fato de Leão XIV ter decidido levá-los adiante demonstra respeito por seu predecessor e um desejo de demonstrar continuidade.

Leão XIV não é um papa revolucionário.

Leão XIV não quer romper abruptamente com o pontificado de Francisco. Ele continuou o caminho traçado por seu predecessor, com poucas intervenções. Contudo, há uma nova direção, um novo estilo de vida, que quase levou ao esquecimento de Francisco.

Quase.

Uma visão clara da situação deve perceber que muitos dos que cercam Leão ainda querem continuar colocando as decisões do Papa Francisco no centro. O que está em construção provavelmente será concluído.

A abordagem leonina, porém, será diferente.

Artigo de Andrea Gaglarducci, publicado originalmente em inglês no site Monday Vatican, em 01 de dezembro de 2025. Tradução Gaudium Press.

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